Capítulo 20

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Ouvi cada história atentamente, tanto as engraçadas, como as bizarras.

— Bem, ser mulher dá trabalho! — comentei.

O sorrio desapareceu, e ela respondeu:

— Dá trabalho... e, por vezes, dá medo... O medo de caminhar sozinha na rua, de ser seguida, assediada, ou pior... ser violada... O medo de ser criticada por qualquer escolha que faça em relação a mim, ao meu corpo ou à minha vida. Quando vocês, homens, exploram bem a vossa vida sexual, são vistos como astros, mestres, galãs... Quando uma mulher faz o mesmo, não passa de uma puta, vulgar, uma coitada infeliz que acabará sozinha e que não tem decência nem respeito ou amor próprio.

Ouvi o seu desabafo, sem saber ao certo como responder... Nunca tinha refletido sobre esse assunto.

Ela prosseguiu:

— Nós temos uma grande responsabilidade dentro da sociedade. Meninos crescem provocando meninas, como se fossem brinquedos, e os adultos simplesmente dizem "é normal, são meninos a serem meninos". As meninas crescem com o dever de "controlá-los". Desde pequenas, aprendemos a sentar-nos direitas, de pernas fechadas, para não os provocar (com boa postura, como meninas decentes). Ensinam-nos a evitar roupas provocantes, para não incentivar más intenções. Para a sociedade, a roupa que usamos define quem somos. Uma jovem de saia branca comprida e roupa totalmente coberta, com certeza é virgem, — (lembrei-me do dia em que a conheci... ela usava esse tipo de roupa, e eu pensei exatamente isso) — uma mulher de mini saia, ou calções muito curtos, com um decote bem revelador, com certeza é um convite!

Quando uma jovem é assediada, surge sempre a pergunta: "Que roupa é que ela estava a usar?", como se isso justificasse qualquer ação vinda de tarados alheios. Para a sociedade, a culpa é nossa por provocarmos os homens, pois supostamente não conseguem controlar-se ao ver uma saia curta...

Devemos usar maquilhagem para esconder "imperfeições", mas não em excesso, para manter um aspeto natural... Também temos de ser cuidadosas com o tipo de maquilhagem, pois isso também pode revelar muito sobre nós... Batom branco: santa; batom vermelho: puta; batom preto: lésbica ou masoquista...

Devemos andar com postura, sorrir com elegância, mas sem deixar de parecer naturais e descontraídas... Devemos parecer inteligentes, mas sem fazer um homem parecer ignorante... Devemos estar bonitas, mas sem atrair demasiada atenção... Cada passo, cada gesto é minuciosamente avaliado pela sociedade.

Um pensamento que uma vez ouvi e me fez refletir foi: se um homem e uma mulher entrassem numa floresta e vivessem de forma totalmente natural por uns dias, ao regressarem à sociedade, o homem, apesar de imundo, iria continuar a ser visto como um homem. A mulher, por outro lado, com certeza não seria vista como uma (porque uma mulher não deve ter pelos, nem cheirar mal, nem ter um ar selvagem... uma mulher tem de ter a aparência de um anjo na terra).

Muitas pessoas invadem os próprios corpos, porque a sociedade invade a sua liberdade... Tanta gente com vergonha do próprio corpo, por causa de gente sem vergonha da própria língua... Se um dia as pessoas acordassem amando os seus próprios corpos, pergunto-me quantas empresas iriam falir...

Escutei a Clara atentamente, sem interromper. São factos que nunca tinha parado para pensar detalhadamente.

A analogia da floresta foi bem interessante. É intrigante como os padrões de beleza e os comportamentos são construções sociais que, num contexto mais natural não teriam relevância.

— Posso parar de falar, se quiseres. Eu sei que também não gostam quando as mulheres falam muito... Desculpa.

— Não, não! Continua! Estou a ouvir! Na verdade, nunca pensei muito sobre esses assuntos machistas, pois também me opunha ao feminismo, por sentir que muitas mulheres se aproveitavam desse movimento para rebaixar os homens.

— Aquilo que estás a descrever é o "femismo", um termo confundido com o feminismo, e as verdadeiras feministas não apoiam esses comportamentos! Apesar da ideia errada do feminismo ser o mesmo que o machismo, mas no sentido oposto, a verdade é que o nome que atribuímos a isso é "femismo". O feminismo é um movimento sobre igualdade, e não superioridade.

As palavras da Clara instigaram uma reflexão profunda sobre a realidade diária enfrentada pelas mulheres. Expressou as pressões e expectativas que a sociedade impõe, desde como se vestir até como se comportar. O peso dessa responsabilidade é algo que muitos homens, incluindo eu, raramente consideram.

— Melhor não aprofundar mais, senão, vamos entrar em fatores mais obscuros... — comentou a Clara. Fiquei curioso sobre esses "fatores" mais obscuros, então perguntei:

— Já passaste por alguma dessas situações "mais obscuras"?

Ela olhou para mim, com receio de responder. Pediu que encerrássemos a conversa por ali, afinal, concordámos evitar ao máximo falar sobre o nosso passado, pelo menos, em relação a sentimentos e temas mais profundos...

Voltámos ao nosso momento. Terminámos a noite em cima do capô do carro, ao som das ondas do mar, entrelaçados entre gemidos.

O seu corpo resplandecia sob o brilho do pôr-do-sol, banhado pelos últimos raios de luz.

Nessa noite, permaneci mais uma vez na sua casa. Enquanto zapeava pelos canais de televisão, tentando escolher algo para assistir, observei discretamente a Clara, que limpava cuidadosamente alguns dos seus brinquedos sexuais.

— Porque é que estás a limpar esses? Não os tens utilizado!

— Como estão há algum tempo parados, podem acumular pó, e eu gosto de mantê-los limpos. Gosto de cuidar bem das minhas coisas. Merecem mais a minha dedicação do que muitos homens! — respondeu, com orgulho.

Depois de limpar os brinquedos, deitou-se ao meu lado e mergulhou em mais um dos seus livros com temática sexual.

Eu estava concentrado na televisão, tentando escolher um filme para assistir. Mesmo assim, olhei discretamente para o seu livro, uma ou duas vezes (estava a despertar-me alguma curiosidade). 

CLÍMAX - vem(-te) comigoWhere stories live. Discover now