Olhos oblíquos de cigana dissimulada

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Após o jogo contra a Alwin United no dia anterior, Scorpia e algumas das jogadoras haviam ido comemorar a bela vitória – e o primeiro gol de Catra – num karaokê. Embora Catra tenha ficado meio decepcionada de não encontrar nada dos Racionais, do Chico Buarque, Cássia Eller, e muito menos algum dos seus proibidão no sistema do estabelecimento, fora uma noite bastante divertida. Scorpia a fez cantar um dueto de algum pop gringo com ela, e a total falta de noção de Catra de que raio de música era aquela ou como deveria cantar aquela letra em gringuês fez com que a nota das duas fosse lá pra baixo, mas havia sido divertido de qualquer forma. Na metade da música, elas desistiram de tentar cantar direito e começaram a fazer palhaçadas, arrancando risadas de suas companheiras.

Já eram quase duas da madrugada quando as garotas voltaram ao hotel, e oito da manhã quando o ônibus da Red Horde de volta para a capital saía no dia seguinte. O cansaço do jogo e da noite ainda atingem Catra quando ela se senta em sua poltrona, ao lado de Lonnie, e a inclina o máximo que pode para continuar dormindo.
- Good night – ela murmura para a companheira – wake me up inside. Bright Moon.

Ela se lembra de um trecho da música de Evanescence que falava sobre acordar a cantora. Sua intenção é pedir que Lonnie a acorde quando chegarem, e em vez disso ela deixa a ponta com cara de confusa. Catra põe os fones de ouvido e dorme quase imediatamente.

A garota sente que não dorme nem uma hora quando é acordada por alguém cutucando seu ombro. E ela está certa, Alwin não fica nem a cem quilômetros de Bright Moon.
- Hmm... qual é, me deixa dormir Entrapta... – ela resmunga, e Lonnie a cutuca com mais força. Catra abre os olhos e se lembra onde está – ah tá. Foi mal aí, mana.

Catra pega sua mochila debaixo da cadeira e desce do ônibus atrás de Lonnie. Não vê Scorpia do lado de fora, então espera.

Observar o ambiente traz uma certa sensação de solidão e deslocamento, para Catra. Ela vê Netossa ir toda sorridente até o carro onde aquela sua esposa dos cabelos rosas a espera, um sorriso tão grande quanto o da esposa, e ambas vão embora juntas. Outras jogadoras também são recebidas por pessoas que Catra supõe que sejam familiares, esposas, maridos, amigos. Aquelas que não têm ninguém, dirigem-se aos seus próprios carros, vão embora sozinhas, independentes. É o caso de Octavia e da treinadora Weaver.

Algo chama sua atenção. Lonnie, que saíra logo a sua frente, é recebida por um garoto baixinho e loirinho e outro bem alto, de cabelos tingidos de verde, e embora esteja guinchando de felicidade ao ver os dois – e conforme Catra nota, ela dá um selinho em cada – ela não diz uma palavra, em vez disso gesticulando para eles, que gesticulam de volta.

Não é a mesma linguagem de sinais com a qual Catra está familiarizada. Por mais que ela tente prestar atenção, não consegue entender o que está sendo dito. "Ué, os gringo tem uma língua de sinais diferente?", ela se pergunta. A garota continua observando a interação, aos poucos desistindo de entender aquela linguagem de sinais gringa e passando a fazer teorias da razão pela qual Lonnie teria beijado ambos os rapazes. "Teoria da branca de neve, por que só ter um se eu posso ter sete?", ela canta mentalmente, e ri baixinho.

Seu coração aperta. Ela sente falta de voltar para uma casa onde ao menos é capaz de se comunicar decentemente com as pessoas, do sorriso amoroso de sua mãe e de sua irmãzinha, da admiração de seus irmãos. Por mais que não sinta falta de nenhuma das suas ex, sente falta de ter alguém que a ame assim, da ideia de ter um relacionamento assim. Sente falta de suas colegas do São José com quem conseguia se entrosar facilmente, dos seus amigos da comunidade. Não que Scorpia e Perfuma não sejam gentis, mas... simplesmente não é a mesma coisa. Ela sente quase como se fosse uma "café-com-leite" por aqui. Como se as pessoas só fossem gentis com ela e apenas a poupassem do mundo real, dos adultos, por ela ser uma estrangeira. Por não falar inglês. Por ser dependente, como uma criança.
- Hey, Wild Cat – Scorpia é a última a sair do ônibus. Ela agarra Catra pela cabeça e a puxa para um meio-abraço – já falei que aquele seu gol foi incrível, não falei?
- Incredible. Yes, I'm incredible – concorda Catra, arrancando risadinhas de Scorpia. As duas vão até o carro da centroavante e logo estão em casa, que parece vazia ao chegarem – want to play videogame? – a brasileira convida. Scorpia sorri como quem se desculpa por algo.
- Oh, na verdade... eu tenho compromisso daqui a pouco, uma sessão de autógrafos numa das lojas do clube.

Gringa Grudenta - (Catradora)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora