{11} A TERCEIRA CAMADA

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A viajem por aquele túnel foi bem mais turbulenta, nada que Kraj já não esperasse indo tão profundamente no Mundo Não Físico. Era como estar sendo levado por um furacão de energia. Vez ou outra sentia toques frios em sua pele, braços sem corpos tentando puxá-lo para outra direção. Espíritos despedaçados, concluiu.

Não soube dizer por quantas horas sacolejou na passagem, era difícil - se não impossível - precisar o tempo ali. Mas, quando foi cuspido pelo túnel novamente no solo arenoso e cinza, teve certeza de que havia chegado na terceira camada do mundo dos espíritos. Ao contrário das duas últimas, essa mostrava alguma luz que cortava a escuridão quase sólida que permeava aquele mundo. Porém, não algo que servisse de alivio para um visitante. A iluminação vinha de um oceano de lava borbulhante.

Kraj estava no que ele julgou ser uma ponte de rocha grotesca ladeada por quilômetros e mais quilômetros de lava. Ao longe via colunas de fogo subirem por centenas de metros até o céu escuro. O caminho a sua frente não era estreito, tão pouco reto, ia em várias direções, como artérias em um corpo. Pensar em corpo fez Kraj perceber que o seu estava mais pesado, ou ele estava mais fraco. Tinha que manter sua aura protegendo-o ou morreria em segundos, e isso demandava muito esforço, mas ele não pararia por nada.

Espanou a poeira da roupa e começou a caminhar. Seria bem mais rápido se Umbra estivesse com ele para levá-lo voando sobre as nuvens. Infelizmente isso era impossível, a quimera jamais sobreviveria àquela atmosfera. Pensou em usar sua força para saltar grandes distâncias e economizar tempo, mas essa ideia foi rapidamente descartada, esforçar-se assim custaria um preço alto. Além disso Kraj tinha que economizar energia para enfrentar os perigos daquele lugar, aquela aparente solidão era apenas para enganar os olhos, pois ele podia ouvir e sentir a presença de espíritos poderosos e raivosos ao seu redor. Ele manteve-se alerta, qualquer ser que sobrevivia tão fundo deveria ser levado a sério.

O Mestre das Sombras andou pelas "artérias" decidido, sempre com a mão esquerda calmamente apoiada no cabo de Mahiban. Se alguém pudesse vê-lo ali, diria que estava perdido, vagando sem rumo para encontrar uma saída daquele mundo morto. Porém, Kraj sabia exatamente para onde estava indo. Mesmo sem nunca ter se quer vislumbrado aquele lugar, podia sentir a carga concentrada de energia que os túneis criavam. Para ele era fácil ser guiado por tão estranho poder, além disso, seu amuleto vibrava e apontava a direção certa a seguir, como uma bússola.

A bússola indicava uma bifurcação à direita e para lá ele seguiu. A medida que avançava, rochas pontiagudas surgiam no meio da lava, apontando para direções aleatórias. O ar era pesado e carregado de enxofre, além do calor cada vez maior. Ele não se deteve.

Naquele momento pensou no motivo de estar fazendo tudo aquilo. De ter abandonado seu posto para mergulhar em mundos desconhecidos e perigosos. Liana. Talvez ela o rejeitasse novamente, talvez tentasse matá-lo. Ele compreendia os motivos, o rancor dela por ele. Kraj tinha guiado as coisas para aquilo. Entretanto, jamais deixaria como estavam. Não descansaria até dizer tudo o que não pôde falar naquele vale. Aquele meio-Áureo me interrompeu! Suas mãos se fecharam em punhos poderosos.

A ideia de matá-lo, tirá-lo do caminho para que não intervisse mais, passou pela cabeça de Kraj como um relâmpago. Mas não poderia fazer isso, Lia tinha alguma ligação com ele, e matá-lo só faria com ela sentisse mais raiva.

Ainda havia o fato de que Barton era um yomei como ele. Querendo ou não os dois tinham algo em comum: eram o maior temor dos Arcanos. Com certeza Sauly estaria preparando-o para combater. Mais cedo ou mais tarde os dois acabariam frente a frente novamente, e quando esse dia chegasse, não se conteria como fizera da última vez.

𝑨́𝒖𝒓𝒆𝒐𝒔 - 𝑺𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂 𝑮𝒖𝒆𝒓𝒓𝒂Where stories live. Discover now