– Any, levante-se.
Imensamente envergonhada e com a dignidade estilhaçada em milhões de pedaços, mesmo que tenha sido por uma boa causa, ponho-me de pé e a encaro.
– Meu Deus, eu deveria... – suspira profundamente – Por que fez isso? – pergunta e, pela primeira vez, vejo perplexidade em seu rosto.
– Porque...
Devo dizer? Bom, o que mais eu tenho a perder?
– Porque eu me apaixonei, diretora Charlotte. – confesso e ela arregala os olhos. – Eu amo o Noah, essa é a verdade. E por amá-lo, eu faço o que for preciso para que realize todos os seus sonhos. Mesmo que eu tenha que me humilhar.
– Você... Não é possível!
– Eu sei que errei ao entrar em um relacionamento com um dos meus alunos. Sim, eu sei. Bem como sempre soube de todas as consequências que esse envolvimento poderia trazer a nós dois. Mas, eu simplesmente me apaixonei. Nós nos apaixonamos. A senhora não pode culpar ninguém por isso.
Ela me observa. Olha, olha e olha. Até que sussurra:
– Eu não posso acreditar...
– Me desculpe. Tenho plena consciência que desrespeitei as regras do colégio, muitas delas. Porém... nós não podemos escolher quem vamos amar, nós simplesmente amamos. E eu vivi isso na pele para ter tanta certeza.
Charlotte volta a me encarar, contudo, percebo que seu olhar está distante. Ela também sabe que o coração prega peças, pois passou o mesmo com Adrian, não duvido disso.
– Isso ainda não justifica os seus atos, professora Any.
– Eu sei que não. Por essa razão, estou pronta para arcar com as consequências. No entanto, peço que não faça nada com o Noah. Assumirei tudo sozinha.
– Apesar de ser maior de idade, Noah Urrea continua sendo um aluno e o relacionamento de vocês é contra as normas.
Sorrio minimamente ao ouvi-la dizer que ele continua sendo um aluno. Será que vai reconsiderar? Por favor, que a resposta seja sim; Charlotte se acomoda na espaçosa cadeira de couro e apoia o queixo nas mãos cruzadas sobre a mesa.
– Porém, ele também errou e não pode sair impune.
Meu corpo inteiro enrijece. Ela realmente não vai sequer refletir sobre o assunto?
Isso não é justo!
– Diretora, faltam apenas três meses para a formatura e...
– O senhor Urrea vai receber uma suspensão de três dias. – interrompe-me
Um suspiro aliviado sai da minha boca. Não posso conter.
Charlotte tem um coração, afinal.
– Por sorte, a senhora Yule veio antes das aulas e não voltou a fazer um escândalo na frente dos alunos, então nenhum deles sabe. Vamos manter as coisas assim. Sei que rumores começarão a circular mais cedo ou mais tarde, porém, não passarão disso: rumores.
Por alguma razão, lembro do BMW preto que me fechou na esquina e que, por um triz, não provocou um acidente. Se realmente era a senhora Yule, acho que nunca vou saber. No entanto, se sim, ao invés de um acidente, ela provocou – ou quase - algo tão ruim quanto.
Por sorte, como a própria diretora disse, ela veio antes de todos os alunos chegarem. O que nos poupou de um problema maior, ainda que os rumores, indiscutivelmente, irão surgir mais para a frente.
– Entretanto, eu quero a sua carta de demissão. – ela prossegue – Embora as turmas não saibam, os professores estão a par do ocorrido e não será nada agradável para alguns conviver com você, cientes de que se envolveu com um dos nossos alunos. Além disso, se os pais descobrirem essa história, nosso colégio perderá credibilidade e teremos uma grande confusão. Já basta o que aconteceu com o... Enfim.
É uma troca, no final de tudo. Eu não esperava manter o meu emprego e a bolsa de estudos de Noah. Seria pedir demais para tudo o que eu fiz.
Pedindo uma folha de papel e uma caneta, sento-me e começo a escrever a minha carta de demissão sob o olhar atento da diretora. A cada palavra, relembro os momentos que passei aqui no colégio e o meu coração se aperta. Apesar dos pesares, foi um bom emprego e conquistei, mais do que boas amizades, um amor.
Será estranho não voltar para cá todas as manhãs.
Uma vez que termino, dobro o papel e coloco no envelope, onde escrevo "carta de demissão". Entrego a Charlotte, que levanta e fala:
– Pode ir recolher as suas coisas.
– Muito obrigada, Charlotte. De verdade.
Ela consente e eu sigo para a porta. Assim que saio, deparo com Noah perto das escadas. Ao seu lado, estão Sam, Ryan, Josh e Bailey. Todos os meus meninos estão de pé e me observando. E inevitavelmente tenho vontade de chorar.
Como vou poder abandoná-los? Sei que, uma hora ou outra, seria inevitável. Mas eu não queria que fosse tão cedo e ainda mais nessas circunstâncias.
Noah não diz uma palavra, somente me encara. Sei que não está de acordo com a minha decisão e até mesmo decepcionado por eu ter me humilhado para a diretora à fim de salvar a sua bolsa. Mas, de um jeito ou de outro, ele vai entender. Eu tinha que livrar pelo menos um de nós. E eu sempre vou escolher ele.
Às vezes, amar implica muitas escolhas. Algumas delas difíceis.
– É verdade que você vai embora? – Josh indaga, com os olhos cheios de lágrimas – Não é, certo?! Diga que não é.
– Me desculpe, Joshy. Infelizmente eu não posso mais ficar.
– Eu não quero que você vá!
– Eu também não queria, mas... Vai ser melhor assim.
– Não vamos vê-la nunca mais? – Ryan pergunta. O sorriso brincalhão que sempre enfeita o seu rosto está apagado.
– Vocês têm o meu número de celular e sempre poderão contar comigo. Apesar de a partir de agora eu não ser mais a professora de vocês, ainda terão em mim uma amiga.
– Vai ser muito estranho aqui sem você, professora. – Sam murmura.
Sorrio fraco. Para mim, também vai ser muito estranho.
De repente, o sinal da primeira aula toca e vejo nisso uma oportunidade de escapar, antes que eu desabe no choro. Especialmente porque Noah permanece calado e seu olhar é tão frio, que gela a minha alma.
– É melhor vocês subirem ou terão problemas com os outros professores. Lembre-se, sempre que precisarem de mim, é só ligar.
Os meninos concordam e dou um abraço rápido em Sam, Ryan e Josh, esse que inevitavelmente chora encostado no meu ombro. Depois de conseguir acalmá-lo um pouco, peço a Bailey que o leve para o banheiro e só então para a sala de aula.
Vejo-os subir as escadas, lançando-me alguns olhares, e enfim desaparecem.
Bem, quatro deles.
Noah, ainda encostado na parede, fixa suas esferas verdes em mim. Há tanta tristeza e dor em seu lindo rosto, que me parte o coração.
– Por que eu sempre tiro as coisas de você? – solta, pesaroso.
– Você não tira nada de mim, Noah. Eu escolho tirá-las por você.
– Isso não é justo.
– Às vezes, amar implica escolhas. Algumas delas são difíceis.
Meu garoto engole em seco, fazendo o seu bonito pomo de adão subir e descer. Seus orbes maravilhosamente verdes enchem-se d'água.
– Eu só tenho medo de que, um dia, elas não valham mais a pena. – sussurra. Sua voz é quase um sopro de tão baixa.
Mesmo sabendo das nossas condições, pego sua mão e entrelaço carinhosamente os nossos dedos. Esse é o nosso último momento dentro desse colégio, então, que seja o impulso para mais um momento dos muitos que teremos fora daqui.
– Enquanto fizermos que valham, é o que importa.
Noah aperta os dedos nos meus e concorda.
– Vá para a sala. Mais tarde nos falamos.
Dando-me um sorriso tristonho, beija delicadamente os nós dos meus dedos e sobe as escadas. Sozinha, olho ao redor, e sinto o peito afundar. Vivi tantas coisas boas e ruins aqui, mas, por incrível que pareça, não me arrependo de nenhuma delas.
Tive muitos problemas, porém, tive igualmente experiências maravilhosas. Nem que seja um pouco, um grão que for, espero ter contribuído na vida de todos os alunos.
Entro na sala dos professores. Está vazia. Preferi esperar que todos subissem para as suas aulas, acho que não teria coragem de encará-los agora.
Com a caixa grande disponibilizada pela menina da secretaria, começo a recolher os meus pertences e colocá-los na caixa. Minha foto com a Sofya, alguns enfeites que comprei para animar um pouco o ambiente e os meus livros; organizo as pastas de atividades e os diários de classe no canto perto do computador e deixo a chave da gaveta sobre a pilha. E, enfim, tudo está pronto.
Olho uma última vez para a sala e suspiro. É isso.
Preparada para encerrar essa etapa, arranco uma folha de post it amarelo e a prego no monitor do Lamar. "Obrigada por tudo!", é o que diz.