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Não adianta. Indiferente do que eu faça, não consigo parar de pensar no que aconteceu à dois dias atrás. Por mais que eu tente e me repreenda todas as vezes, sou incapaz de tirar aquela bendita noite da cabeça, pior, aquele bendito garoto.
Não consigo!
Seu toque, seu calor, seu cheiro. A forma como me olhava. Tudo está impregnado em mim tão intensamente e de tal forma que chega à ser um pouco assustador. Muito assustador. Porém, entre todas essas coisas que têm tirado o meu sono, nada se compara a marca enorme que enfeita o meu pescoço nesse momento.
Céus, como aquele garoto foi capaz de fazer tanto estrago com um simples chupão?! Ok, ok, não foi um simples chupão e sim o mais delicioso que já recebi na vida, que só de lembrar deixa-me louca. E essa sensação unida à tudo o que ocorreu naquela balada me faz pensar que, se aquele pivete conseguiu me abalar desse jeito com um beijo no pescoço, tenho até medo de imaginar o que aconteceria se nós...
– Mas pelo amor de Deus, Any! Que tipo de merda você está pensando?!
Praticamente grito e balanço a cabeça freneticamente, horrorizada com o rumo que meus pensamentos estão tomando. Credo em cruz.
– Ele é seu aluno, mulher louca. A-l-u-n-o!
Dou uns tapinhas nas bochechas para tomar vergonha na cara. Observo a marca através do espelho mais uma vez e suspiro, voltando a passar maquiagem para cobrir o presente que recebi do mimadinho egocêntrico do terceiro ano.
– Any, você está pronta? - Sofya grita.
– Quase.
Mais umas batidinhas de base e então confiro o trabalho que fiz, à procura de qualquer vestígio do roxo. Olho, olho, e assim que convenço-me de que está bem escondido, pego os materiais e vou de encontro a minha amiga na sala, preparando-me para a segunda parte do pesadelo: encarar Noah Urrea.
Eu estaria mentindo se dissesse que não estou nervosa com isso.
– Pegou tudo?
Minha amiga pergunta e eu consinto. Ela pega a chave do carro e como fazemos todas as manhãs, entramos em seu Hyundai i15 verde tagarelando sobre qualquer coisa e dispararmos rua à fora, em menos de três minutos, logo que nos ajeitamos nos bancos.
Paramos no Starbucks da avenida principal para comprar nossos amados bolinhos e dois copos grandes de café - por pura gula - e seguimos o caminho do colégio em nossa rotineira combinação de velocidade, comida e canções cantadas à plenos pulmões, que combinou com alguns farelos de bolinho voando indevidamente.
– Nem acredito que chegamos mais cedo. – Sofya comenta assim que estaciona diante o colégio de paredes brancas.
– Nem eu.
– Tudo isso é vontade de encontrar logo o Lamar?! – dá risada.
– Deixe de ser boba. – reviro os olhos.
– Ah, por favor, Any. Não me venha dar uma de desentendida, ok?! Essa marca que você se empenhou tanto para esconder é a prova de que estão mais íntimos do que antes e que a senhorita está mais do que disposta a dar uma chance para ele. Ou melhor, dar mais do que uma chance.
Lanço um olhar mortal para a engraçadinha ao meu lado e suspiro. Ainda que eu tenha considerado e muito a possibilidade, acabei por não contar que esse belo chupão agora escondido debaixo de camadas de maquiagem foi feito por, ninguém mais e ninguém menos, do que o aluno que vivo dizendo que odeio.
Eu enchi o saco da minha amiga dizendo que foi errado ter pego um garoto de dezoito anos, se ela souber que eu "fiz" o mesmo, vai torrar a minha paciência até estarmos com noventa anos e usando fraudas. Então, melhor deixar como está. Mesmo que Sofya acredite piamente que essa marca foi feita por Lamar e que nós estamos evoluindo para algo à mais do que apenas colegas de trabalho.
E por falar em Lamar...
Tal como o moleque do Noah, também não faço a mais vaga ideia de como vou encarar meu colega assim que entrar na sala dos professores.Apesar de termos nos beijado e eu deixar bem claro que não posso lhe dar uma resposta tão cedo, sinto que nosso reencontro depois desses dias será, no mínimo, um pouco constrangedor. Isso porque, embora não tenha demonstrado, eu sei que viu a marca em minha pele e não foi certo ter saído sem ao menos dar-lhe uma explicação.
Sinto-me incomodada por causa disso.
– Acho melhor eu descer ou chegar cedo não terá valido de nada. – digo.
Ajeito as pastas em baixo do braço e abro a porta.
– A apresentação é no próximo final de semana. Você irá, não é?!
– Claro que vou. – reviro os olhos – Com todos os seus avisos, Soso, se eu não for é porque não quero. Ou porque fui abduzida uma noite antes.
– Humpf! – empina o nariz, toda presunçosa – Bom mesmo.
– Ah, mulherzinha folgada!
Sofya joga os cabelos para trás e joga um beijo. Reviro os olhos outra vez.
– Ok, senhora iradinha. É melhor entrar logo.
Faço como pede, saio do carro e arrumo o amassado da saia.
– A propósito... – ela diz – Vou chegar tarde de novo, ok?!
– Ah, tudo bem. Só espero que seja por causa da apresentação.
– O que quer dizer?
Me inclino na altura do carro e sussurro para ninguém mais ouvir.
– Se o Bailey faltar, não vou hesitar em ligar pra você. Afinal, eu sei que você também não vê a hora de encontrá-lo de novo.
– Vá se foder!
Gargalho com as bochechas avermelhadas da minha amiga até o ar faltar.
Ah, eu sei que ele a conquistou. Está tão transparente quanto água.
– Desencosta do meu carro, bicht! – esbraveja.
Ainda rindo como uma louca, dou uns passos para trás e ela fecha a porta do carro com força. Aceno, despedindo-me, e recebo um dedo do meio bem esticado como resposta. Sofya dá a partida e sai como um foguete, deixando-me para trás e chorando de tanto rir.
Respiro fundo para me recompor e finalmente entro na escola, vangloriando-me por ter chego quase quarenta minutos adiantado. Caminho tranquilamente em direção a sala dos professores, assobiando baixinho a música que ouvi no rádio durante o trajeto para cá, e observo ao redor sem realmente prestar muita atenção.
O que muda completamente quando um braço surge de repente, um pouco distante, e começa a balançar como se estivesse me chamando.Olho mais atentamente e vejo aquele sorriso quadrado. Joshua Beauchamp.
– Professoraaaaaaaa!!! – grita ao longe.
Não evito em dar um sorrisinho, achando graça de toda a sua espontaneidade, e aceno de volta para se aproximar de onde estou.
– Professora Any, bom dia!
– Bom dia, senhor Beauchamp. – sorrio – O que faz aqui tão cedo?
– Os meninos e eu... – aponta para Ryan e Samuel, um pouco afastados – Viemos antes para fazer a atividade do clube.
– Qual clube?
– Clube de música.
– Wow! Que legal.
Ele sorri de um jeito bonitinho e envergonhado.
– Então, o que deseja? – pergunto.
– Ah! Bom, os meninos e eu precisamos fazer a atividade do clube e queríamos experimentar algo novo, digo, músicas que não conhecemos muito.
– E do que precisam?
– Queríamos algumas músicas brasileiras. Como a senhora veio do Brasil, bem... – sorri novamente, meio constrangido – Será que poderia separar algumas interessantes e nos trazer?
– Claro que posso. Pode deixar, eu trarei.
– Sério?!
– Sim. – toco seu ombro e sorrio – Conte com a minha ajuda.
– Obrigado, professora!
Joshua e eu trocamos mais algumas palavras, mas não demoro para despedir-me e voltar a caminhar para a sala dos professores.