Corona II

Dedos de Sombras

Foi um acontecimento quando Draco e eu saímos juntos da aula de poções e, na altura em que ele me esperou na sala comunal quando deixei minha mochila no dormitório para ir jantar, toda Sonserina estava virando o pescoço quando passávamos. Eu já podia ouvir os sussurros outra vez, as especulações, os olhares. Da última vez que Mal da Sonserina e Malfoy haviam sido noticia na mesma frase havia sido pela joelhada certeira que se espalhou por toda Hogwarts como algo muito mais baixo. Havíamos feito as pazes? Por que? E se não, poderia existir algum motivo que nos deixasse tão próximos? Todos já sabiam da briga entre mim e Daphne Greengrass e eu podia ver (e eles nem tentavam disfarçar) a maldade nos sorrisos ao apontarem que a briga que a garota armara estava cada vez mais perto de terminar com a própria cabeça rolando.

No jantar, a corte estava unida outra vez. Ao se sentar ainda ao meu lado, com Parkinson do outro, Draco fez Blásio, Theodoro, Vincent e Gregory também se distribuírem a nossa volta, em meio de Sue e Emily. Restou para a herdeira, a única peça faltante, se refugir com sua irmã mais nova e seus amigos, em um grupo de primeiranistas. Tentei frear minha satisfação com seu declínio, mas era difícil entre Malfoy e Pansy e seus sorrisos torcidos que me lembravam cobras prestes abrir a boca para engolir a presa.

— Você tem detenção hoje? — Draco me perguntou quando eu já terminava meu prato. Ele mesmo ainda estava comendo, a etiqueta mandando-o colocar apenas pedaços bem pequenos na boca, depois de partir por quase cinco minutos seu bife. Balancei a cabeça com um sorriso que não mostrava os dentes.

— Hoje e todos os dias até segunda ordem — respondi depois de um longo gole de suco de morango. — Por que?

— Temos que acertar os detalhes de nossa... parceria — a palavra dançou na sua língua, não muito certa se era a adequada. Levantei uma sobrancelha para ele.

— Que horror, Malfoy, então quer dizer que você não está me ajudando apenas por bondade no coração? — A forma como seus olhos acenderam com a provocação me fez sorrir mais, inclinando a cabeça para ronronar em sua direção. — Estou em choque.

— Meu coração não é assim tão bom — em um segundo, a sugestão na ponta de seus lábios foi o bastante para que uma força corresse pela minha espinha. — E fui ensinado a nunca fechar nenhum acordo sem um preço.

— Preço? — Controlei meus ombros para que não tensionassem, forçando uma expressão relaxada que não sentia. — Que preço?

Foi lento e rápido demais. Eu percebi cada momento, cada movimento deliberado e elegante, mas talvez não quisesse acreditar quando seu corpo se aproximou do meu, quebrando a fina barreira de distancia social. Quando ele levou a mão ao meu guardanapo dobrado em cima da mesa e o dobrou outra vez, achando uma parte limpa antes de se virar para mim, jogando toda intensidade de suas estrelas para que eu esquecesse o ar por um momento, antes de limpar o canto da minha boca com delicadeza – sua pele morna contra a minha fria, ele se foi antes que fosse o bastante.

Estarei esperando na sala comunal.

Durante as próximas três horas tive que me dividir entre agradecer o fato de que manter Gancho fora da minha mente era uma distração boa o bastante para me fazer esquecer dos ponteiros do relógio e praguejar sobre todo o esforço extra que precisava ter para manter meu professor longe das últimas palavras de um certo lorde para mim – ele já havia me provocado o bastante com a imagem do momento exato em que Malfoy teve aquela atitude descabida na mesa.

Se Severo havia visto aquela cena, do alto de sua cadeira na mesa dos professores, muitos outros também. Havia um pedaço de mim rasgado e infectado com o rosto de Fred Weasley, os olhos confusos e rachados de surpresa por um momento. Isso iria voltar para mim e logo, eu sabia. Apenas gostaria de ter algo a oferecer para o garoto além de "quebrar a vassoura na cabeça de Draco pode ter sido um pouco demais", algo que não envolvesse a verdade, de preferência.