Trapaça de Ninguém

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Uma partida de quadribol iria acontecer em algumas horas. Coisa grande, muito esperada, todo castelo estava em pique. Nada, nem mesmo Filch e mensagem manchada na parede, poderia tirar isso de Hogwarts – a competição. Era a abertura da temporada de jogos, Grifinória contra Sonserina, e estavam todos animados para descobrir como o novo apanhador, Draco Malfoy, se sairia. Eu estava animada para descobrir. Concordava plenamente com Ronald no dia anterior, quando o garoto sussurrou para Potter ao sair do banheiro, que ele poderia nos poupar todo o trabalho e derrubar Malfoy da vassoura.

Eu daria tudo para ver isso acontecer, e se não, ao menos seu rosto ao ser humilhado por Harry quando os leões ganhassem apesar das vassouras ultrapassadas. Trabalho em equipe, talento, paixão pelo esporte – eram coisas que eu sabia que o apanhador da Sonserina não possuía. A inveja e a ganância o guiaram para cima de uma vassoura em frente da escola inteira, e eu estaria lá para ver ele ser derrubado.

Mas precisaria sobreviver a Lagrum primeiro.

Para ser honesta, uma parte de mim se perguntava quando meu amigo se cansaria das minhas férias. Desde que havia vindo para Hogwarts, seu treinamento reduziu drasticamente. Eu estava mais que acostumada a correr dele e com ele no bosque ao redor do Santa Maria, em me dobrar e esquivar para fugir de sua boca ou ponta de cauda, em escalar uma árvore ou pular de um galho alto sem pensar duas vezes – ser caçada por uma cobra gigante era um ótimo exercício e me mantinha em ativa, meus reflexos afiados, minha mente concentrada absorvendo as normas da sobrevivência.

Quando o bosque tranquilo do orfanato se transformou na Floresta Proibida, no entanto, as coisas se acalmaram. E havia um bom motivo para isso: diferente do primeiro, a floresta nos terrenos do castelo guardava muito mais do que coelhos e esquilos. Qualquer mata guarda seus segredos, mas uma com criaturas mágicas carnívoras e imprevisíveis era digo de hesitação. Por um ano, então, Lagrum não permitiu que eu saísse muito de seu lado. Ficou comigo enquanto me embrenhava naquela nova realidade, guardando minhas costas de qualquer coisa que pulasse em nós. Nunca aconteceu, mas eu sabia que ele fazia suas próprias incursões, bem mais fundo na floresta do que se atrevia a me levar, e eu via as marcas em seu couro duro.

Depois que o limite de segurança mínima havia sido delimitado, era apenas uma questão de tempo até que eu conhecesse a área disponível. Não era pequena. Como usual, muito mais mentor do que amigo, a cobra não sentiu pena de me grudar no perigo. Mas ao menos eu sabia onde ele estava e, antes dele, foi minha obrigação aprender cada trilha escondida, cada árvore, cada folha do lugar através das estações. Quando já podia andar por ali de olhos fechados, dia ou não, acompanhada ou não, era uma decisão de Lagrum se continuaria me dando noites tranquilas de caminhadas, ou deixaria passar aprendendo sobre estrelas.

Não que ele não fosse paciente. Por essência, cobras o eram. A questão era muito mais um desejo primitivo de me ver caçar algo que o desafiasse misturado a vingança pelo meu temperamento, pela minha petulância. Tinha plena consciência que Lagrum sentia muito prazer ao tentar me matar e eu poderia ficar magoado por isso, se o meu em sobreviver não fosse maior.

A pouca pele ainda sensível entre as cicatrizes dos meus dedos se feriu quando agarrei o próximo galho, mas não me dei nem meio segundo para prestar atenção nisso enquanto içava meu corpo para cima, recolhendo minhas pernas no exato momento em que a boca de Lagrum se fechou onde estavam. Ouvi o barulho de sua mandíbula poderosa se fechando, o silvo continuo de sua respiração, sua língua indo e voltando para fora, me localizando antes que eu tivesse tempo de fugir. Nunca poderia fugir, ele tinha meios demais de me rastrear, mas ainda tinha vantagens.

Por exemplo, eu não pesava cem quilos e não tinha mais de três metros. O corpo de Lagrum era mais forte e resistente que o meu, mas também era mais pesado. Não que isso fizesse uma diferença significativa em sua agilidade – ainda era muito capaz de armar e dar um bote segundos, o que significava que tinha não mais que milésimos de vantagem. Era o bastante, ao menos, era isso que vinha me mantendo longe de suas presas ou de seu corpo na última hora.

Corona IIWhere stories live. Discover now