Voz Compartilhada

2.1K 341 39
                                    

Dumbledore realmente tinha contratado uma trupe de esqueletos dançarinos.

Eles estavam por todo o salão, fazendo estripulias e cambalhotas entre as mesas, vez ou outra escolhendo alguém para se juntar a eles. As reações dos primeiranistas eram as melhores: divididos entre a surpresa, a vergonha e alguns até o receio – nascidos trouxa, pela boca aberta e os olhos grandes. Eu não os culpava, tive a mesma reação quando entrei. Até, pelo menos, Daphne me cutucar quando me sentei ao seu lado.

— Está com a boca aberta.

— Tem esqueletos aqui — devolvi sem nem piscar, o sorriso forçando minhas bochechas ao observar os ossos brancos se mexendo sozinhos. — Esqueletos, Greengrass.

Daphne riu, mas não me importei pois não era maldoso, de forma alguma. Ela olhou para mim da mesma forma que seus olhos correram para outro canto da mesa, onde sua irmã mais nova também ria com suas novas amigas – extasiada com seu primeiro Dia das Bruxas em Hogwarts. Por outro lado, tanta excitação não era compartilhada pelos veteranos. Quintanistas e acima mal olhavam em volta, nascidos trouxas ou não, já bastante acostumados com as celebrações escolares. Me perguntei se eu me tornaria como eles, tão cética e acostumada com a magia que perderia o encanto pela sua existência.

Duvidava. Fui prisioneira da realidade trouxa por tempo demais para deixar de enxergar o milagre de uma simples levitação. Aquilo era real, aquele era meu mundo. E todas aquelas velas penduradas e morcegos batendo asas serviam para lembrar que eu estava em casa agora.

O banquete foi tão bom quanto o do ano passado, talvez até um pouco melhor se levar em conta a interrupção brusca que sofreu quando Quirrell invadiu o salão gritando sobre o trasgo que havia invadido a escola. O barulho de risadas e conversa era ensurdecedor, não era sempre que o Salão Principal vibrava com tanta animação desta forma. Até mesma a mesa dos professores estava agitada, com gargalhadas soltas saindo de Hagrid e de Flitwick, mas o melhor era ver Snape e sua cara enquanto Papoula discursava sobre alguma coisa. Os olhos dele me encontraram quando olhei e faiscaram por apenas um momento – o bastante para que eu sentisse sua exasperação por não poder comer em paz.

E o temido Capitão Gancho chora pedindo misericórdia pelas implacáveis palavras da curandeira.

Uma torção no cantinho dos lábios, muito facilmente confundida com um reflexo involuntário ao engolir, foi toda minha resposta. Ao longo da minha mesa, os alunos da Casa de Sonserina haviam deixado seu habitual estado de espirito soturno e polido para uma euforia digna de adolescentes comuns. Até mesmo Draco Malfoy, o pequeno lorde, estava completamente virado para Zabini em uma discussão acalorada sobre Quadribol. A pele pálida de seu rosto corava pelo vigor do bate-boca esportivo e pelo reflexo das luzes acima de nós. Theodoro Nott, completamente desperto de seja qual fosse o sonho que estava tendo ao ver Sue na sala comunal, servia como mediador – não um muito bom, estava se afobando também.

A minha surpresa foi Pansy Parkinson, que pela primeira vez se dignou a se sentar ao nosso redor outra vez. Não falou comigo e Greengrass não falou com ela, mas não estava mais sentada do outro lado da mesa na companhia de Emily Bulstrode, mesmo que ainda tenha trago a garota para cá. Imaginei que talvez tenha se sentido muito excluída do grupo masculino do nosso ano, uma vez que Draco estava ocupado e sobrava apenas Crabbe e Goyle, ambos presos em uma discussão própria sobre a qualidade da comida e a possibilidade de uma competição para ver quem comia mais pudim.

Vincent venceu. E enquanto Goyle assumia sua derrota ao se obrigar a beber um copo inteiro de suco de abobora misturado com molho de carne, com alunos e estudantes aproveitando o final do grande banquete, ainda tentei me enganar. Tentei dizer para mim mesma, no fundo da minha consciência, de que senti errado. Cometi o erro primário de não ouvir meus instintos, de silenciar meus reflexos. Se não tivesse feito, teria me levantado assim que senti o chão vibrar sob meus pés invés de insistir que ainda eram os muitos pés agitados. Não eram os pés.

Corona IIWo Geschichten leben. Entdecke jetzt