{41} O ESPÍRITO DO ÓDIO

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O lugar era cada vez mais frio, a cada passo que Barton dava entre aquelas paredes úmidas, sentia o sopro gelado percorrê-lo; algo tão presente que nem mesmo o uniforme conseguia conter. Estava sozinho e agora ele sabia que a solidão era fria.

Pelo menos não está tão escuro, pensou. E realmente não estava, de rachaduras nas paredes brotavam pequenas plantas rugosas que brilhavam como lâmpadas naturais, pontilhando o caminho como estrelas embaixo da terra. Barton, entretanto, não atreveu-se a tocá-las, não eram do mundo que conhecia, o chão por onde caminhava agora pertencia ao mundo dos espíritos.

Em certo momento o capacete emitiu um bipe baixo, um sinal de alerta do traje avisando que a temperatura havia caído demais. O barulho tornou-se insistente e ele não sabia como desligá-lo, então decidiu se livrar do capacete e dos cilindros de oxigênio. Se Lia estava certa sobre o amplificador o querer ali, ele não morreria sufocado, caso contrário isso já teria acontecido com ou sem a proteção.

Barton pressionou a trava na nuca e, com um clique, o capacete desprendeu-se. Foi um alívio poder mover o pescoço normalmente e quando ele retirou as alças que o prendiam aos cilindros e jogou-os no chão, foi como ter se livrado de pesados grilhões. Porém, o frio o abraçou totalmente. Sua respiração condensava no ar, laçando pequenas nuvens pela boca. Ele concentrou-se no fogo branco e aumentou a temperatura do corpo. Agradeceu silenciosamente por sua afinidade com as chamas o que tornava tudo mais fácil. Deixou os equipamentos junto a uma pedra e seguiu em frente, memorizando onde os deixara para pegá-los no caminho de volta.

A voz em sua mente o guiava como uma bússola pelo caminho, o que Barton achava estranho porque a voz não dizia nada em especial, apenas o chamava. Não era feminina ou masculina, apenas existia ali. E o mais peculiar era que ele a entendia, como se quem o tivesse guiando fosse um velho amigo, alguém que nunca o decepcionaria. Por isso ele não hesitava em nenhum passo. A cada curva, em cada túnel novo que entrava, tinha a certeza de estar mais perto de algo que tinha buscado por muito tempo: poder.

O túnel úmido tinha um cheiro ferroso, Barton percebeu agora que estava sem o capacete. Era um cheiro pungente que exalava das paredes, e ficava cada vez mais forte a medida que se embrenhava mais naquele submundo. Seu corpo vibrou com a onda de energia que pulsava de algum lugar à frente, como um enorme coração batendo no interior da caverna.

- Está perto - sussurrou ele. Então, o chamado cessou tão subitamente que fez Barton estacar no lugar.

Em pé e imóvel, ele olhou para trás e para o alto, para o teto escuro. Ouviu apenas o gotejar da água no chão e a própria respiração. Eu o perdi?, perguntou-se. O túnel ali não tinha bifurcações, era uma linha reta escavada naturalmente na rocha. Barton só podia voltar ou seguir em frente, e ele não ia voltar; não podia. Deu apenas dois passos antes de ouvir um assovio ecoado, imitando as notas ritmadas de uma antiga canção de Orm. De Orm! Seu coração quase parou, mas ele não, continuou andando sem nem perceber que estava com a mão sobre o cabo da espada negra.

Caminhou mais um pouco na direção da melodia para encontrar outra grande galeria, muito maior que a da entrada. Ampla e incrivelmente iluminada pelas plantas bioluminescentes, o lugar parecia irreal, e talvez fosse mesmo, por que a figura que Barton viu no centro o fez duvidar de seus olhos e ouvidos.

- Pai? - ele murmurou incrédulo. - Pai, é você?

Hedd assoviada casualmente, enquanto empilhava pedras achatadas em um pequena torre triangular. Vestia as roupas surradas da vila, um colete gasto de couro, camisas de algodão encardidas pelo trabalho na horta e as calças dobradas até o joelho para não sujá-las quando se ajoelhasse para cuidar das plantas. Tinha os pés nus na rocha áspera. Quando viu Barton entrar na galeria, colocou mais um pedra na pilha e virou-se para ele:

𝑨́𝒖𝒓𝒆𝒐𝒔 - 𝑺𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂 𝑮𝒖𝒆𝒓𝒓𝒂Where stories live. Discover now