A Estação de King's Cross

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Era estanho acordar em uma estação lotada.

Pisquei algumas vezes, me acostumando com a claridade e com o sentimento de algo errado. Custou algum tempo da minha mente para processar tudo, como se ainda estivesse saindo de uma letargia profunda, mas enfim consegui. A primeira coisa era que estava claro demais, todo o lugar tomado por uma névoa brilhante. Eu me lembrava de a estação ser mais suja, o natural de um lugar publico e altamente movimentado. Aqui todas as cores estavam mais vivas e as paredes mais brancas, incluindo as pessoas. Pessoas que eu não conseguia ver o rosto. Sempre se movimentavam rápido demais, qualquer coisa além de suas roupas era um borrão. A minha mente também estava estranhamente silenciosa e vazia e então notei que não estava com nada dentro dela: nenhum pensando dos outros ao meu redor e, ainda por cima, sem Lagrum.

Franzi as sobrancelhas, balançando os pés no ar como uma criança curiosa. Engraçado como isso não me deixava assustada ou solitária. Tenho certeza que seriam minhas reações normais, mas não aqui. Por algum motivo, meu coração continuou tranquilo e meus ombros relaxados enquanto eu continuava a olhar em volta, notando a última coisa: junto com minha legilimência e minha ligação com Lagrum, também havia sumido toda minha magia. Eu não a sentia em ondas continuas dentro de mim, como um mar que nunca parava. Eu não a sentia formigando na ponta dos meus dedos. Eu não sentia nada envolta de mim – a eletricidade de energia magica que vibrava em todo lugar, mesmo nos trouxas, às vezes.

Também não tive medo. Senti que devia, mas não consegui. Era só um fato, quase desinteressante, naquele lugar. No momento seguinte já estava concentrada em outra coisa: meus pés. Tinha certeza que deviam estar esfolados pela passarela. Por todas vezes que deslizei e rolei na pedra áspera. Mas estavam bem – lisos até onde se podia ver. Isso me fez erguer minhas mãos até meus olhos e então eu sorri, satisfeita e aliviada por encontrar minhas mãos tão dilaceradas como sempre foram. Testei o resto do meu corpo aos poucos, sentindo o ar entrar sem dificuldade nos meus pulmões e meus membros se movimentarem sem dificuldade.

Não haviam ossos quebrados, nem cortes, nem perfurações.

Não havia nariz sangrando, tontura ou dor de cabeça.

Eu estava bem.

Isso era novo.

Sai do banco, sentindo o chão nos meus pés. Não era frio nem quente, mas parecia sólido. Andei entre as pessoas, observei trens chegarem e partirem, os destinos também sempre nublados na minha visão. Vaguei pela plataforma até encontrar o caminho da grande coluna entre as plataformas nove e dez. Estava ali, sendo solenemente ignorada pelos trouxas à sua volta. Passei por eles, me esquivando por puro costume, uma vez que já tinha tirado a prova de que àquelas pessoas não eram materiais. Eu não estava na Estação King's Cross, em Londres. Bom, ao menos não no plano físico. E duvidava que minha mente também estivesse: aquilo era muito diferente de meus encontros com Riddle. Com ele, brincando e jogando dentro da minha mente, eu ainda tinha minha magia, minha legilimência. Aqui eu não tinha nada.

Apenas eu.

A parte mais crua do que eu era feita.

Me sentei na pilastra, minhas costas encostadas na parede firme de tijolos atrás de mim. Estava sólida como Harry e Rony haviam contado, naquele primeiro de setembro. Cruzei as pernas e fiquei ali, imaginando o que faria agora. Havia algo para se fazer? O que aconteceria se eu entrasse em algum trem? Cheguei a roçar os dedos em um e a carcaça de metal não se desfez como as pessoas. Era sólido. Eu podia ir. Mas ir para onde? Tentei me lembrar do que diziam que acontecia, lá no orfanato. Chamas para os maus e deleite para os bons. Me vi perguntando o que Draco Malfoy diria, o que ele poderia me esclarecer. Havia algo na religião dos bruxos que os preparasse para a morte? Eu teria de perguntar.

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