Epílogo

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— Mamãe, mamãe, ela pegou a minha tiara.

— Não mãe, ela me deu a tiara.

Eu estava na cozinha junto com a Stella, juntas nos aventurávamos na sua nova paixão pela culinária em uma torta de chocolate com morangos — se tratando da cozinha eu não sei nada além do básico, doces então, só sei fazer brigadeiro —, por isso o tutorial do Youtube quem nos guiava nessa missão quase impossível.

Sara e a Clara entraram brigando e discutindo sobre a tiara, enquanto Paola, a professora particular que contratamos para a Clara, vinha atrás não muito feliz também.

— Senhora Gupper, me desculpa, a Sara passou com a tiara e a Clara saiu atrás dela.

— Não tem problema, vem aqui filha — pedi ligando a torneira para tirar o grude que estava na minha mão. Me ajoelhei para ficar do seu tamanho e só então percebi o quanto a Clarinha tinha crescido.

— Mamãe, eu não dei a tiara para ela — com um bico idêntico ao do pai ela cruzou os braços e abaixou a cabeça.

— Você não tem outra tiara igual a essa? — perguntei estendendo a mão para a Sara que rapidamente me entregou o arquinho com aquela cara de arteira atrevida.

— Não é igual, é parecida — entreguei para a minha filha mais velha, que descruzou os braços de imediato pegando o objeto.

— Está na hora da aula meu amor, porquê não deixa sua irmã usar enquanto você estuda e depois nós vemos uma outra no seu quarto?

— Mas mãe... — arqueei uma sobrancelha me levantando e ela juntou os lábios em um estalo pela desistência. — Tá bom, fica com ela, nem é tão legal assim — Clara entregou a tiara para a irmã e saiu pisando duro, sendo seguida pela Paola que ria da situação.

— Quem vê até pensa que é paciente assim — ouvi a voz do meu marido e me virei o encontrando na porta, entrando com algumas sacolas e a chave do carro na mão.

O João, Matheus e Manoel vieram atrás segurando mais sacolas e quando as deixaram sobre a mesa correram para me dar um beijo.

— Eu sou muito paciente — reclamei revirando os olhos e os meninos deram uma risadinha entre eles antes de saírem correndo para o quintal. — Ei, eu sou sim — gritei apontando a colher de pau na direção que eles desapareceram.

— Hora do meu beijo — meu marido tratou de me puxar pela cintura, nossas bocas se encontraram e antes que pudéssemos nos perder na nossa bolha fomos interrompidos.

Argh!

Eca!

Stella colocou as mãos nos olhos para tapar a visão, o que fez com que a farinha e chocolate a sujasse inteira e voasse por parte da cozinha.

A Sara, com a tiara na cabeça, fez uma careta engraçada antes de sair correndo na mesma direção que os meninos.

— Eles nem esperaram para ajudar a guardar — meu ogro reclamou ameaçando ir atrás deles.

— Deixa amor, daqui a pouco um aparece.

Ele foi até a Stella e mexeu em seus cabelos diminuindo algumas gotas de chocolate.

— Papai, vem fazer torta com a gente — ela mostrou a massa mal amassada e lhe ofereceu, ele lavou a mão, tirou a camisa e foi para o lado dela a ajudar a bater a massa, mas com o batedor ao invés das mãos como a pequena fazia.

Me sentei na banqueta e peguei o celular para tirar uma foto da cena.

Apesar dos cabelos e barba grisalhos o Emerson continua muito bonito e forte, ele é literalmente como vinho, cada dia que passa fica mais gostoso.

Essa semana é aniversário do Manoel, o caçula, por isso compraram um monte de besteiras no mercado para comemorar durante a semana — por decisão da maioria (unânime por parte das crianças), na semana do aniversário de alguém é autorizado todas as comidas gostosas que fica por gosto do aniversariante, não podendo ser repreendido pela mãe ou pela fada dos dentes.

O complicado de muitos filhos é isso, o voto democrático aqui em casa é meio complicado as vezes, principalmente quando o assunto é doce, restaurante ou festa.

Sem contar que eles sempre querem ir no Burger King por causa das coroas.

E puxam o saco a favor do pai, porque normalmente ele está do lado das crianças, só para me contrariar, eu ficar brava e ele me desestressar com seus lábios, dedos e aquele pau inabalável.

E por falar em pau inabalável, o Emerson queria mais filhos, mas depois que conseguimos adotar os meninos ele desistiu da ideia e no mesmo ano da adoção fez vasectomia para a esterilização daqueles espermatozoides mutantes.

Nosso time não acabou sendo de futebol, acredito que nem eu e muito menos ele teria sanidade suficiente para onze crianças, então nos contentamos com nossos seis pestinhas que valiam por bem mais de onze e conseguíamos montar um belo time de queimada.

Por pouco a Clara continuou sendo a irmã mais velha, hoje com quase dez anos ela se orgulha muito disso. Como quase toda irmã mais velha ela é a mais mimada, sem deixar de ser bem turrona, continua sendo o xodó do pai, mas sempre corre para os meus braços quando qualquer coisa acontece. Desde bebê ela sempre foi muito parecida com o Emerson, tanto fisicamente quando na personalidade, mas com o amadurecimento os traços da Letícia estão aparecendo, o formato dos olhos e nariz é o que mais lembra a mãe e tento não apagar minha amiga falecida da vida dela — mostrando não o monstro dos últimos anos de vida, mas a memória que eu tinha da amiga legal, doida e parceira.

Matheus se tornou nosso segundo filho. Quando conversamos sobre a ideia da adoção imaginávamos um recém-nascido, tivemos algumas sessões com a terapeuta e muita conversa com o assistente social, e apesar de alguns acharem besteira foi um processo muito importante para nós. Não nos julgue pelo pré conceito ao pensar em adoção e automaticamente associar a bebê, porque mesmo depois da terapia e da certeza que estávamos prontos para essa etapa, fomos ao orfanato ainda com essa ideia de recém nascido fixada, mas quando chegamos e vimos os irmãos, Matheus e Manoel; o amor, força e medo de ser adotados e separados um do outro, foi como se tivéssemos sido tocados nos corações mutuamente, nos cegando para qualquer outra criança que pudesse haver ali, eles, mesmo apreensivos de início, de alguma forma nasceram para que nós fôssemos seus pais.

Matheus estava com seus nove anos e seis meses, uma distância quase mínima de idade com a Clara, mas que o deixava no posto de irmão mais novo para ela. Ele tem os olhos castanhos e cabelos bem escuros, é mais reservado com as pessoas, chega a ser arisco com desconhecidos, mas quando esta a sós com a gente, sua família, ele é um amor de menino.

A Sara e a Stella são doçuras a parte, elas estão com quase oito anos e são as crianças mais engraçadas que já vi na vida, parecem que comeram palhacitos quando nasceram  — lembram bastante a personalidade do Otávio há algum tempo atrás (ele está amadurecendo). Elas estão cada dia mais lindas, infelizmente não se parecem quase nada comigo, herdando os cabelos castanhos, boca fina e olhos tão azuis quanto os do pai.

O João já é uma cópia minha, o que agradeci muito ao carinha lá do céu por finalmente deixar que pelo menos um se parecesse comigo depois de carregar nove meses na barriga. Diferente das gêmeas o parto dele foi bem tranquilo, fiquei completamente traumatizada (assim como meu marido) em relação ao parto normal, então nem pensamos nessa possibilidade e agendamos a cesárea, que ocorreu perfeitamente bem e ele nasceu saudável e lindo. Apesar de não ter nenhum parentesco com meu falecido marido ele me lembra muito ele, com seu sorriso fácil, bom humor e temperamento forte — e bota forte nisso, com seus seis anos já me deixa de cabelo em pé, não quero nem imaginar quando estiver com dezoito.

O meu caçula é um presentinho de Deus, com seus cinco aninhos, o Manoel consegue qualquer coisa com aqueles olhinhos amendoados e cara de pidão, temo estar o mimando tanto quanto a Clara, mas simplesmente é impossível negar qualquer coisa a ele. Não sei dizer ao certo o motivo pelo tratamento diferente, mas sinto, no meu coração de mãe, que ele é mais frágil e precisa de uma atenção maior.

Os pais biológicos do Matheus e do Manoel morreram em um incêndio quando eram bem novos, o Math tinha só três aninhos enquanto o Manoel era praticamente um bebê, que sobreviveu por pouco. Ele é além de um presente de Deus, é um milagre.

Sou imensamente grata pela família que construímos, as vezes fico desacreditada que é real, mas aí o Emerson vem e faz questão de me lembrar o quanto somos reais, o quanto ele e seu amor é real, com seu fogo e paixão ele vem como um furacão, nos levando para nossa bolha de luxúria e fazendo nossos corpos queimarem como um só.

— Anda muito pensativa ultimamente — ele chegou perto de mim com o hálito de melancia e soprou no meu ouvido beijando a curvinha do meu pescoço.

— O tempo passa tão rápido que as vezes parece que não estou aproveitando tudo — passei meus braços pelo seu pescoço e me rendi a um selinho.

Já tínhamos terminado a bagunça na cozinha, as crianças brincavam no quintal com supervisão das babás e nós dois estávamos no quarto nos preparando para a academia.

— Você já passa o dia todo com eles amor, está sempre presente, não perde nenhum capítulo da vida das crianças, é a melhor mãe que eu já conheci — encostamos nossas testas e me aprofundei nos seus topázios.

— Obrigada — apenas agradeci, porque não acho que sou uma péssima mãe, apenas estou cansada.

— Podemos ir viajar, apenas nós oito, talvez levar as babás para que não tenhamos que nos preocupar tanto, o que acha? — ele começou uma massagem gostosa nos meus ombros e suspirei pelo prazer repentino.

— Não acho uma má ideia — praticamente ronronei fechando os olhos.

— Se ficar gemendo assim vamos ter que esquecer a academia e começar outro tipo de treino — sua voz saiu grossa e posso adivinhar que seu amiguinho já estava acordando. — E eu acabei de tomar o pré treino...

— Vamos treinar seu safado, e sobre a viagem é só dizer quando, na verdade tem que ser nas férias das crianças, final do ano talvez.

Terminamos de colocar o tênis e fomos saindo de casa para a academia que fica no jardim, um pouco mais afastada, quando chegamos na sala encontramos o Otávio entrando com o Lívio.

— Oi tio, oi tia — ele abriu um sorriso cheio de dentes e nos deu dois beijinhos.

— Oi amigão, cadê sua mãe? — Emerson fazia questão de perguntar toda vez que os via sozinhos, e quando estavam juntos sempre a elogiava, não sinto ciúmes pois sei que só faz para alfinetar o primo por tudo o que ele nos fez passar.

— Está com a minha tia no shopping, mais tarde ela vem — ele respondeu, muito educado como sempre. — Cadê o pessoal?

— Estão lá fora perto da piscina, vai lá — respondi dando um empurrãozinho nas suas costas o incentivando, nem precisou falar duas vezes e ele já saiu andando.

— Sempre me perco aqui — o ouvi comentar antes de sumir para a direção certa.

— Cadê seu pai? Estou devendo essa caixa de charuto para ele — deixando a caixa, carteira e chave do carro sobre a mesa de centro ele já foi sentando no sofá e esticando as pernas, folgado como sempre.

— Meus pais, junto com os do Emerson, decidiram ir viajar para acampar em algum lugar do Rio de Janeiro, acho que vão ficar um mês por lá.

— Do jeito que são, vão convencer seus pais a nunca mais voltar e viver a vida de nômade.

— Eles prometeram voltar para os netos, acho que o Manoel tem um treco se o vô decidir não voltar mais.

Acabamos conversando e jogando papo fora o resto do dia e não teve treino algum, quando a tarde caiu as crianças entraram e decidiram ligar a lareira para assar marshmallows e comer a torta da Stella, tudo ideia do Manoel que tinha o poder do aniversariante, então nem pude brigar.

Eu estava sentada no imenso tapete felpudo da lareira, assim como todos ali; Emerson estava ao meu lado com a Sara entre as pernas, a ajudando a tomar o suco enquanto estava com os dedos todo lambuzados de marshmallow. O casal vinte estava do outro lado do tapete, a Clara no colo da tia conversando com o Otho igual uma matraca, contando da sua semana na escola. O Lívio no celular jogando junto com o Matheus e a Stella, o João e o Manoel se sujando mais que tudo com a torta enquanto eu fingia que controlava alguma coisa.

Ainda está faltando algumas peças nesse quebra cabeça que é nossa família e eu não vejo a hora de encaixar todas no lugar.

Ver todos bem, felizes, vivendo um sonho, realizando cada meta e conquista, se deliciando de um amor como o nosso, é isso que eu desejo a cada um deles.

Que cresçam com afeto, carinho e atenção merecida, eles precisam ver, ainda mais no mundo de hoje, que a família é uma parte muito importante, e que apesar de meio doida, torta e bagunçada, sempre estaremos aqui, um pelo outro, independente dos obstáculos que vier.

Acho que crescer querendo andar com as próprias pernas — como eu e meu marido fizemos durante toda a vida —, até certo ponto é saudável, mas chega uma hora que querer total independência nos cansa e ter uma asa quentinha para se colocar embaixo é reconfortante.

No final é isso que queremos passar para eles, ser independentes, sabendo que isso não significa crescer sozinhos.















Ardentemente SuaWhere stories live. Discover now