Confinada

Capítulo 26 - Talvez seja o destino

Miguel

Me sento na poltrona ao lado da cama, me mantendo distante de seu corpo adormecido, não queria que se assustasse quando acordasse ao notar o quão perto estava. 

Aproveito o raro momento e deixo meus olhos examinarem cada pequena parte daquele belo rosto, cada pequena expressão, cada mínimo sinal. Uma mistura de preocupação e medo rondando minha mente, eu estava perdido em um turbilhão de pensamentos tentando entender que diabos havia acontecido não só ontem mas em tudo que havia acontecido desde que a vi pela primeira vez.

Nos conhecemos a tão pouco tempo, dias se for ser mais exato mas eu a observo a bem mais que isso e quanto mais perto dela mais percebo o quão completamente diferente ela é de tudo que imaginei e supus.

Me deixei enganar pela falsa postura de menina um tanto timida, introspectiva, reservada, imaginando que deveria ser uma flor delicada, alguém que teve a vida regrada e fechada de certa forma e agora se sentia desconfortável em meio a multidão e tantos desconhecidos ao seu redor. Mas tudo isso não passava de uma bela e perfeita atuação, 

Bela não se abre para qualquer um, ela é observadora, experta, analítica e parece ler as pessoas tão bem quanto meu sargento, algo que só é conquistado com anos e anos de serviço, dedicação e aprendizagem.

Ela levava no olhar o peso de uma longa vida quando na verdade mal parecia ter mais de vinte anos, o que me assustava mortalmente, pois seu olhar se assemelhada aos de meus companheiros militares, homens que haviam visto inúmeras coisas em suas vidas, suas missões, coisas que o assustariam e ficariam gravadas em suas vidas, mente e pele para sempre.

Lembro-me a primeira vez que a vi, tinha praticamente acabado de chegar a cidade e estava a horas andando por todos os lugares não só para reconhecer o território mas para tentar achar qualquer lugar minimamente descente para viver. Ainda estava confuso demais com tudo que havia acontecido, a raiva ainda queimava minha pele só de pensar no que minha irmã Keila passou e qual poderia ter sido o desfecho da historia se o ataque não houvesse sido interrompido.

Meu pai havia falecido a um tempo não muito distante e como ainda estava no meio da minha implantação não podia ficar mais que alguns dias para o enterro e ajudar minha mãe não só nas questões legais mas em tudo mais que fosse possível, serviços de casa, manter um olho na destrambelhada da minha irmã e estar ali para ser não só uma companhia mas também um ombro amigo, alguém com quem ela pudesse contar e sofrer a perda do seu único e grande amor.

Confesso que nunca fui um homem romântico quando jovem mas hoje em dia depois de tudo que sofri e vivi durante o serviço militar me vejo querendo ter o que meus pais tinham.

 Ambos se conheceram ainda jovens mais precisamente no ensino medio, segundo ambos foi amor a primeira vista. Meu pai havia visto minha mãe no primeiro dia de aula e dizia que assim que botou os olhos nela sabia que ela era especial e que fora enviada para ele. 

Para sua completa tristeza eles não eram do mesmo ano, meu pai estava no segundo ano do ensino medio enquanto minha mãe estava no primeiro, mas isso não o desanimou nem o manteve longe, não mesmo. 

Meu pai sempre que podia encontrava uma forma de ir até ela, de se fazer ser notado e essa historia se estendeu por longos e longos meses de pura agonia para meu pai. Minha mãe dizia que nunca fora experta se tratando dos homens, tudo que meu pai fazia para conquista-la passava desapercebido de certa forma. Ele acenava, cumprimentava, sentava perto dela de alguma forma, esbarrava nela nos corredores, nas filas mas para ela ele era somente um cara educado, popular e um pouco estabanado por sempre estar de alguma forma trombando com alguém ou algo e ela era a infeliz que sempre estava no caminho. Dona Nina morre de rir ao lembrar em como achava que todos os "Olas" e acenos eram para qualquer outra menina menos para ela. Mamãe sempre foi assim, nunca viu sua real beleza, papai lambia o chão que ela andava e o ciúme corria solto em ambos os lados, rio só de lembrar todas as travessuras dos dois mesmo depois de quarenta anos casados.