Setor 6 | 16ºC
Contagem regressiva: 18 dias
Caminho devagar até o hall de entrada.
Olho para a televisão ainda com as mesmas imagens passando e sinto o meu coração se contrair.
À medida que a Matriz descobre quem fugiu com a Resistência, mais pessoas são acusadas de traição. Quem está aqui, está a salvo, pelo menos por enquanto, mas alguns dos familiares dessas pessoas foram presos também. Isso explica o silêncio e a aflição que vejo no rosto delas.
A minha única esperança é que Nathan esteja certo e Gabe resolva a situação.
Atravesso o hall devagar, tentando fazer com que a dor na perna não apareça no meu rosto, embora não consiga não demonstrar constrangimento.
Nunca me habituei a ser o centro das atenções e me incomoda ver as pessoas virando e me olhando com curiosidade. Até bem pouco tempo elas não sabiam da minha existência. Então de Curada passei à namorada do Príncipe de Gaia quase num piscar de olhos. E, mais rápido do que isso, eu me transformei na cara da Resistência, inimiga número um da Matriz.
Provavelmente, nesse momento, já perceberam que o Príncipe é um Resistente como elas, só isso explicaria o fato de ele não estar preso junto com o Kyle. Mas ainda assim fico imaginando a quantidade de perguntas que elas devem ter.
Paro um pouco e respiro fundo.
Tem momentos em que a minha cabeça parece que vai explodir com todos os pensamentos desordenados. Nem mesmo a possibilidade de a Anna ser a pessoa que está vindo com o Lucas me distraí dos problemas mais graves.
Até onde eu sabia, o plano era ter a confissão do Rei e de qualquer outra pessoa dentro do Sistema de que era possível curar todo mundo e, após isso, mobilizar toda a população dos Setores para pressionar o Rei e a elite da Matriz a ceder, fazer o Sistema ruir, curar toda a população de Gaia.
Mas fomos traídos.
Todos os planos se desfizeram no momento em que o Kyle apareceu no nosso caminho, e agora é impossível saber o que vai acontecer daqui para frente. Nem ao menos sabemos se os microfones continuam funcionando, se um dia teremos o que é preciso para avançar com os planos da Resistência.
Vejo Mere acenando, o que me tira dos meus pensamentos, e caminho na direção dela.
— Foi muito difícil retirar o curativo? — Ela pergunta franzindo a testa, talvez imaginando a dor que o Nathan deve ter sentido.
Vê-la tão de perto me leva para a minha segunda noite na Matriz, quando ela foi ao meu quarto de madrugada. Sinto o rosto corar de vergonha ao me lembrar de toda a situação constrangedora. Mas não preciso de lembranças ruins, e aquele primeiro dia da Cura é uma das piores recordações da minha vida. Por isso, desfaço as imagens e tento me concentrar na pergunta dela.
— Um pouco — respondo, mesmo sabendo que a nossa discussão foi pior do que qualquer dor física que ele tenha sentido. Eu sei que ele está magoado, mas um pedido de desculpa não vai resolver nada entre nós dois, é só uma formalidade. Talvez ele até fique ainda mais chateado me ouvindo assumir que eu errei, algo que sei que não fiz, ou que pelo menos não fiz sozinha. Mas claro que vê-lo tão decepcionado acaba comigo, eu tenho noção do quanto a minha decisão o machucou. — Da próxima vez chame o Matt — concluo.
— Não consigo contrariá-lo. — Ela diz e, por um lado, eu a entendo. O Nathan consegue ser intimidante às vezes.
— Nessa situação, você tem mais poder do que ele, você é a médica. Não o deixe tomar decisões, principalmente quando não forem para o bem dele. — Tento mudar o peso do corpo de uma perna para a outra, mas a dor me faz estremecer. — Ele não gosta de demonstrar fraqueza.
— Exatamente igual a você. — Ela diz, mas sorri amenizando a crítica. — Você foi muito corajosa no trem. Eu nunca teria feito algo do tipo, muito menos para salvar alguém como o Kyle. —Ela coloca uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha.
— Também achava que não seria capaz de fazer muitas outras coisas, mas eu já não me surpreendo com nada. — Respondo e suspiro no final.
Depois de conversarmos por algum tempo sobre o estado de saúde do Nathan e do Kyle, um som diferente soa na televisão, o que chama a atenção de todos. Assim que o símbolo de Gaia desaparece, Gabe surge em um uniforme preto e prateado exatamente igual ao que o Nathan usava quando era Comandante. Por trás dele, há duas bandeiras, do lado esquerdo a de Gaia e do lado direito a da Guarda Real.
Não demora muito para ver o Nathan entrando com o Matt. Os olhos dele se encontram com os meus, mas se desviam para a televisão.
Gabe começa a falar.
"Ontem nós fomos atacados."
"Apesar de todos os esforços, o grupo de rebeldes que continuamente tem tentado destruir a paz de Gaia conseguiu, através de vários atos que classificamos como anarquistas, ultrapassar a muralha da Matriz, explodir a cadeia e fugir, deixando um rasto de destruição para trás e uma lista incontável de mortos."
"Todos os nossos recursos estão direcionados para encontrar os responsáveis e condená-los de acordo com as leis do nosso país. Essa é a nossa prioridade. Por isso, uma alta recompensa será dada a quem tiver qualquer informação sobre a localização de qualquer membro desse grupo de rebeldes. A recompensa será maior se a informação for sobre Emily Reid, a líder do grupo."
"Neste momento, todos os soldados receberam ordem para executar qualquer pessoa que se rebelar contra a Matriz."
"Os prisioneiros que foram acusados de traição serão enviados para a prisão na Fronteira enquanto aguardam a ordem de execução."
"Por fim, tenham uma coisa em mente: nunca é tarde demais para escolher o lado certo. Se estiver incluído entre os fugitivos, a sua denúncia pode livrá-lo da acusação de traição."
"Somos e seremos sempre a favor da paz e da ordem."
As palavras do Gabe me congelam até os ossos, mesmo sabendo que ele não apenas está do lado da Resistência, mas que é um dos nossos líderes.
Olho para a expressão do Nathan e, ao ver duas rugas se formando no meio da testa dele, percebo que não era isso que o Gabe deveria ter feito. De qualquer forma, por mais que não tenha sido algo que eles tenham acordado, sinto um alívio. Em casos como esses, as pessoas já teriam até mesmo data para serem executadas.
No entanto, todo o resto é confuso.
Eu esperava que o Rei Anton fizesse o primeiro pronunciamento, mas o que acabo de ver me pega totalmente de surpresa. Então percebo que em nenhum momento o Nathan foi citado como resistente nem como sequestrado, o que eu achava que seria o mais provável.
A única coisa que não é de estranhar é eu ter aparecido como líder da Resistência, mesmo que não seja verdade. Mas eles não diriam nesse momento que a Resistência é liderada por Puros, muito menos que um deles é o Príncipe e Comandante da Guarda Real, isso enfraqueceria a imagem deles diante dos Setores e da própria Matriz. Por isso, eu sou a mais procurada, eu sou a cara da Resistência, como Matt sempre me alertou que seria.
Nathan sai da sala assim que a tela preta aparece.
Vou atrás dele e Matt vem a seguir.
— Você agora tem ideia de onde se meteu? Gaia toda está atrás de você. — Ele está completamente irritado, e então se vira para Matt. — E isso tudo é culpa sua.
— Eu fiz o que foi acordado. Nunca recebi ordens de não envolver a Emily na Resistência e não é hora para isso, Nate. — Matt fala sério, mas sem ser autoritário. — Eles não acusaram você. — Ele continua.
— Meu pai não vai fazer isso, não agora. Uma notícia dessas desestabilizaria o reinado dele. — Ele confirma o que eu já havia imaginado.
Então vai até a janela e passa a mão no vidro tirando a umidade. Ele olha para a parte de fora e observo a sua postura contida apesar de tudo, mas tenho certeza que ele está se controlando para não perder a calma de novo.
— Ele sabe que você é da Resistência? — Pergunto hesitante.
Não tenho certeza se ele quer falar sobre isso nesse momento. Lembro-me de como o jantar com os pais dele foi tenso, e o grito do Rei pouco antes de deixarmos o Palácio ainda ecoa nos meus ouvidos.
— A nossa última discussão não deve ter deixado muitas dúvidas para ele. — Ele responde e se vira encarando-me com aqueles olhos verdes intensos. Vejo que a raiva deu lugar à preocupação.
— Eu não esperava que fossem jogar os Setores conta a gente, que fossem atribuir a nós a morte dos prisioneiros. — Matt diz. — Isso foi uma jogada de mestre.
— E em nenhum momento o Gabe falou o nome "Resistência". — Constato.
— Eles realmente foram espertos em nos declarar culpados pela morte dos prisioneiros. Mas não é surpresa que eles vão tentar passar uma imagem negativa da Resistência. O que os Setores sabem neste momento é que somos um grupo de rebeldes, que provocou a explosão que matou os prisioneiros do Setor 3 e civis.
Ouço um suspiro de Matt e só então começo a entender a dimensão do discurso do Gabe. Fico imaginando como ele deve estar se sentindo por nos colocar em uma situação complicada, mas ele não deve ter tido alternativa. Como o Nathan nunca teve e até foi forçado a votar a favor da implosão do Setor 3 ou condenar pessoas à execução.
Eu não queria estar na pele dele.
— Gabe fez o que você estava esperando? — Pergunto, já imaginando a resposta. Ele balança a cabeça negativamente.
— Mas ao menos ganhou tempo. — Matt diz. — O plano nessa situação incluía você. O Gabe não tem o poder que você teria.
— Ele é o Comandante agora, poderia ter exigido um julgamento para os prisioneiros, o que nos faria ganhar tempo. — Nathan fala.
— Talvez ele tenha tentado, mas o Rei tem o poder absoluto, você mais do que ninguém sabe disso. — Matt para por um momento, talvez tentando organizar as ideias antes de falar para justificar mais uma falha no plano, e então recomeça. — Além disso, eles foram enviados para a Fronteira. Se tivessem ficado na Matriz, não tenho dúvida de que a execução seria em poucos dias. — Ele toca no ombro do Nathan. — Nem tudo é preto no branco. Se o Gabe não conseguiu proteger a própria namorada, há uma razão para isso.
Ainda não tinha pensado nisso e até fico mais aliviada por saber que Gabe tem uma motivação a mais para lutar por eles.
Mas falar da Mia deve ter feito o Nathan lembrar do tiro que eu e ele levamos por causa do irmão dela e vejo a raiva retornar ao rosto dele.
— Onde está o Kyle?
And now my neck is open wide,
begging for a fist around it
E agora meu pescoço está exposto,
implorando por uma mão em torno dele
(Castle | Helsey)
Nota: no nome do capítulo, vocês vão poder ver o dia em que eles estão, sendo que o dia 1 é o dia a seguir à fuga da Matriz.