Capítulo 83 :

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Nem me importei com a chuva, com o frio que a mesma me fazia sentir ou com a intensidade com que atingia o meu corpo em movimento. Fiquei parado como uma assombração em frente ao prédio do doutor Brawn, sentado num banco de madeira enquanto a água caia. A sensação era inexplicável... Dor, perda, meus únicos amores indo embora porque fui um idiota no passado... Bem que dizem sobre a tal ação e reação.

Chorei, e não me envergonho disso... Apenas me sentia um lixo por ter deixado a  minha filha quando ela mais precisou de mim. Atualmente, minha presença seria insignificante, sem sentido... E por tudo que conheço de Carla, A Poderosa, A Durona, eu não seria facilmente perdoado, tão pouco aceito. A coisa não era com ela e sim com a filha dela, seu bem mais precioso... Nossa filha. Maria Clara seria protegida como um diamante raro, intocada se a Carla não permitisse. Meu destino, minha felicidade, estava nas mãos da pessoa que eu mais amava e tinha certeza que também sentia o mesmo, porém seu coração era profundo e ferido... A razão estava do lado dela.

O barulho do meu celular tocando irradiou-se pelo som da chuva. Sai do meio da água e peguei o aparelho dentro de minha jaqueta de couro, quase seca. Era Carla.

Carla: Onde você está insuportável? Estamos te esperando para as compras! — ao ouvir sua voz, quase entrei em choque e busquei o controle interno.

Arthur: Acabei de sair do hospital, minha linda... Vou em casa tomar um banho e te encontro lá. Pode ser? — silêncio

Carla: Arthur... Está tudo bem?

Arthur: Sim.

Carla: Tem algo para me dizer? — suspirei.

Arthur: Tenho... Mas não agora. — aflita, foi me cortando.

Carla: É algo com sua saúde?

Arthur: Não! Tudo bem Carla, tudo bem comigo. — sem conseguir raciocinar, decidi cortar logo o assunto — Não te farei esperar muito. Te amo demais, ok?

Carla: Ok Arthur, eu também te amo muito. Para de me assustar assim.

Arthur: Está tudo ok Carla. Juro!

Carla: Certo... Então até mais. Beijo.

Arthur: Te amo. — desligou.

Agora me parecia impossível parar de pensar em minha filha. Maria Clara era minha também, algo que ninguém poderia questionar quando eu a chamasse de meu. A coisa mais real, mais especial, perfeita e maravilhosa que fiz em toda a existência medíocre que criei até agora... Apenas ela valia o meu respirar no presente momento. Passei em casa, me troquei e em minutos estava a caminho do shopping onde marquei com Carla. Estava frio, chovendo, úmido... Minha maior vontade era de encontrá-las logo, de poder finalmente abraçar Maria Clara sabendo o que aquela coisinha representava em minha vida.

Assim que cheguei à loja onde marquei com Carla, deparei-me com uma cena absurdamente doce.

Carla: Isso é ridículo! Você vestida de Princesa e eu e Arthur de Rei e Rainha? Pelo amor de Deus, pensei que as fantasias fossem apenas para seus amiguinhos!

Maria Clara: Mas mãe! Se eu sou a Princesa, meus pais devem ser os Reis. Você a Rainha, Arthur o Rei. — insistia com aquela carinha de sabe tudo.

Paradas em frente a uma prateleira de cabides cheia de fantasias de todos os tipos, as duas discutiam de maneira engraçada. Maria Clara estava vestida com um casaco verde, combinando com seus olhos, e uma coroa nos cabelos loiros e longos. O vestido que Carla segurava era uma fantasia de Princesa pequena, cor de rosa e muito brilhante, uma graça. Olhava para o vestido vermelho, fantasia de Rainha, pendurado a sua frente com cara de desgosto.

Carla: Duvido que Arthur vá querer usar uma roupa de Rei no seu aniversário. — gargalhou brevemente e desviou o olhar para a fantasia em questão, a de Rei, pendurada ao lado da sua. Era verde clara e engraçada, até bonita.

Maria Clara: Eu aposto que ele usa. — garantiu convicta — Ao contrário de você, mamãe, ele está feliz com a minha festinha. — cruzou os bracinhos com o rostinho triste.

Carla: Ah filha, eu estou radiante com a sua festinha, — tocou o cabelo de Maria Clara — Mas também preocupada com o Arthur...

Maria Clara: Por quê? — dei um passo à frente e as duas notaram minha presença. Desviaram os olhos para mim e não consegui parar de olhar para Maria Clara — Oi Arthur! — balançou a mão me chamando — Vem ver sua fantasia, que linda!

Nesse momento a luta interna se estabeleceu dentro de mim da forma mais intensa possível. Olhei de uma para outra buscando uma solução, mas contemplar o sorriso enorme de Maria Clara, a melancolia e desprezo de Carla pela fantasia me fez pensar se isso deveria realmente acontecer... Chegar e dizer "Carlinha, sou o pai da sua filha!" De uma hora para a outra, pegando-a desprevenida seria injusto, porque poderia comprometer todo o aniversário de Maria Clara. Pelo fato do mesmo acontecer na casa de minha mãe, Carla poderia querer cancelar tudo pela confusão que se estabeleceria em seus pensamentos... E com razão.

Concluindo, se nunca fiz algo de bom pela minha filha, estava na hora de começar! Por mais que quisesse gritar para as duas o que havia acabado de tomar conhecimento, me contive e apenas caminhei até as duas suavizando a expressão, pensando comigo mesmo que apenas mais um dia não iria me matar.

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O Secretário. Where stories live. Discover now