Capítulo 25 | Maldita língua

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Assim que chego ao campus me embrenho na pequena área arborizada ao redor do prédio central procurando uma arvore estrategicamente posicionada que me mantenha escondida mas que ao mesmo tempo me proporcionasse uma ampla visão da área. Nem sempre encontrar Olivia era uma tarefa fácil e com toda a conversa de ontem rondando minha mente mais do que nunca queria me manter escondida, longe dos holofotes. 

Acreditei que estaria segura aqui, que essa cidade me forneceria finalmente um lar e ela ofereceu ou pelo menos acredito que ofereceu, confesso que ainda tenho sentimentos controversos quanto isso. É difícil largar algo tão enraizado em nos mesmos. O medo sempre foi e sempre será uma parte de mim mas...  é dificil pensar que todo o cuidado que tive mantendo meu passado afastado, tentando manter as poucas pessoas em minha vida e a mim mesma segura me tornou de alguma forma um alvo.

Quando o mundo se tornou algo tão viu e cruel? 

Desde sempre creio eu, afinal nunca conheci algo diferente disso desde que nasci. Toda as historias lindas contadas por mamãe pra mim nada mais são que contos de fadas. Ingenuamente no fundo do meu ser sonhei em ter algo assim um dia, um grande amor, um lar, um cachorro, uma estante cheia de livros, a possibilidade de conhecer o mundo mas... ao mesmo tempo que a esperança cresce uma nuvem negra se aproxima afogando toda e qualquer vontade, a sensação de pânico em estar me afogando em crueldade, desesperança e medo é grande, fazendo meu corpo e meus instintos gritarem "Corra!",  "Se salve", "Fuja!".

Com o tempo e a amizades que fiz aqui realmente senti algo mudando dentro de mim, uma pequena luz de esperança, força, de descoberta. Pela primeira vez me vi permitindo ter pessoas ao meu redor, tendo amigos, tendo uma casa ou quase isso. Mas ao mesmo tempo que essa luz crescia e aquecia minha alma, me dando pequenas gotinhas de esperança uma enorme tempestade vinha e acabava com tudo. Porem por mais duvidas que existissem dentro de mim eu tinha essa necessidade insana de lutar, de não deixar que me retirassem mais isso, ja havia perdido tanto... Sei que era mais nova, uma criança enfrentando o mundo por conta própria, sem ninguém, sem suporte, solta por ai correndo todos os tipos de perigos, o que ninguém sabia era que meu maior medo sempre foi o que me aguardava em casa não o do mundo aqui fora.

O mundo fora das portas da casa de papai podia não ser o que sempre sonhei, algo seguro, lindo, colorido e amoroso mas era menos tenebroso e violento quanto era em casa. Claro que não sou idiota, sei os perigos que corro, mas nas ruas tenho como me esconder, fugir, correr, dar um jeito e fazer todo o possivel para me manter viva já em casa eu estava enclausurada, presa entre pequenas paredes, paredes que ajudavam papai a me machucar, machucar mamãe, paredes que continham nossa dor, nosso sangue, nossas lagrimas... paredes que sufocavam nossa alma.

Por isso preso a liberdade e faço tudo para me manter assim, sempre manterei os olhos abertos, confiando em meus instintos, duvidando de tudo e de todos, não acredito que um dia me livrarei disso mas sei que quem quer que consiga ultrapassar todas essas barreiras, muros e contenções sem desistir no meio do caminho será digno do meu apreço e meu cuidado.

Olivia é uma dessas pessoas e por mais diferente que sejamos em todo esse tempo juntas ela nunca me forçou a contar minha historia, me abrir ou algo parecido. Ela secou minhas lagrimas quando tudo estava pesado demais para aguentar sozinha sem se quer pedir uma informação se quer, me ajudou quando mais precisei mesmo que não soubesse na época  que precisava de ajuda e me deu espaço quando viu que o melhor seria se afastar ao invés de se aproxima e assim fez Ana e Pedro. Então me diga, como posso deixa-los nessa cidade com um grupo de machos covartes e brutais rondando ao redor em busca de uma nova vitima?

Sei que não faria diferença na vida deles se eu continuasse ou não ao redor e no fundo de minha mente sei que talvez minha vida não seja longa o bastante, então se meus últimos suspiros forem para salvar meus amigos desses demônios e de bônus acabar salvando a vida de outras milhares de mulheres eu faria sem pensar duas vezes. Nenhuma mulher merece ter sua vida marcada por algo tão vil, por tamanha invasão, tamanha tortura. Nenhuma mulher merece ter sua alma triturada, sua essência perdida...

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