Capítulo 42

2.6K 225 25
                                    


"— É tudo culpa sua Angel!"

Olhando a lápide; seu nome gravado, o curto período de tempo entre a data do nascimento até a da morte, segurando os papéis com suas palavras de despedida em mãos, o vento assobiando no ouvido como um pedido de desculpas... Só agora que eu finalmente senti que não é minha culpa.

Posso ser culpada por muitas coisas, mas hoje sei que o peso e dor dentro da Letícia não é o meu peso. Nem da tia Su, ou do Emerson, muito menos da Clarinha, esse sofrimento que estava dentro dela foi implantado pela sua cabeça e cultivado pelo coração, sem precisar da ajuda de terceiros.

Não precisei ler o papel para entender isso, faz horas que a tia Su me entregou e eu ainda não tive coragem de ler o que está nele. Por pura covardia.

Vim sozinha para São Paulo porque tive uma consulta com o doutor Hatomiro, o ginecologista especializado que está me ajudando com a pré-eclâmpsia e o tratamento dela para uma futura gestação.

Depois da consulta acabei passando na casa da Suerda para ver como ela está com o falecimento da filha — já que faz meses desde o acontecido e eu ainda não tinha tido coragem para visitá-la —, acho que ela estava um pouco dopada de remédio, não falou muita coisa coerente e me perguntou mais de dez vezes se eu aceitava um chá de menta.

Quando já estava indo embora que ela me entregou esse papel amassado.

— Ela deixou para você.

Foi tudo o que a tia falou, quando entrei no carro e fechei a porta tentei ler o que estava escrito, mas fui incapaz de começar ao reconhecer a letra bem desenhada da minha ex melhor amiga.

— Eu sinto muito — me lamentei para a lápide sem me referir a algo especifico.

Sentia pela sua vida, pela nossa amizade, pela sua dor, pela minha tia, e por Clarinha que não vai poder conhecer a mãe biológica. Sentia por tudo.

"— Angel, anjinha... Não fica assim amiga, vamos dar um jeito, você pode vir morar comigo, dividimos o apartamento, vou adorar não ter que morar sozinha" lembro de como ela me ajudou em uma das fases mais difíceis da minha vida e nem precisou pensar duas vezes para me estender a mão. 

"— Vai se foder vagabunda mal comida" ela estava brigando com uma das muitas patroas que tive, na época em que tudo o que eu conseguia de emprego era alguns bicos noturnos mal pagos. "Let, por favor, assim ela vai me mandar embora e preciso do dinheiro para pagar o aluguel" lembro dela me olhando nos olhos, acho que aquela foi a primeira vez que caiu a ficha dela que se eu não trabalhasse, não teria meus pais para me bancar como a tia Su bancava seus caprichos. "Que se foda o aluguel, eu pago essa merda, você não precisa aceitar essa humilhação — ela sussurrou para mim e então voltou a gritar com a patroa. — E você sua mal comida, espero que vá a merda junto com seu marido pouca bosta, não dou um mês pra essa espelunca falir".

E ela pagou, pagou tantos aluguéis sozinha que nem sou capaz de contar. Nunca reclamou, nunca jogou na minha cara, nunca pediu um real de volta. Sempre esteve ali, foi companheira, me estendeu a mão e nunca questionou.

Assim como eu a ajudava também, sempre estive do seu lado; quando estava triste, quando brigava com a irmã e ficava com um humor insuportável por dias, a ajudava nas bebedeiras, a dispensar caras escrotos falando que éramos um casal. Foram realmente muitas loucuras, aventuras, momentos bons e ruins que passamos juntas.

Então me vem na cabeça os últimos tempos, os ataques e surtos repentinos, as indiretas sobre relacionamento, a morte do João que sempre que podia ela jogava na minha cara, a porra da paixão avassaladora pelo Emerson e sonhos ilusórios de uma vida impossível que a sua mente deturpada pintava.

Ardentemente SuaWhere stories live. Discover now