Fronteira | 15 ºC
Contagem regressiva: 10 dias
Olho para a saída e constato o que eu já temia: ela está muito longe. Nós estamos encurralados aqui, jamais conseguiríamos fugir.
Raiva e decepção tomam conta de mim ao mesmo tempo em que me recuso a aceitar que depois do que passamos, tudo vai acabar assim.
Não é justo.
Olho rapidamente à volta e vejo Mere andando na direção das meninas. Lily e Alana continuam dormindo e não consigo não sentir medo por elas. São apenas crianças.
O ruído da fechadura destravando me faz sentir um frio na barriga e meus batimentos cardíacos aceleram a um ritmo totalmente desconfortável. Tenho a sensação de que todos na sala conseguem escutá-lo por cima do silêncio que se instalou.
Vitor e Armon se aproximam ainda mais da porta. Matt se coloca na frente de Mere e das crianças com a arma em punho também.
O rangido me faz respirar fundo e me preparar para o pior.
Meus olhos demoram um pouco a se habituar à luz quando a porta se abre quase que em câmera lenta. Devagar a imagem começa a se torna mais nítida.
— Por favor, não atirem — a mulher levanta os braços em sinal rendição ao ver as armas apontadas para ela e seu rosto ganha uma expressão assustada. — Nós estamos do mesmo lado — apressa-se a dizer enquanto vejo os seus olhos pararem em mim quase como se estivesse me procurando. — Emily — diz o meu nome o que já não me surpreende. Meu cabelo ruivo sempre denuncia quem sou. A mulher sorri e avança confiante, o que faz Vitor e Armon darem um passo para trás parecendo não saber o que fazer. Ela anda devagar na minha direção, sem se importar com as armas apontadas para ela. — Que honra ter você aqui — diz pegando as minhas mãos e sorrindo de forma gentil.
Olho por cima dos ombros dela e vejo que quase todos se viraram para nós. Menos Vitor que continua com a arma apontada para a porta.
Mas mesmo que os rapazes não tenham baixado as armas, não consigo me sentir ameaçada por ela. Olho para seus cabelos negros na altura dos ombros e seus grandes olhos castanhos que contrastam com sua pele branca e, por alguma razão, ela me passa segurança.
— Quem é você? — Quando ouve a voz do Nathan, ela sorri ainda mais e, soltando as minhas mãos, vira-se para ele. Claro que ela o reconheceu, a voz do Nathan é inconfundível. Lembro-me do dia em que nos encontramos pela primeira vez no terraço, mesmo que nunca tenhamos nos falado antes, eu sabia de quem aquela voz rouca era.
— Príncipe Nathaniel — cumprimenta-o. Como ela é da minha altura, levanta a cabeça para olhá-lo nos olhos. Eu aproveito para analisá-la e vejo que não tem como ter alguma arma escondida, e isso o Nathan já deve ter percebido. Ele abaixa a arma, mas não a guarda. — Obrigada — agradece pelo gesto e dá mais um passo em direção a ele. — Eu sempre soube que esse dia chegaria, que a Resistência iria lutar por nós, e esperava poder receber os Resistentes aqui. Mas nunca imaginei que você estaria com eles, Vossa Alteza.
— Nathaniel — diz ainda sério. — Eu não sou mais o Príncipe.
— Claro, desculpe-me, Vossa Majestade — diz constrangida. — Você é o Rei agora.
As palavras dela me trazem um misto de sentimentos e nenhum de nós ficou indiferente. Vejo o peso delas recair sobre o Nathan.
— Neste momento, eu sou um Resistente — diz sem qualquer mudança na expressão de seu rosto, mas eu sei que ela acabou de dizer o afetou. Os olhos dele se estreitaram mas ele rapidamente se recompôs. — Como você se chama? — pergunta enquanto a mulher continua a olhar para ele com admiração.
Encaro seu vestido e sapatos simples. Ela aparenta ter à volta de quarenta anos, talvez isso tenha feito com que eu me lembrasse da minha mãe e de Clairy. Isso me desarmou.
— Oh, me desculpe, que indelicadeza. Eu me chamo Eleanor, mas podem me chamar de Lea. Meu marido foi um dos líderes da Resistência na Fronteira por muitos anos — ela dá um suspiro, mas mesmo que a tristeza tenha chegado à voz dela, ela sorri. — O sonho dele era ver isto acontecendo, foi para isso que ele construiu esse abrigo e manteve a esperança até o fim de ver que o seu esforço tinha sido útil.
— Eu sinto muito — Nathan diz mostrando-se comovido.
— Tem mais alguém lá em cima? — Vitor, que continua com a arma apontando para a porta, pergunta parecendo ainda bastante desconfortável.
— Não, eu vivo sozinha desde que fiquei viúva — responde.
— Por que você não se assustou com a gente? — A pergunta do Matt soa rude, mas eu sei que ele está preocupado. Lucas também não está à vontade, ele abaixou a arma, mas a tensão continua no rosto dele.
— Eu vi vocês atravessando a rua, pelo menos parte de vocês, não sabia que eram tantos. E o cabelo ruivo da Emily não me deixou dúvida de quem se tratavam.
— Então você não se importa se subirmos para verificar? — Vitor insiste apontando a arma em direção à porta.
— Estou espantada por ainda não terem feito isso — ela diz sorrindo. — Fiquem à vontade.
Vitor não hesita e rapidamente sobe com Matt. Armon anda até a porta e fica na mesma posição que Vitor estava há pouco.
— Desculpe-nos pela invasão, não era nossa intenção causar transtorno — Nathan diz de forma educada.
— Não se preocupe, não é nenhum incômodo. Muito pelo contrário — diz voltando à atenção para ele —, eu estava ansiosa por este momento — o olhar dela é só admiração. — Vocês estão com fome? Precisam de alguma coisa?
— Nós estamos bem — Nathan dá um meio sorriso.
— Os olhos e o sorriso da sua mãe — diz e meu coração se aperta quando vejo o sorriso se desfazer no rosto dele. — Sinto muito por tudo o que aconteceu — Lea pousa a mão no peito dele, por cima do coração de forma carinhosa. — Ela parecia muito orgulhosa de você. Todos nós estamos!
Nathan suspira e a expressão dele muda completamente.
— Obrigado — responde.
Antes que possa pensar em alguma coisa para mudar de assunto, algo chama a atenção de Lea e ela desvia o olhar do Nathan. Acompanho o olhar dela e vejo Lily se levantando do sofá. Ela esfrega os olhos e fala qualquer coisa que não entendo.
— O que essas crianças estão fazendo com vocês? — pergunta enquanto Mere pega Lily no colo.
Nathan me olha e é impossível não notar o brilho dos olhos dele. Lucas, que ainda está do meu lado, dá alguns passos em frente e coloca a mão no ombro dele. Eu sei que Nathan não gosta de se sentir vulnerável, mas em nenhum momento ele se coloca na defensiva.
— Obrigado — agradece o gesto de apoio de Lucas que se afasta para se juntar aos outros.
As palavras dela, mesmo que tenham sido gentis, trouxeram a tona a dor que ele está sentindo. Eu consigo vê-la por trás do cansaço e do sono.
Dou alguns passos segurando aqueles olhos verdes nos meus, que se fecham quando toco o rosto dele. A dor é quase tangível, o que faz meus olhos se encherem de lágrimas.
Eu o amo tanto.
Queria abraçá-lo, mas não é momento de baixarmos a guarda.
Nossos olhos se desviam quando o barulho dos passos na escada chama nossa atenção. Suspiro por ver Vitor e Matt. Eles fazem um gesto indicando que não tem ninguém.
Agora sim, sinto um peso sair de mim.
Talvez seja saudade da minha mãe e de Clairy que me faz querer acreditar que Lea está do nosso lado desde o momento em que a vi, estou cansada de ter que lidar com tudo sozinha.
Espero que a minha intuição esteja certa.
And all at once, you are the one
I have been waiting for, king of my heart
Body and soul
E de uma vez só, você é aquele
Que eu tenho esperado, rei do meu coração
corpo e alma
(King of My Heart | Taylor Swift)