Sauly entendia perfeitamente a desconfiança de Lia, como yvriniana treinada no Palácio da Luz, ela matinha um pé atrás com os Arcanos, isso tudo graças a Nayrú. Seu irmão destruiu a confiança entre os Áureos e colocou em cheque sua liderança. Infelizmente restava para ela dar as más notícias, as coisas ficariam bem piores antes de melhorar.

- A ideia de vir para Shinê não foi minha. Eu só tinha um objetivo...

- Matar Kraj, eu sei. - O olhar da Arcana parecia ler a mente e a alma de Lia. - Mas e agora, o que você pensa sobre isso?

Ela olhou para um ponto qualquer no quarto. Não tinha resposta para aquela pergunta? Seus pais, Lia, ele matou seus pais!, repetiu para si mesma.

- Liana, a era dos Arcanos está chegando ao fim - Sauly falou, quebrando o silêncio que pairava no ar. - Nossa proteção já não é mais necessária. Os Áureos já podem andar com as próprias pernas e tomar as próprias decisões. E não há lugar para entidades imortais no cosmo sem nenhum proposito. Nayrú sente isso e está tomando suas precauções.

- Do que está falando?

- O Véu logo vai reivindicar o poder que nos foi dado no inicio do universo.

Como ela suspeitava, havia muito mais acontecendo além do Véu.

- Isso tem a ver com o povo de Shinê insatisfeito com nossa presença aqui? - Lia queria confrontar a Arcana já que ela estava tão disposta a dar respostas.

- Como sabe disso?

- Algum problema em eu saber disso? - Ela se inclinou sobre a mesa. - Ouvi na noite que saí daqui. Por que escondeu isso de mim e de Barton?

- Eu não escondi isso de vocês. Só não achei que era algo com que você e Barton deveriam se preocupar. E não devem. Vocês dois já tem tantos problemas para lidar...

Lia esfregou as mãos no rosto. O que Sauly dizia era verdade, tinham que se preocupar com a guerra em Híon e agora com sua saúde delicada. No entanto, não era motivo para ocultar algo tão importante.

- Me diga o que realmente está acontecendo, por favor - ela pediu, com receio do que ouviria.

- Alguns grupos mais radicais defendem que vocês devem ser expulsos de Shinê antes que Kraj e o exército deles nos invada como aconteceu em Híon. Acham que eu desfiz a proteção para trazer vocês dois aqui. É claro que nem todos pensam igual, Lia. Há quem apoia a nossa intervenção na guerra. Os protestos têm se intensificado nos últimos dias. Agora eu repito: não devem se preocupar com isso.

- Que droga - Lia lamentou-se. - Eu devo carregar o espírito da discórdia para onde quer que vá.

- Não é culpa sua, querida. É normal que as pessoas tenham medo do que está acontecendo. Não coloque mais esse fardo sobre seus ombros.

Lia levantou-se da cadeira e caminhou para a janela com vidro ainda rachado. Não queria que as coisas chegassem aquele ponto. Tinha ido a Shinê para tentar resolver as coisas e não para estender os problemas para outras pessoas.

- O que veio fazer aqui, Sauly? - Lia não queria mais papo.

- Vim consertar você.

- Eu estou quebrada? - Ela a encarou.

- Sua aura está. - A Arcana ficou de pé ao lado da Niffj. - Você não consegue manifestar seu poder, não como antes. Estou certa?

Lia sabia que ela estava. Desde que acordara, sentia seu poder falho, como se tivesse perdido algo dentro de si depois de ter passado pelo ciclo infinito. Seus sentidos, sua força e resistência, tudo tinha sido reduzido ao ponto de ter sido derrubada por um humano em um beco sujo. Sua aura estava mesmo quebrada.

- Você é forte, Lia. Já provou isso inúmeras vezes, mas não pode fazer tudo sozinha. Me deixa ajudar.

Lia apertou os braços em volta do corpo, encolhendo-se em si mesma. Era a primeira vez que Sauly a via em uma postura tão defensiva, tão vulnerável. Sauly a estudou. Apesar de toda aquela dureza e inquietude, Lia ainda era a garota que perdera tudo muito cedo e teve que aprender a viver por conta própria.

- Faça o que tem que fazer - disse Lia em um tom pouco maior que um sussurro.

Sem mais palavras, Sauly colocou as mãos sobre o peito dela, bem no coração. Com um toque, o poder da aura branca percorreu todo seu corpo. Os olhos da Arcana tomaram o mesmo brilho prateado que Barton possuía quando sua aura despertava. Lia não pôde evitar uma ponta de medo surgir. Fechou os olhos e as mãos, todos os seus músculos enrijeceram-se.

- Relaxe - Sauly aconselhou -, pode doer um pouco.

E doeu. Não apenas um pouco. Quando sentiu as ondas quentes do poder arcano alcançar a fonte de sua aura, foi como ter sua alma despedaçada e reconstruída mil vezes. Quis gritar, não tinha voz. Quis se encolher, seu corpo não respondeu. Foi então que a mão delicada de Sauly se afastou, por um segundo apenas. Lia cambaleou e quase caiu, para ser amparada pela mesma mão.

- Respire.

Ela obedeceu, esperou a dor no peito volta com o pulmão ferido, porém, sentiu apenas o ar entrar sem torturas. O cheiro ali era asséptico, cheiro de hospital! Não tinha percebido antes? Então ela começou a captar sons distantes: vozes, passos, o barulho de algo caindo no chão... Tudo fora do quarto. Seus sentidos estavam ligados no máximo.

Quando abriu os olhos, uma explosão de cores a surpreendeu. O tom verde das paredes era mais vivo, o amarelo da mesa quase a incomodava. Conseguiu ver um pássaro voando muito longe além da janela, as pessoas andando nas ruas dezenas de andares abaixo. Era como a primeira vez que sua aura tinha despertado, quando completou dez anos. Era como renascer.

- Está melhor? - Sauly indagou.

- Sim - Lia respondeu ofegando. Sua aura voltava a pulsar e vibrar com toda a potência. - Sim, estou bem melhor. Obrigada.

A Arcana sorriu e torceu para que aquele gesto simples servisse para dissipar um pouco da desconfiança que Liana nutria por tanto tempo contra os portadores da aura branca.

- Ótimo, mas vá com calma - ela avisou. - Seu corpo agora vai se regenerar completamente. Só quero que dê um tempo para isso acontecer. Pode sair do quarto se quiser e até visitar o centro de treinamento, mas nada de se agitar, ouviu?

Lia queria ir bem mais longe, no entanto, não deixou transparecer isso. Estava muito grata pelo o que Sauly fizera. Agora tinha suas próprias perguntas para responder e já não estava mais limitada.

- Que tal avisarmos Dana que você não vai precisar mais dos remédios? - A Arcana indagou.

Lia abriu um largo sorriso de satisfação.

- Vou adorar fazer isso.

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𝑨́𝒖𝒓𝒆𝒐𝒔 - 𝑺𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂 𝑮𝒖𝒆𝒓𝒓𝒂Where stories live. Discover now