"Se existe mesmo um Portal naquela montanha, que leve até o paraíso, Chen acaba de atravessá-lo...
Ele deu a vida por mim;
Não me importa o que ele fez;
Não me importa quem ele foi;
Eu conheci seu coração;
Sua força e coragem;
Sua sede de justiça;
E o tempo que me dedicou;
Ele sempre será meu único e grande amor..."
Fiquei por longo tempo prostrada na relva daquela campina, chorando e lamentando o fim trágico de nossa história de amor.
Nunca poderia imaginar há alguns meses, que viveria todas essas experiências fantásticas. E Chen foi o principal responsável pelos melhores momentos. Ele despertou em mim sentimentos adormecidos e me tirou da letargia que vivia.
Uma vez me disse que eu o salvei, quando na verdade, foi ele que me ensinou a expressar meus sentimentos, enfrentar meus medos, a lutar e principalmente, me ensinou a amar sem restrições, sem preconceitos e incondicionalmente.
Jeremy me levantou e conduziu-me ao vilarejo do povo Naxi, onde encontramos abrigo para passar o restante da noite até que amanheça e possamos pegar o teleférico de volta.
Eu não via, nem ouvia nada ao meu redor. Fui colocada em uma cadeira, recebi uma caneca de chá nas mãos, que alguém acabou me ajudando a beber. Depois fui levada à um quarto com uma cama de solteiro, onde me deitaram e cobriram.
Fiquei acordada por horas, olhando para o teto, sem piscar, em estado de choque. Revisei repetidas vezes, a cena trágica de Chen se jogando penhasco abaixo para salvar minha vida.
Cansada de insistir em dormir, tenho a sensação que nunca mais conseguirei, levantei e saí do quarto. Abri a porta da choupana e segui pela noite fria das montanhas. Protegi meus ombros com uma manta que a bondosa senhora me ofereceu e subi a colina, onde tudo aconteceu.
Ventava muito, meus cabelos sacudiam para todos os lados, atrapalhando minha visão. O reflexo da lua foi a única iluminação pelo caminho.
Sento ao pé de uma árvore, encosto a cabeça e me derramo em lágrimas. Não quero viver sem Chen, não sei se conseguirei. Nem ao menos pude me despedir...
A Montanha do Suicídio de Amor sempre será um lugar triste para mim, pois aqui foi onde perdi o grande amor da minha vida, mas também sempre será o lugar onde tive meu último momento com ele. Aqui será para mim, seu túmulo...
Adormeço deitada ao pé da árvore e quando acordo, sinto os primeiros raios de sol atingirem meu rosto. Logo amanhecerá completamente. Levanto-me e caminho até a beira do penhasco. Venta ruidosamente nessa altitude.
Ouvi dizer que é possível escalar essas montanhas. Talvez eu consiga alguém que aceite se aventurar e descer o penhasco comigo. Poderíamos procurar vestígios de Chen ou oferecer-lhe um sepultamento simbólico. Quando chegar em Yunnan, procurarei um profissional para contratar.
Olho para baixo e chego a sentir vertigem pela altura. Mais acima, visualizo o pico mais alto da cordilheira, o Shanzidou, que tem aproximadamente 5596 metros de altitude. Dizem que poucos que se aventuraram em escalá-lo sobreviveram.
A ventania no penhasco aumenta, carregando a manta que protegia meus ombros. Meu próprio corpo começa a sacolejar de tão intensa que é a velocidade do vento naquele ponto. Meus ouvidos ensurdecem, meus dentes batem e todo meu corpo tremula.
Uma rajada forte lança meus cabelos para a frente, tirando-me a visão. Ouço o assovio do vento como um sussurro...
"O que faz ainda nesse lugar? Enlouqueceu? Saia daí ou irá congelar!"
Tiro os cabelos dos olhos atrapalhada. Olho ao redor e não vejo ninguém. Devo ter enlouquecido depois do forte trauma que passei.
"O que pensa que está fazendo aí? Por acaso acha que é a Mulher Maravilha?"
Ouço agora a voz mais próxima e reconheço o timbre e o tipo de comentário irônico, que somente uma pessoa usou comigo. Tenho certeza que é a mesma voz que ouvi em minha cabeça ontem à noite no momento da luta.
É a voz de Chen.
Mas como isso é possível?
Continuo procurando, mas uma forte rajada de vento me derruba ao chão. Me arrasto e procuro abrigo na árvore que dormi.
A ventania só aumenta, levantando folhas e terra para todos os lados. Fecho meus olhos que ardem por causa da poeira. E quando abro novamente, vejo um enorme Dragão Preto subindo pelo penhasco. Ele sacoleja as asas, fazendo a ventania.
Aterrisa diante de mim, me encolho amedrontada.
Lembro-me da história que li no livro que comprei na banca, sobre o Dragão Preto da Montanha. Só não sei o que me espera. Se ele será agressivo ou amistoso.
Então, o enorme dragão se aproxima mais, ficando tão perto que sou capaz de sentir em meu rosto seu bafo quente. Ele levanta uma asa. Protejo meu rosto com os braços. Fico assim por um tempo esperando, mas nada me atinge, então olho por uma fresta, no momento em que ele deposita no chão o corpo inerte de Chen, que abrigava debaixo de sua asa direita.
Esqueço o medo e o perigo. Corro até ele.
"Chen!"
Ele está sem camisa. Seu corpo cheio de marcas e ferimentos. O rosto todo arranhado.
Choro despedaçada abraçando-o sem resposta.
"Chen! Meu Deus! Por que teve que ser assim!"
"Ai...Ai...Hum..."
Ouço seus gemidos em minha cabeça.
"Devagar amor. No momento, você está mais forte que eu..."
Levanto meu rosto totalmente encharcado de lágrimas.
"Chen?! Você está vivo?"
Sacudo-o.
"Ai, ai, estou tentando sobreviver, mas se continuar me sacudindo assim, não sei se resistirei..."
Esse comentário é seguido por uma risada fraca e rouca, enquanto ele abre os olhos vagarosamente e começa agora a falar comigo mexendo os lábios, sem telepatia.
" Jéssica, estou tão feliz em te ver bem, amor..."
"Chen, você está aqui! Graças à Deus, está vivo! E comigo!"
"Sim, acho que finalmente atravessei o Portal do Paraíso..."
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