Porta Aberta

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O único motivo que Lagrum não me procurou pelo resto da noite foi pena.

Quando puxei minha blusa molhada por cima da cabeça, acabei decidindo que tomaria um banho de uma vez. Ao menos não me sentia mais ao ponto de colapsar, com minha respiração estável e meu coração constante. Mesmo assim minha pele ainda ardia, contaminada pelo rastro doloroso e incendiado da minha Marca. A imersão na água da banheira, porém, foi o bastante para que o alivio percorresse minha espinha. Eu gostava da água, gostava da sensação dela em minha pele, da forma como me fazia sentir quase em paz.

Gradualmente, o silêncio e o conforto foram o bastante para me embalar outra vez, minha mente anestesiada pela concentração em meu corpo, em como cada músculo e nervo parecia relaxar e soltar, em como minha pela maltratada encontrava consolo na pura sensação de frescor. Dormi um sono sem sonhos, sem pensamentos, sem meu amigo – por mais que eu sentisse sua preocupação rondando as beiradas da minha existência.

A água estava gelada quando abri meus olhos outra vez e, a despeito disso, não me sentia como se tivesse de fato descansado. Ao menos minha mente estava suficientemente recuperada para que a coerência se estabelecesse e meu corpo forte o bastante para me sustentar outra vez. Cheguei a olhar o grande espelho por um breve momento antes de voltar para o dormitório e só consegui pensar no que Daphne iria dizer quando acordasse se ela achou que ontem eu parecia abatida.

Tentei manter algum respeito próprio, mas tudo que pude fazer foi agradecer por nenhuma alma testemunhar meu rosto quando, seca e embrulhada em meu velho conjunto que chamava de pijama, me enfiei debaixo das cobertas de minha cama. A completa ausência de todos meus sentidos foi mais que bem-vinda outra vez e, agora, aproveitada da forma que se deve. Foi apenas a movimentação no dormitório pela manhã que me fez voltar à consciência. Eu sabia que o viria assim que levantasse, então agradeci por já estar me sentindo recuperada o suficiente para lidar com os olhares das senhoras da corte.

— Merlin, Mal, o que Filch fez com você? — Lady Daphy nunca decepcionava. Ela estava sentada em sua cama, com a mochila à sua frente, arrumando o material do dia. Seus olhos, no entanto, não estavam no volume de Transfiguração que segurava nas mãos bem cuidadas e sim em mim. Pela sua mente, era fácil entender a junção de suas sobrancelhas e o vinco em sua testa: apesar de estar me sentimento plenamente bem, minha aparência não havia seguido o ritmo com tanto entusiasmo pela minha palidez quase azulada e mancha escura sob os olhos.

— Parece que ele enfim teve a chance de usar as correntes que fica resmungando por aí — Parkinson jogou do seu lado do quarto, onde estava penteando o cabelo muito liso e preto. Seus olhos escuros e estreitos por natureza me olharam de cima a baixo com uma seriedade critica. — E então ela o matou.

— Pam! — A pequena Sue chiou entre os dentes, recebendo uma lenta sobrancelha levantada em resposta, o que me fez sorrir. Hopkins encontrava, a cada dia, sua voz dentro do ninho. Isso era bom. Era hora de Pansy não apenas olhar a garota como um ato de caridade e sim como alguém com tanto direito quanto ela de estar naquela Casa.

— Foi um bom chute, na verdade — a atenção foi voltada para mim outra vez enquanto jogava minhas pernas para fora da cama. — Mas não. Ele só me mandou enxugar o banheiro da Murta Que Geme, sem magia...

— Só? — Bulstrode arfou de sua cama. Era impossível não olhar para ela e pensar em seu gato preto, o que me fazia torcer os lábios para esconder a risada. — Os banheiros de Hogwarts são grandes e aquele lá está sempre alagado!

— Não é grande coisa, Emily — levei meus ombros para baixo. — Estou acostumada a limpar, era uma das minhas mais frequentes atividades no orfanato. E em condições muito piores do que um esfregão pra lá de usado e a vigília de um velho asmático. A questão é que minha dor de cabeça piorou muito durante a noite e isso deixa algumas marcas.

Corona IIWhere stories live. Discover now