Capítulo 4 - No Lado Errado do Paraíso

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[07hs40 da manhã, domingo]

 Os cães acompanhavam o ritmo ao lado da moça de longos cabelos castanhos presos num rabo de cavalo. Corriam desde cedo, antes mesmo do sol mostrar seus primeiros raios, se via a quantidade de suor escorrendo pelo rosto agora avermelhado por conta do esforço físico. Voltavam para a residência, os cachorros foram em direção aos potes com água, a garota ainda tinha a garrafa pela metade então seguiu para a casa dos fundos do quintal onde estavam mais máquinas de exercício.
 Pegou uma toalha limpa dentro do armário, tirou os fones de ouvido e conectou o celular no autofalante. Alongou-se, evitava encarar o grande espelho, ajeitou o elástico nos cabelos e analisou aquele saco de areia pendurado, estralou o pescoço e os ombros. O sorriso curto surgiu ao ouvir a música nova de uma das suas cantoras preferidas. Dove Cameron, tocava em alto e bom som a animando e incentivando a socar o pobre saco.

  A mente repetia memórias, cenas frescas como se fossem recentes. Havia raiva, ódio, tristeza, decepção sendo descontadas em cada golpe deferido. Os músculos ardem, os dedos das mãos, os punhos, mas nada a faz parar e foi assim que quase deslocou os ombros de tanto se forçar. Parou ofegante, entretanto, passou a toalha e voltou a treinar, agora dando chutes ritmados e violentos.
 Toda vez que o rosto daquele homem surgia, o coração já acelerado perdia o compasso, o peito se fechava em desolação, a dor da perda, mas junto a tudo, a sede de vingança. Ela quer chorar, mas engole as lágrimas e deixa o suor escorrer no lugar.

 O último chute foi mais forte do que pretendia e aquilo doeu seu tornozelo. Xingou mentalmente e deu aqueles pulos, mancando para perto do banco. Controlou o ódio e de querer socar a madeira, respirou fundo enfim encarando o próprio reflexo.
Era precário por conta do cansaço, o suor, as noites mal dormidas. Ela levou a mão até o pescoço, tirou a gargantilha e deixou a cicatriz feita pela faca amostra.

 A verdade era que agora, havia diversas cicatrizes, tanto feitas por ela quanto consequência durante esses anos. Unhas, lâminas, tombos horríveis, treinamento intenso. Levantou-se caminhando com calma, tirou a regata ficando com a roupa de ginastica, encarando o espelho.

  Diferente. Alguém totalmente distinta de cinco anos. O corpo magro por natureza agora tinha um mais curvas pelos exercícios, músculos definidos, mais atlética e saudável aos olhos dos demais. Gostava de lembrar as palavras jocosas dos colegas.

"Lara Croft russa."

 Foi o que Calleo e Elliot viviam dizendo depois deles terem "sobrevivido" aos treinamentos insanos de Caleb e Eluf. E sinceramente, não foi fácil.

— Mas, não sou a Angelina, com certeza não. – disse para si rindo baixo.

 Tocou sobre outra cicatriz na cintura, aquela já feita pela bala que a atravessou enquanto salvava a vida de Ethan. As memórias voltaram como flashbacks então fechou os olhos com força.

 "— Amo você, sabe disso, não é?"

  Por que a voz dele ainda tem que ser tão fresca?

"— Nunca duvide, reviraria essa cidade do avesso até encontrá-la."

  O beijo, o toque de seu carinho, o calor de seu abraço. Por quê? 

 "— Não estou te abandonando... Estou te libertando."

 Malditas memórias, malditas lembranças tão recentes!

 Ela ergueu o olhar em direção ao autofalante, a música clássica totalmente aleatória tocou, fazendo-a ter aquela sensação de instabilidade. Existem dois extremos dentro dela como Dr Jekyll e Sr Hyde. O médico e o monstro dentro da mesma pessoa.

G.U.Y. - A Lei do SilêncioWhere stories live. Discover now