Capítulo 18 :

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ARTHUR

Arthur: Onde é que está a Carla?

Gil: Acabou de sair... Disse que iria pegar um uber... — não deixei que terminasse de falar.

Subi correndo até alcançar a portaria e sair da boate. Estava uma chuva do demônio; trovões cortando o céu, raios brilhando, a noite escura e sem a lua a vista dava certo ar de algo macabro. Olhei ao redor e vi ao longe uma figura se movendo. Por trás das gotas de chuva, não sei como consegui, mas meus olhos captaram perfeitamente o contorno do corpo de uma garota e havia alguém a seguindo. Fora isso a rua estava deserta. Sai para a chuva, que absurdamente gelada, penetrou em minhas roupas em um segundo, me encharcando até a alma. A temperatura se cravava em meus ossos como facas; doía pela intensidade forte, mas apenas segui em frente.

As duas figuras cruzaram a rua. Vi perfeitamente o vestido e a identifiquei tendo certeza que não estava errado quando a pessoa que pensava que era. Andei mais rápido, ficando meio cego pela chuva. Assim que me aproximei, vendo-os do outro lado da rua, notei que a mão do homem estava fechada ao redor do pulso dela. Ele estava perto demais, ela queria se esquivar.

Arthur: CARLA! — quando gritei ambos giraram o rosto para me olhar.

Atravessei a rua correndo, e antes de terminar o percurso o cara saiu correndo, o perdi entre a chuva. Assim que a soltou, Carla caiu no chão sobre os cotovelos

Arthur: Meu Deus, o que houve? — Abaixei-me ao seu lado oferecendo minha mão para que se levantasse.

Era praticamente impossível ver seu rosto, seus olhos, em meio a toda chuva. Sentia sua mão tão gelada quanto a água tocar minha pele e a puxei para cima. Assim que ficou de pé, me deu um abraço forte. Fiquei assustado com sua reação, sem entender. Mas logo saquei que isso havia sido horrível o bastante para ser devastador se eu não estivesse ali.

Carla: Pensei que... Pensei que... — passei meus braços ao redor dela também. Nos abraçamos como se estivéssemos mesmo dançando sob a lua.

Arthur: Tudo bem... Relaxa. Acabou. Vamos sair daqui. Vou te levar pra casa... — por mais que olhasse para ela, aquela moça indefesa não parecia ser a minha patroa durona. Não dava para acostumar com aquela imagem.

Sentadinha num banco, bebericando um chá com a toalha sobre os ombros. Estávamos no estacionamento da boate; a mocinha que ficava tomando conta nos providenciou uma toalha para ela e um chá, comovida com o que lhe contei. Carla não dizia nada desde que chegamos ali, apenas ficava sentada e me olhava a cada cinco segundos.

Carla: Não — suspirou — Não quero que a Maria Clara me veja assim — fiquei aliviado por ela pelo menos ter dito alguma coisa.

Arthur: Mas ela deve estar dormindo agora — abaixei na sua frente, ficando a altura de seus olhos.

Carla: Não posso chorar — seu rosto estava molhado, por isso não reparei antes que estava chorando também. Seus olhos estavam evidentemente vermelhos e inchados — Eu prometi que nunca iria chorar na frente da minha filha...

Arthur: Garanto que ela não vai se importar — assegurei tocando sua mão — Vou te levar pra casa. Pra você ficar mais calma...

Carla: Não!

Arthur: Quer ir pra minha casa?

Carla: Está maluco? — ironizou — Não vou pra sua casa...

Arthur: Então pra onde te levo? É só dizer... — ficamos nos encarando através da luz fraca do lugar. Carros saiam do lugar, entravam... O movimento era grande.

Carla: Não tenho um lugar pra ir — levou uma mão ao rosto e secou as lágrimas — Quer saber? Me leve pra casa. O susto já passou! — ficou de pé dando uma de forte. Tirou a toalha que descansava em suas costas e a dobrou colocando a xicara sobre o banco.

Arthur: Tem certeza? — apenas assentiu.

Dissemos obrigado a moça. Dei-lhe uma gorjeta pelo estacionamento e saímos dali. A chuva ainda era forte, ela tremia por estar molhada e eu também

Arthur: Será que... Que pode me contar o que aquele cara te fez?

Carla: Não fez nada — sussurrou me olhando — Graças a você.

Arthur: Mas o que ele iria fazer caso eu não estivesse lá? — questionei ainda hesitante, dirigindo pela estrada molhada — Te assaltar? — demorou um pouco para responder.

Carla: Bom, antes de você chegar ele disse algo sobre levantar o meu vestido —,engoli em seco. Fiquei sem saber o que falar — Sé que entende.

Arthur: Que desprezível — apenas imaginei o que poderia ter acontecido. Pensei nela encostada em qualquer beco estranho, sujo, com aquele homem por cima e...

Carla: ARTHUR! — quando dei por mim, quase bati num carro. Desviei e olhei para ela. Seus olhos estavam gigantes — Tá doido? Quer matar nós dois? Eu tenho uma filha de seis anos, pro seu governo!

Arthur: Desculpe... Apenas... Apenas... Deixa pra lá — voltei a dirigir em silêncio. As mãos apertadas no volante... As imagens ainda vagando em minha mente — Que bom que tive a brilhante ideia de te seguir. Mas pra onde iria ? Gil disse que você ia pedir um uber.

Carla: Eu ia, só que meu celular descarregou. Estava indo atrás de um táxi — gargalhei alto. — Está rindo de mim?

Arthur: Ninguém mais pega táxi Carla. Nem sei se ainda tem táxi circulando pela cidade.

Carla: Se não fosse idiota suficiente para sair correndo atrás de um táxi nessa chuva... Poderia ter evitado. —  A casa dela logo chegou. Antes de sair, vi seu rosto ficar duro novamente — Tenho que te dizer de novo... Obrigada.

Arthur: Estou contanto — mostrei-lhe dois dedos e pisquei. Ela saiu do carro.

Estava tudo escuro. Graça e Maria Clara dormiam no quarto juntas, cada uma caída para um lado. Tranquei-me no banheiro quando cheguei em casa e tentei me lembrar do terror novamente. Nada. Tudo o que me vinha à mente na noite de hoje era a sensação que tive ao ouvir a voz de Arthur. Ao saber que estava salva e ele estava ali.

Tirei a maquiagem olhando para o espelho. O espelho me mostrava alguém um tanto diferente agora. Os meus olhos brilhavam. Por quê? A resposta era obvio demais. Porque alguma coisa dentro de mim estava gostando disso. Dessa proximidade dele.

Ao deitar, a voz dele ainda sussurrava aquela musica linda aos meus ouvidos. Girei na cama muito tempo sentindo suas mãos envoltas ao meu corpo, seu cheiro tão próximo e agradável... Ele era o primeiro homem que desejei beijar. Ele era o primeiro que estava me fazendo esquecer de todo o passado que sofri, que me tocava com cuidado, que parecia compreender exatamente como era o coração de uma mulher.

Na madrugada, ao invés de sonhar com aquele homem se aproximando, surgindo do nada, agarrando meu pulso, me puxando contra ele e sussurrando coisas obscenas em meu ouvido, sonhei com um sorriso sincero, um olhar de devoção, mãos fortes e delicadas e uma leve melodia ecoava por diversos pontos de minha mente...

"Tantos sorrisos por aí e eu querendo o seu! Tantos olhares me olhando e eu querendo o seu".

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O Secretário. Where stories live. Discover now