4 - Divergências

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Cheguei em casa e minha avó estava sintonizada na novela.

- Oi vó. Vou me arrumar e descer. Daqui a pouco o... vou sair e daí só volto amanhã.

- Está bem. - falou sem olhar para mim

Olhei para ela e imaginei como deveria se sentir. Ela que já foi rica vivendo em um barraco mal acabado no morro. Pensei no luxo do apartamento de Regina e como deveria ser a casa de minha avó na Bahia antes de perderem tudo. Ela deveria sentir muito. Eu nasci no morro e não tinha referências, mas para quem já viveu na riqueza...

Nosso barraco possuía quatro pequenos cômodos e eram todos, praticamente, colados entre si: sala, quarto, cozinha e banheiro. A separação entre eles era feita por cortinas de plástico amarelo translúcido. Nossa sala tinha uma poltrona de dois lugares, o móvel da TV, onde guardava meus livros, e uma mesinha entre eles, com um arranjo de flores de plástico. Na parede da janela, que era a mesma da porta, duas cadeiras de madeira.

Entrei no quarto e pensei em como era pequeno. As paredes, que eu mesma ajudei a levantar, eram bastante irregulares. Havia pendurado um quadro feito pelo meu primeiro namorado. Presente de aniversário. Minha avó dormia numa cama velha de madeira, debaixo da janela, e eu, em uma cama que fiz e que era guardada embaixo da cama dela. Tínhamos um armário, que dividíamos, e havia também a mesinha onde estavam a Virgem Maria, o terço e a Bíblia de vovó. Nos dias quentes, a santa dividia seu espaço com o ventilador.

Abri o armário e olhei minhas roupas: poucas. Se não fosse a filha de dona Maria, uma das patroas de minha avó, ter minha altura e me dar as roupas que enjoava de usar, eu nem teria como sair.

Regina tinha uma diarista. Era como minha avó, mas usava o tal uniforme azul de mangas compridas, coisa que vovó não tinha de usar. Será que Regina percebia que seus empregados estavam do mesmo lado que eu na vida? E talvez ainda melhor, pois não sei quanto eles ganhavam, mas deveria ser mais que vovó.

Separei um vestido azul de comprimento médio e fui para o banheiro. Nosso banheiro se resumia a um vaso sanitário, pia e um micro box. Quando faltava água, o que era comum, tínhamos de passar no seu Neneco e trazer no balde. Este homem era dono de uma quitandinha no Cantagalo e tinha três imensas caixas d'água. Por gostar muito de nós, aliviava nossa barra nessas situações de "seca", sem contar as vezes em que nos vendia a fiado. Fiz um teste e vi que a água estava lá. "Oba! Hoje balde não rola!"

Acabei de me aprontar e esperei até as dez, que foi quando desci. Vovó estava quieta rezando no quarto. Às vezes eu passava dias sem ouvir sua voz.

- Tchau vó.

- Amanhã vamos consertar a parte de trás da cerca. Caiu uma pipa lá nos fundos e uns moleques acabaram com ela. Ainda tenho arame farpado suficiente.

- Pode deixar.

Saí e, como sempre, ouvi gracinhas e algumas zombarias na descida. Apesar disso, raramente alguém vinha me abordar ostensivamente e eu podia ir sossegada. Pensei em Regina e, rapidamente, desviei o pensamento. Esperei Cezar no ponto de ônibus e ele não tardou a chegar. Estava muito bonito!

- Oi gata! Você tá um arraso!

- Você também. - aproximei-me e cheirei seu pescoço - E muito cheiroso.

- Não faz assim que você me deixa louco, minha linda... - e nos beijamos com paixão - Vamos.

Estávamos em uma cama redonda, em um motel cheio de espelhos. "Aliás, por que motel tem tanto espelho?" Cezar estava deitado sob mim, segurando minha cintura, enquanto cavalgava nele deslizando as mãos em seu peito.

- Ah... Você é muito gostosa loirinha... Mexe gostoso assim pra mim vem...

Desci as mãos até sua cintura e o puxei mais para mim. - Quero te sentir todo dentro de mim. Ah... Você é muito bom... - disse fechando os olhos.

Além do TempoWhere stories live. Discover now