{41} O ESPÍRITO DO ÓDIO

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- Ah, filho, nem vi você aí. - Sua voz alegre vinha acompanhada com um sorriso quente, emoldurado pelo queixo reto com uma sombra de barba que Barton já havia esquecido há muito tempo. - Nossa. Olha pra você! Virou um homem forte e bonito. Quem diria.

Barton estava congelado pela surpresa, apenas suas mãos tremiam dentro das luvas brancas. Não é real. Não é real. Não pode ser ele!, repetia em pensamento. Ele fechou os olhos com força e abriu-os, esperando encontrar-se sozinho novamente. Lembrou da Árvore das Memórias e de sua toxina macabra que revivera seus piores pesadelos e julgou que aquilo era mais um truque para sua mente. Eu não deveria ter tirado o capacete, lamentou olhando por cima do ombro. Era tarde demais para voltar e buscá-lo?

- Eu sei que isso é estranho pra você - Hedd falou, virou-se e pegou outra pedra ali perto. - É estranho pra mim também. E então, não vai dar um abraço no seu velho pai?

- Você não é real - a voz de Barton ecoou cheia de dúvida pelas altas paredes. - Não sei o que é você, mas não é meu pai.

- Ora, não diga isso. É claro que sou eu. - Hedd pôs a pedra que tinha nas mãos o topo da pilha e deu um passo para trás para admirar seu trabalho. - O que achou, ficou bom? É uma lápide. Para sua mãe. Não fiz uma para ela quando morreu. Já que estou aqui, achei que seria um bom momento pra isso.

A mão que Barton matinha no cabo da espada afastou-se para o que ele pudesse fechá-las em um punho, ainda trêmulo.

- Quem é você? - ele perguntou, tentando não encarar os olhos de Hedd. Era doloroso ver um rosto que tanto o lembrava de sua mãe. - O que é você?

- Vamos, pense um pouco e vai descobrir - disse, sentando-se em uma pedra afastada e batendo as mãos uma na outra para limpá-las. - Estamos em um lugar muito especial, você sabe.

- Uma Interseção. - Barton lembrou-se do que Lia havia dito: - Onde o mundo dos espíritos toca o mundo dos vivos. Então você é um... espírito. Está morto!

- Esse meu garoto, puxou o sangue áureo da mãe e a inteligência do pai.

- Desgraçado! Espero que tenha sofrido muito! - Agora que Barton sabia que de fato era mesmo seu pai que estava diante dele, mesmo que só sua alma, ele quis despejar toda a raiva que sentia. - Você tem ideia do quanto eu te odeio? Você nos abandonou! Pior do que isso, virou um traidor, um coiote de Shans.

- Isso mesmo - Hedd apontou para o próprio peito. - Isso mesmo, esse sou eu, o traidor. Mas sabe por escolhi a vida suja de Coite Negro, sempre viajando e matando? - O dedo voltou-se para Barton. - Por sua culpa, Bartolomeu, foi você quem fez isso comigo.

- Eu? - Barton deu um passo à frente. - Como pode ser tão nojento?

- Você mesmo. - Hedd levantou e caminhou devagar para a pilha de pedras. - Sabe como conheci sua mãe? Aposto que ela nunca te contou. Foi muito tempo depois da Guerra Áurea ter terminado. Era tarde da noite. Eu e Morá estávamos preparando a terra para plantarmos as sementes logo cedo quando um cavalo entrou na vila, assustado, com uma mulher esparramada na sela, vestindo parte de uma armadura verde destroçada... coberta de sangue, Barton. Você não imagina o quanto de sangue. - O rapaz fechou os olhos, não queria imaginar aquilo. - Eu achei que ela estivesse morta, mas Morá viu que ainda respirava, então a levamos para casa. Eu mesmo a coloquei na cama, e quando retirei o elmo e aqueles longos cabelos ondulados se espalharam pelo travesseiro eu percebi como ela era linda. Todos são, os Áureos, sempre perfeitos e belos, mas ela era mais. Especial.

"Eu era um pouco mais velho que você e não sabia nada sobre o amor. Não sabia como é um sentimento perigoso. Eu queria arriscar minha vida com aquela Áurea, mesmo sabendo que poderíamos estar os dois mortos quando os Espectros viessem. Ela sobreviveu, era forte. E Morá não permitiu que ela fosse embora. Fez todo o esforço para escondê-la em Orm. Todo dia eu ia vê-la na cabana. Cuidava dela. Ela foi meu primeiro e único amor."

𝑨́𝒖𝒓𝒆𝒐𝒔 - 𝑺𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂 𝑮𝒖𝒆𝒓𝒓𝒂Where stories live. Discover now