Respeitáveis Palpites

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Aquilo foi a gota d'água para Poppy.

Ela suportou a balburdia de forma corajosa e subalterna (afinal, o diretor estava no meio) enquanto estávamos bem. Parecia levar em consideração que ainda éramos crianças e que o melhor remédio que poderíamos ter depois dos acontecimentos da noite era o riso. Ninguém mais estava rindo. Foi isso que a fez se esticar inteira, a coluna tão rígida que poderia se partir pela tensão e caminhar até o amontoado de camas. As mãos na frente do corpo, unidas, não eram nem de longe um sinal de nervosismo e sem de controle. Ela estava disposta a pegar a varinha se houvesse problemas.

— Muito bem, é o bastante — declarou, a voz firme de autoridade que não aceitaria discussões. — Essas crianças passaram por muita coisa nas últimas vinte e quatro horas. Corpos, mentes e magia exigidos e forçados ao extremo. Elas precisam de repouso e de tranquilidade. Então eu peço, por gentileza, que quem não for meu paciente saia da minha enfermaria para que eu possa cuidar de forma apropriada dos que são.

Os perplexos Weasley e os tensos professores lidaram com a expulsão de forma apropriada. Seus corpos rígidos estavam relutantes em sair, não escondendo o desejo de permanecer para ver o desenrolar da história ou interferir de alguma forma. Os Malfoy, por outro lado, não tinham costume de obedecer a qualquer vontade que não a deles mesmos. Os três se ergueram em sua espinha dorsal, mirando Papoula como se perguntasse quem diabos ela pensava que era para achar que tinha algum poder sobre o que faziam ou deixavam de fazer. Em um segundo, vi que aquilo seria uma briga. A mulher loira morderia e rosnaria para não sair, seu marido a apoiaria e quanto ao filho... Draco ainda estava parado ao meu lado, em pé, seu corpo ainda uma barreira.

Mas sua mente estava longe, disparava por um turbilhão de lembranças dolorosas de infância que eu não queria presenciar. Reconheci apenas uma imagem antes de me afastar: o rosto absolutamente triste da mulher na minha frente, cheio de um pesar que já havia gastado todas as lágrimas de seu corpo, os lábios se movendo rápido em algum tipo de prece em algum tipo de ritual. Pedia misericórdia. Pedia ajuda. Pedia para alguém a muito perdido encontrar o caminho de volta. Me afastei da lembrança como se me queimasse, por pouco controlando o impulso de levar a mão até a garganta, para tentar dissolver o desconforto quase físico que isso causou.

— Saia — foi tudo que consegui fazer sair, em uma voz mais baixa e rouca do que eu queria, muito diferente da atitude confiante que consegui reunir no início. Eu estava cansada. Tão cansada. Havia lidado com Riddle apenas alguns pares de horas antes de toda essa cena, e finalmente aceitado meu sangue e minha história só um pouco antes. Eu havia lutado e havia perdido. Eu havia morrido e voltado. Algumas horas, era só o que eu queria. Algumas horas de descanso. Então eu lidaria com mais essa. — Eu estou cansada. Eu preciso de tempo. Se têm alguma real consideração por mim, vai respeitar minha recuperação. Converse com Dumbledore ou Severo, tenho certeza que eles podem te responder praticamente qualquer coisa sobre mim, inclusive o que me colocou nessa cama. Mas me deixe em paz nem que seja por mais um dia. Não é pedir muito.

Eu falava diretamente com a mulher, pois sabia que os outros dois a seguiriam para fora. Me recusei a aceitar sua decepção e sua tristeza ao ser dispensada, ao ver que eu não estava, nem de longe, tão ansiosa pelo reencontro quanto ela. Mas Narcisa Malfoy fez enfim algo certo quando seu queixo se moveu apenas um centímetro para o lado, em uma inclinação quase inexistente de cabeça, e então começou a recuar, levando seu marido consigo. Os olhos de Lucius me estudavam como um cientista, analisando um novo animal selvagem encontrado em seu habitat natural. Não parecia tão sentido quanto a mulher e por isso agradeci – tudo que eu não precisava era do fato de ter magoado os sentimentos do grande pedaço de merda que ele era.

— Draco — foi ele quem chamou pelo filho, indicando para os acompanhar. O garoto ainda não tinha se mexido. Com o coração batendo com força o bastante para retumbar nos meus tímpanos, levei uma mão até a dele. Meus dedos tocaram seu pulso em algo suave e quase receoso, apenas para serem envolvidos pelos dele na mesma hora. Malfoy virou o rosto para mim, as sobrancelhas franzidas e o rosto contraído de confusão. Seus olhos, apesar de estarem meio engolidas naquele oceano de caos, ainda brilhavam e sua mão ainda estava na minha. Me perguntei por quanto tempo.

Corona IIWhere stories live. Discover now