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[ 27 de março, sábado ]


    Estou me aprontando para ir trabalhar quando ouço batidas leves na porta. Enfio o outro braço na camisa e vou abri-la. Keith está parado timidamente no corredor, vestindo a roupa que pedi ao Lysandre que deixasse no quarto dele ontem à noite. Tanto a calça quanto a camiseta ficam folgadas ao redor de sua estrutura pequena, e o cabelo loiro parece um ninho de passarinho. Sinto-me acanhado por alguma razão. Certo, não bancarei o sonso; o beijo obviamente é a razão.

    — Oi — ele cumprimenta.

    — Oi. Por que está acordado tão cedo?

    — Eu não dormi muito, na verdade. Podemos conversar?

    Abro mais a porta e gesticulo para que ele entre. Eu não esperava que Keith fosse querer conversar sobre ontem tão rápido assim. Na realidade, o que eu esperava era que ele aguardasse eu sair antes de ir embora, depois me evitasse por uns dias ou fingisse que nada aconteceu. Seria decepcionante, mas eu compreenderia — essas coisas são complicadas. Por outro lado, é ótimo vê-lo encarar a situação de frente.

    Nós nos acomodamos no pequeno sofá sob a janela. Keith mantém a cabeça voltada para a frente, os olhos no chão, e os dedos da mão direita brincam com os da esquerda agitadamente. Ele não tenta se afastar quando nossos joelhos se tocam, e minha mente apaixonada toma isso como um sinal de que o beijo não provocou arrependimentos.

    — Na boa, eu pensei em fugir pela janela  — Keith começa com um risinho sem humor. — Mas eu gosto pra caramba de você, Leigh. Você é um bom amigo, e não queria arriscar jogar isso fora por não ser capaz de encarar as consequências do que fiz.

    — E estamos no segundo andar, você poderia torcer um tornozelo — tento aliviar o clima. — Não precisa agir como se tivesse me esfaqueado pelas costas. Está tudo bem. Ou não está?

    — Não. Sim. Quer dizer... — ele passa a mão pelo cabelo, e seus dedos se agarram a alguns nós. Seus olhos verdes se voltam para mim. — Só não quero que pense mal de mim, ou que eu estava te usando.

    — Por que eu pensaria isso?

    — Não sei. Você pode achar que sou só um cara sexualmente confuso, que se aproveitou do álcool para fazer experimentações.

    — Isso nem passou pela minha cabeça.

    — A questão é que não foi o que aconteceu — Keith prossegue, como se sequer tivesse me escutado. — Talvez eu esteja um pouco confuso, sim, mas não foi por isso que te beijei. Também não foi por causa da bebida. Para falar a verdade, eu já pensava nisso há dias.

    — Keith...

    — Eu sou um cara de mente aberta, tá legal? — ele se levanta e passa a andar de um lado pro outro na minha frente, gesticulando freneticamente com as mãos. — Já senti atração por outros homens antes, acho, embora nunca tenha beijado nenhum. Mas com você é diferente. No começo pensei que só te achava bonito, porque você é mesmo, mas não. É mais que isso, Leigh, mas eu não sei o que é. Não sei se só me identifico muito contigo de um jeito platônico ou se estou começando a sentir coisas mais fortes. Tenho me questionado sobre isso.

    Confesso que fico sem palavras. Isso é quase uma confissão de amor, não é? Não estava mesmo esperando por uma coisa assim. Mesmo que eu considerasse a possibilidade de o Keith vir falar comigo, o que eu esperava ouvir era “ vamos fingir que nada aconteceu, por favor ”.

    — Acho que pensei que teria uma resposta se te beijasse.

    — E teve?

    — Não, você me interrompeu.

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