{20} AS LÁGRIMAS DA SEREIA

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Na manhã seguinte Lia acordou pensativa, olhando para o teto do quarto. Sua missão, a tarefa que jurou levar até o fim para vingar seus pais, estava distante agora, menos importante. Ir embora dali e continuar a caçar Kraj, ir para longe de Erik, começava a parecer uma ideia difícil de lidar. Mas e seus pais, quem os vingaria? Eles não iam querer essa vingança, uma voz em sua cabeça opinou. Talvez ela só estivesse buscando motivos para justificar algo que já era fato: não queria ir embora.

Ficou rolando na cama, pensativa. Quando se deu conta era quase meio dia. Deu um salto e vestiu-se rápido. Desceu as escadas sem nem calçar as botas, esperando ver Erik atrás do balcão lendo um de seus livros velhos como fazia todas as manhãs depois das tarefas. Mas ele não estava lá.

- Erik? - ela chamou em direção à cozinha, não tinha ninguém.

Aproximou-se do balcão e achou um bilhete sob o caderno que ele usava para listar os pedidos de pães dos aldeões. O papel estava dobrado com uma palavra escrita com a caligrafia cumprida dele: Para a Sereia. Sorrindo, ela abriu e leu a mensagem:

Tive que sair para resolver uns assuntos em uma fazenda. Não é longe então não vou demorar. Eu não quis te acordar, afinal, você ainda é minha hóspede. Você já sabe que pode ficar a vontade, certo?

Lia colocou o papel de volta e suspirou olhando para os lados, o que faria até ele voltar? Decidiu-se rápido, correu de volta para o quarto, agachou-se no pé da cama e puxou de lá a trouxa com as peças de sua armadura escarlate. Desembrulhou o pacote e espalhou as placas sobre o colchão. Ficou encarando-as.

Ela se lembrava do dia em que tinha completado o treinamento e se formado como uma guardiã, um soldado do exército escarlate. Lia obteve as maiores médias entre todos os Niffjs de sua classe, o que lhe deu o direito de escolher ingressar na hierarquia já em um alto patamar, como líder de uma equipe de forças táticas. No entanto, ela optou por manter-se no nível mais baixo. As forças táticas eram selecionadas para missões específicas e as mais perigosas, enquanto os soldados rasos patrulhavam os territórios e caçavam Espectros menores. Lia não daria a Nayrú o gostinho de mandá-la para morte quando quisesse. Sua escolha, na época, teve o efeito que esperava: irritar o Arcano, que nada podia fazer contra sua decisão.

Agora aqueles pedaços de armadura eram a última coisa que ligava ela ao Palácio da Luz, que a relembrava quem era ela, ou que Nayrú queria que ela fosse. Lia não sabia se conseguiria viver uma vida normal ali, mas tinha certeza de que não queria mais a vida de Áurea. O Arcano não havia lhe aplicado a punição severa que merecia por ter matado humanos, mas tinha proibido que voltasse a pisar na casa do guardiões. Não que ela quisesse voltar para aquela prisão de ouro, mas era lá que sua irmã estava. A decisão que estava tomando naquele momento poderia significar nunca mais ver a irmã, porém, era a única escolha que lhe restava agora.

Ela voltou a enrolar as peças e saiu com a trouxa sobre o ombro. Seguiu o rio até encontrar o ponto que achou ser o mais profundo. Não pensou mais e atirou a trouxa nas águas, com um splash alto o pacote afundou para ser esquecido para sempre. Lia sentiu como se tivesse tirado uma grande rocha das costas, ainda tinha seu poder, mas se sentia mais humana ao se livrar daquele peso. Kraj também afundava naquele rio, estava disposta a deixar o passado no passado.

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𝑨́𝒖𝒓𝒆𝒐𝒔 - 𝑺𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂 𝑮𝒖𝒆𝒓𝒓𝒂Where stories live. Discover now