Bolinha

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O nascimento de Leona coincidiu com o repovoamento de Shiganshina. Hange leu a matéria do jornal bebericando uma xícara de chá, com a recém-nascida dormindo profundamente em seu braço livre.

A volta dos moradores era um marco histórico em Paradis. Os residentes estavam felizes em retornar para casa, e os habitantes da muralha Rose suspiravam aliviados por terem mais espaço nas ruas. Na última página do jornal, logo antes da charge, havia uma pequena nota sobre um esqueleto de criança encontrado no poço de Shiganshina. Ninguém sabia a identidade do cadáver.

Na primeira semana, Hange fez do quarto escritório. O berço voltou, entretanto, quase não foi usado. A comandante ficava sentada na cama de casal lendo documentos que dependiam da sua assinatura, tendo a companhia da bebê ao seu lado. Os subordinados pegaram mais responsabilidades para reduzir o trabalho da comandante, já que a criança exigia atenção constante.

Os adolescentes do esquadrão 104 e Floch só foram conhecer a menininha três dias após ela ser aceita pela mãe. Eles vieram juntos e se aglomeraram na lateral aonde a bebê repousava. Jean sentou aos pés do colchão, Sasha colocou-se de joelhos com o rosto apoiado nos braços cruzados, e os demais adolescentes ficaram atrás dela. Armin reclamou da falta de visibilidade da retaguarda, mas logo deduziu que era melhor ir para o lado de Hange, de onde podia olhar sem ninguém atrapalhando. Hange estava ocupada lendo os relatórios de Mayla, tinha algum erro de cálculo no último experimento e a cientista tentava descobrir o esconderijo do danadinho.

— Gente, abriu os olhos. Oi, Leona!

Talvez você não saiba, mas os seres humanos não nascem com a visão desenvolvida. Em sua perspectiva preto-e-branca, Leona não foi capaz de ver os traços faciais do sorridente rapaz, mas uma mancha grande e borrada dona de uma voz desconhecida forçadamente pateta. Em resposta, a bebê atordoada, pestanejando, virou o rostinho para a direita, de onde vinha o cheiro familiar da mãe.

— Haha, você assustou ela com essa sua cara de cavalo.

— Não enche, Eren. Ela nem tá chorando. Você não tem medo do tio Jean, né?

A bebê ignorou a voz fina, quem diabos é esse cara irritante? Ligeiramente desapontado, Jean ergueu-se reto, e Sasha aproveitou para encostar o dedo indicador no nariz da criancinha. Leona reagiu torcendo o lábio superior. Floch, amassado entre Eren e Connie, com cada braço no ombro de um soldado, irradiava paixão – ele era tio de um garotinho só dois anos mais velho.

— Que bebezinha linda!

Os outros adolescentes concordaram, e nisso Hange baixou o relatório emitindo um som audível de papel. No fim, não estava tão alheia assim ao que acontecia no aposento. A comandante fitou os soldados, cética.

— Vocês realmente pensam desse jeito? Eu que sou mãe acho ela feia de doer.

E achava mesmo. Em relação a aparência física, Hange concordava que os filhotes humanos eram os mais horrorosos do reino animal. A beleza que via na bebê era meramente afetiva. A menina deitada perto da sua coxa não entende a ofensa, mas o timbre da mãe a fez sorrir, e isso, é claro, encheu o coração dos adolescentes de amor. Nesse ponto, Mikasa, não mais aguentando o crescente sentimento fraternal e protetor que só recém-nascidos são capazes de proporcionar - aquela coisa meio "eu-vou-fazer-de-tudo-para-te-proteger", pediu:

— Podemos segurá-la?

— Claro.

A garotinha foi erguida do colchão para o colo da Ackerman. Mikasa abraçou o corpo minúsculo, e as bochechas rosadas encostaram na carinha enrugada. Um largo sorriso se desenhou no rosto já iluminado, e a adolescente deu risinhos ao beijar a bebê. Hange, assistindo a cena de baixo, viu Leona absorver o carinho da soldada quase instantaneamente, talvez por ter ouvido a voz de Mikasa várias vezes antes de nascer.

Venha me pegarWhere stories live. Discover now