10 - Orgulho Ferido

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Apenas na quarta-feira pude retornar a minha vida normal. Fui assistir às minhas aulas e trabalhar no laboratório. O professor Ramirez, meu chefe, cobrou por alguns resultados do meu projeto e sabia que teria de sair às 18:30h por, pelo menos, três semanas. O período estava acabando e eu também tinha que meter a cara nos estudos para passar direto e com notas altas, como gostava que fosse.

Havia rumores de greve no ensino público, nada que se comparasse às terríveis de 91 e 92, mas greve sempre prejudica o ano letivo. Diziam que os professores deixariam o período terminar normalmente para não impactar muito.

Sábado chegou e era a última aula de Regina antes da prova de cálculo. Não nos falamos antes disso. Não pude procurá-la e tinha uma certa vergonha de telefonar. Parecia-me que alguém poderia ficar escutando lá na casa dela. Sei lá, neurose minha.

O brabo é que Cora também estava em casa. A mulher vestia um roupão de seda, como no dia em que nos conhecemos. Dizia sentir um mal estar e andava pela casa inteira reclamando e pedindo coisas a Dolores de cinco em cinco minutos. Passou na biblioteca várias vezes. Abria a porta, olhava para nós e saía gemendo. Estudamos muito e foi só isso. Sem chance de maiores conversas ou qualquer coisa com aquela mulher ali. Na hora do almoço Dolores chamou e Cora Mills não compareceu. Ficou no quarto comendo "frutas frescas da estação". Dolores hoje passou o dia inteiro na casa para cuidar da patroa. A perua fez um novo corte no cabelo e comentei com Regina que havia ficado muito bonito. Foi só o que consegui dizer.

Ao final do dia Regina foi me levar até a porta, mas sua mãe mandou que deixasse isso para Dolores porque precisava de sua ajuda. E assim foi. Voltei para casa desanimada e além das obrigações normais, passei o final de semana estudando. 

Acabaram-se todas as provas e agora só quem havia ficado para prova final aparecia na faculdade. Eu continuava indo por causa do trabalho no laboratório. Passou o final de semana e senti falta de ir na casa da morena. Telefonei para ela, mas só dava ocupado.

Numa terça, hora de ir embora, fiz a caminhada habitual até o ponto de ônibus. A cabeça pensava em um monte de coisas, mas Regina era a prioridade absoluta. Vi uma menina morena do cabelo curto sentada em um dos bancos do bloco A. "Será Regina? É parecidíssima! Mas o que ela faria aqui na faculdade até essa hora? Além do mais, Regina tem o cabelo comprido... Deus, eu tô ficando maluca, vejo essa garota até onde ela não está!" Chegando mais perto ouvi uma voz conhecida me chamar:

- Emma! – Ela se levantou e andou em minha direção.

Estava linda com uma calça jeans escura, blusa de lã e salto alto. Era um dia frio e ela caminhava como que levada pelo vento. "Levada pelo vento? Eu tô ficando muito romântica pro meu gosto!"

- Regina?! O que faz aqui a essa hora? – meu coração acelerou de felicidade.

- Esperava você. Hoje foi a prova final de química, que eu acabei fazendo, mas foi tudo bem e sei que passei. – calou-se - Bem, meu pai trocou os números das nossas três linhas de telefone e você não teria como entrar em contato comigo.

- Ah, então era por isso que só dava ocupado! E por que ele fez isso?

- Não me pergunte! Alguns funcionários da Telerj é que devem ter gostado, já que ele deu dinheiro a uns e outros para acelerar as coisas. – abaixou a cabeça - Eu queria muito conversar com você...

- Mas tá tarde e a gente tem que sair daqui antes. Sabe que não se pode dar mole na Ilha do Fundão.

- André está estacionado ali. – apontou o carro – Ele nos leva até Ipanema e nós podemos conversar em casa. Dolores não dormirá lá hoje. Ainda está com problemas e pediu mudança nos horários até o final da semana.

Além do TempoWhere stories live. Discover now