Capítulo 43:

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Os dois amigos da Clara com certeza conhecem melhor o público feminino do que três palermas como nós, e certamente, conheciam a Clara melhor do que qualquer outra pessoa!

Dirigi-me à oficina deles e pedi para conversarmos um pouco. Assim que mencionei o nome da Clara e a minha preocupação, ambos interromperam imediatamente o trabalho. Levaram-me para o andar de cima, em direção a uma varanda onde ela costumava passar suas pausas no trabalho.

O Afonso foi preparar algo para comermos, enquanto o Daniel ficou para conversar comigo. Sentamo-nos na varanda, mantendo alguma distância. Eu não costumava conversar com gays com tanta proximidade, e sempre me aconselharam a não dar muitas confianças, então, preferi manter alguma distância (apesar desse conselho já não fazer muito sentido na minha cabeça).

— Então, o que se passa com a Clara? Ultimamente não a temos visto! Ficámos preocupados, pois nem atende o telemóvel, nem tem estado em casa, e também não tem vindo trabalhar.

— Pois, e provavelmente nem vai precisar mais, agora que tem um "cavalheiro" que a pode sustentar. Não precisa mais de dinheiro. É só pedir e ele dá-lhe qualquer coisa. Em relação às chamadas, não atendeu porque lhe roubaram o telemóvel, e penso que o novo só tenha guardado o contacto do "príncipe" dela.

— Mas, que príncipe?

— Não importa. Provavelmente é algum antigo amigo colorido que está a tentar reconquistá-la...

— E tens medo de perdê-la, é isso?

(Talvez o Daniel tenha acertado em cheio na ferida)... Ele disse aquilo que nem eu tenho coragem de dizer a mim mesmo... E continuou:

— Se gostas dela, porque não te declaras?

— Eu... gosto muito da Clara, mas nunca me apeguei a nenhuma mulher... e essa ideia assusta-me...

— Sentes falta de estar com outras mulheres?

— Bem... No início, pensei que iria sentir... mas, a verdade é que com a Clara é diferente. Sinto que preenchi um vazio que com outras mulheres não conseguia preencher. Mesmo que um dia volte a sentir falta de estar com outras, prefiro controlar essa tentação a arriscar perdê-la.

— Se andar com diferentes jovens não preenchia esse vazio, então, porque é que continuavas a saltar de mulher em mulher?

— Fui incentivado a isso desde pequeno. Quantas mais mulheres temos, mais completos somos... supostamente...

— E alguma vez te sentiste completo?

— ...Não... A verdade é que cada vez me sentia mais vazio... além do facto de ter andado tão obcecado jovens alheias, que nunca parei para tentar conhecer-me a mim mesmo, e nunca me apercebi de que não preciso de uma mulher para me completar. Deveria sentir-me completo sozinho. Na verdade, a Clara não preencheu esse vazio... ajudou-me a preenchê-lo eu mesmo! Ela não me completou, ela acrescentou. Ajudou-me a evoluir! Fez-me querer estar com ela, não porque preciso, mas porque quero... assim como ela não precisa de mim, nem o meu dinheiro, nem de nada através de mim. A Clara está comigo porque quer, e isso faz-me sentir bem! Faz-me sentir um certo alívio de que posso ser eu mesmo perto dela.

Respirei fundo, antes de continuar...

O Daniel não interrompeu, limitando-se a ouvir-me atentamente. Deitei-me sobre umas mantas no chão da varanda, deixando o peso do meu corpo sair, aliviando a tensão que me consumia.

Continuei a desabafar:

— Uma mulher, dez mulheres, corpos são corpos... Não foi a quantidade de mulheres que me fez sentir realizado, mas sim a qualidade que tive com apenas uma! E agora, sinto-me mal por toda a vida ter descarregado o meu próprio vazio, aproveitando-me de jovens carentes, que apenas procuravam alguém que lhes desse carinho e atenção. A verdade é que homens como eu sentem a necessidade de ter beldades à sua volta para se afirmarem como machos bem resolvidos...

— E para mostrarem como são diferentes de nós...

— Diferentes, como? Gays?

— Livres... — respondeu o Daniel, deitando-se ao meu lado. Olhou para o céu e explicou:

— Livres para chorar, livres para rir, livres para amar...

— Só é pena não serem tão livres para mostrar tudo isso ao mundo, pelo menos, sem medo... — comentei.

— É verdade. Mas, apesar da sociedade nos tentar prender por fora, por dentro somos mais livres do que qualquer "homem" será!

— E mais corajosos também...

— Corajosos?

— Sim... Corajosos para chorar, para demonstrar os vossos sentimentos, medos, desejos, vulnerabilidades... Na verdade, acho que vocês são mais homens do que qualquer um de nós algum dia será... É preciso muita coragem para enfrentar a sociedade, para lutar pela própria liberdade... Nós, por outro lado, somos uns covardes! Temos medo até de questionar a nossa sexualidade...

— Alguma vez questionaste a tua? — perguntou ele.

— Já tentei pensar sobre o assunto, mas... o medo sempre me impediu. Parece que, só de me questionar, já significa que estou a afirmar, e isso foi o que também me incentivou a ter tantas mulheres ao meu lado. Porém, isso só me tornou mais covarde. Afetei jovens inocentes, tentando alimentar o meu ego, completamente ferido por dentro, e não podia nem demonstrar isso, porque afetaria a minha masculinidade... Mas depois conheci a Clara... e ela fez-me sentir que posso ser eu mesmo, e que as minhas vulnerabilidades, sentimentos e desejos não me fazem menos homem! Até descobri que tenho prazer em zonas que nem em mim mesmo me permitia tocar direito! Tenho de admitir que me senti muito bem, mas, também fiquei com receio de gostar de algo que não me permito descobrir... Até uma ménage com um homem ela me convenceu a fazer! E até nos divertimos! Acontece que, tenho receio do que isso possa revelar sobre mim...

O Daniel olhou-me nos olhos, aproximou-se mais do meu rosto e questionou:

— Diz-me... Quando estiveram com outro homem, sentiste alguma vontade ou desejo especial em relação a ele?

— ...Não...

— Quando a Clara te tocou nessas zonas que dizes "proibidas", acordaste no dia seguinte a olhar para os homens de forma diferente?

— ...Não...

— Estamos há 10 minutos deitados, lado a lado, a poucos centímetros um do outro... Sentes vontade de fazer algo?

— ...Não...

— Então pronto... Não és gay!

— Bem... mesmo assim, admito que me sinto muito bem aqui, neste momento...

— Porque estás a abrir-te com alguém, sem medo, assim como quando estás com a Clara.

— Também tenho de admitir que me sentia muito bem quando ela me tocava... em todo o corpo...

— Porque és um ser humano, com zonas sensíveis em todo o corpo. Qualquer homem pode sentir prazer nessa zona, e em qualquer outra, sendo gay ou não. Alguns sentem, outros não. Da mesma forma que algumas mulheres sentem prazer em certas zonas, e outras não, e isso não as torna menos femininas. Uma grande diferença entre as posições conservadoras e as liberais, é que as conservadoras impingem às pessoas que "devem" ou "têm de", enquanto as liberais incentivam, afirmando que "podem" ou "têm direito a"...

CLÍMAX - vem(-te) comigoWhere stories live. Discover now