O Que Existe no Âmago

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 Nada mais existia ao redor além do som da sua respiração. O mundo se limitava ao compasso daquele som de intervalos ritmados, o tempo reduzia-se ao presente.

Não fora fácil chegar até ali, mas ele tinha conseguido. Ele estava conseguindo meditar.

— Pode voltar, menino, pode voltar. — A concentração foi quebrada pela voz de Hex. — Nada mal, você conseguiu, eu tive que te chamar por um bom tempo até você voltar.

— Se eu estava indo bem, por que você quebrou minha concentração?

— Vamos tentar algo diferente agora. Acho que podemos avançar um pouco.

E Hex explicou que ele deveria ainda deixar-se fluir em pensamentos, permanecer aberto à experiência momentânea, mas agora concentrando-se em em tudo que estava ao redor dele, no todo que o cercava e não apenas num só aspecto.

Dessa forma era mais difícil, mas ele de alguma forma conseguiu seguir com sua meditação. Pouco a pouco os seus sentidos pareciam mais sensíveis às coisas que estavam ao seu redor, o canto dos pássaros era mais audível e quase tinha significado, a brisa suave daquela época veranil traziam às suas narinas não apenas o cheiro da grama abaixo dele, mas também das frutas daquele pomar descuidado e das ervas aromáticas que insistiam em crescer em meio às daninhas. Cheiro da madeira das árvores, cheiro terroso e também das águas cheias de musgo que serviam de moradas à alguns anfíbios ali perto. Pouco a pouco todas aquelas sensações pareciam se intensificar, pouco a pouco pareciam se mesclarem entre elas. Os múltiplos odores iam se unindo formando um aroma único e agradável, como um perfume criado pela energia das coisas. Os sons formavam uma sonata que tinha uma organização caótica, mas bem compassada. A sombra, a brisa e o calor da luz solar pareciam massagear sua pele com toques suaves. As sensações se aglutinavam cada vez mais até que todas elas pareciam ser uma só, ainda que com suas particularidades, variedades que faziam parte do Todo, como diferenciadas notas aromáticas que formavam um perfume, ou notas musicais diversas que formavam uma música. E em meio à tal Todo estava ele, que parecia começar a compreender que também era parte dessa energia pulsante e o que emanava de todas as coisas vivas e criadas pela natureza ao seu redor parecia também pulsar dentro dele, feitas do mesmo material, mas diferenciadas pela sua própria subjetividade humana, pareciam querer tornar a unirem-se, pois eram ambas emanações de poder do Universo.

Ele pareceu sentir no meio da testa o toque de um dedo etéreo que parecia ser formado das energias unidas que emanavam das coisas e como resultado disso se viu infundido de tal energia e o poder que emanava dele, como um animal selvagem que está preso há muito e vê a possibilidade de liberdade, pareceu ficar eufórico...

Álvaro teve a sensação de estar olhando dentro de si e por um breve momento pensou ter visto um rastro de chamas esverdeadas...

De súbito ele "acordou" de sua meditação, voltando ao mundo real, mas ainda com um resquício de sentidos ligeiramente aguçados. Havia um cheiro de atum enlatado por perto agora.

"Você foi bem, garoto, meditou por horas", disse Hex oferecendo a ele uma bandeja com alguns sanduíches de atum e suco de laranja. Álvaro agradeceu e comeu enquanto falava de suas experiências para Hex, que ouvia tudo com atenção e dizia que ele estava tendo um bom progresso.

— De qualquer forma, o que achou dos meus sanduíches?

Estavam ótimos, não só pela fome que Álvaro percebeu que sentia, mas também pelo aguçamento momentâneo de seus sentidos, ele percebeu que nunca suas papilas gustativas conseguiram definir tão bem tantas nuances de sabor e isso com um simples sanduíche de atum e suco de laranja artificial. Hex ficou feliz que ele tenha gostado.

Máscara LunarWhere stories live. Discover now