Garota endiabrada

259 21 23
                                    


Quando a vida te der limões, faça uma limonada.

A frase acima é um pensamento reproduzido por pessoas otimistas. Há outras versões desse mesmo discurso, como "o copo está meio cheio ou meio vazio, depende do ponto de vista" e "não importa a cor do céu, quem faz o dia bonito é você". Como uma pessoa positiva por natureza, Hange não só gostava dessas frases como as repetia no dia a dia.

Entretanto, até mesmo a pessoa mais esperançosa do mundo pode não encontrar uma saída, por mais que mantenha a positividade. No dia em que a gravidez foi confirmada, Hange, a mais otimista da Tropa de Exploração, lembrou de um detalhe perturbador. Ela já tinha entrado pelo cano uma vez, quando Moblit a atirou num poço abandonado para salvar sua vida, e uma coisa que nunca contou a ninguém, nem mesmo para Levi, é que aquele poço não estava vazio.

Hange caiu no meio dos ossos de um pequeno esqueleto que já havia passado por todos os estágios da decomposição. Como estava em pânico, a comandante não deu importância para aquele ser humano morto, que provavelmente foi uma criança que pulou no velho poço para escapar dos titãs e acabou morrendo de fome e frio, sozinha numa cidade habitada por monstros. É óbvio que a cientista encontrou a luz no fim do túnel após subir as paredes com a ajuda do equipamento de manobras. No entanto, agora, ela se sentia como a criança morta – sozinha no escuro com a garganta ardida de gritar por socorro e as pontas dos dedos sangrando após múltiplas tentativas de alcançar a luz.

Todo mundo sabe que é possível fazer uma limonada com limões. No entanto, não dá para fazer o mesmo com um feto; com isso, você pode fazer uma criança ou um aborto, e as duas opções são péssimas.

Pelos seus cálculos, estava com dezessete semanas de gestação. Naquele estágio, os métodos abortivos menos agressivos, como remédios e injeções, não tinham eficácia garantida já que eram feitos para a fase embrionária. Mesmo que os riscos de efeitos colaterais fossem baixos, ainda eram terríveis – podiam causar uma série de doenças graves – de maneira que não era recomendado usar muitas doses, era permitido no máximo duas e boa sorte. Aplicar esses procedimentos com dezessete semanas ia, no mínimo, fazer com que Hange desse à luz a um bebê deformado, e com muita, muita, MUITA sorte, morto.

E mesmo que a sorte sorrisse, passar nove meses com uma criança morta dentro da barriga não é nem um pouco legal.

Ainda restavam algumas opções sobre aborto. Podia contratar um médico para fazer um, no entanto, a operação era aterrorizante e consistia em matar o bebê direto por onde ele entrou, e para tal se usava um aparelho semelhante a uma agulha de tricô. Hange já tinha ouvido falar de mulheres que saíram do hospital com a vagina dilacerada e nunca se recuperaram totalmente.

A última opção era pedir para um soldado bom de chute espanca-la e torcer para matar a criança. Sim, Hange era capaz de aguentar algumas porradas, e quem sabe conseguisse colocar o feto para fora após uma sessão de espancamento, já que abortos espontâneos eram possíveis até a vigésima segunda semana de gestação.

A noção de estar considerando uma ideia daquelas fez a comandante arregalar o único olho e erguer-se sentada no colchão. Ela ficou parada olhando um ponto específico do quarto sem enxergar nada enquanto refletia sobre o absurdo em que acabara de pensar.

Isso a fez lembrar da própria mãe, uma enfermeira que trabalhava muito para ganhar pouco. Hange tinha muitas recordações boas daquela mulher, mas o fato dela desprover de paciência e gentilezas gerou, também, uma porção de memórias ruins. A comandante não ligava de ser chamada de "esquisita" pelos outros, pois ouviu o mesmo da própria mãe durante todo o tempo em que viveu com ela. A frase favorita da enfermeira era "eu caí com a barriga para baixo quando estava grávida de você, por isso você nasceu assim".

Venha me pegarWhere stories live. Discover now