Capítulo 7⛩Lendas⛩

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Naquela noite, rolei na cama, até quase amanhecer. Ansiosa com a possibilidade de realmente fazer a viagem dos meus sonhos. Nunca cheguei a sequer comentar com meus pais, sobre esse meu desejo desde a infância de conhecer a China, porque sempre achei praticamente impossível, devido as condições financeiras, a distância e outras prioridades, mas agora essa proposta de Vó Lan, abalou as barreiras, que eu acreditava existir e me fez pela primeira vez acreditar que é sim, possível realizar esse sonho.

Quando levantei, vó Lan disse que eu estava com uma aparência péssima.

"Não dormi direito e também não estou com fome ainda."

Expliquei.

"Tudo bem. Então sente-se e tome, pelo menos, um copo de leite, enquanto lhe conto uma história, que há tempo gostaria que soubesse."

"Ok."

Peguei meu copo e ouvi com curiosidade:

"Há muitos anos, quando minha família ainda vivia na China, éramos meus pais, eu e mais duas irmãs. Eu, a caçula, Lien, a do meio e Liang, a mais velha. Vivíamos no campo, em um vilarejo de pessoas simples, que trabalhavam com plantações e criações de animais.

Apesar do estilo de vida modesto, éramos felizes, porque nos amávamos. Eu e minhas irmãs sempre estávamos juntas. Nas horas de folga, aproveitávamos para explorar o vale, colher flores, frutas e nos banhar no rio. Só não tínhamos autorização para adentrar na floresta, que ficava do outro lado do rio e se estendia montanha acima.

Certo dia, depois de minhas irmãs muito insistirem, nosso pai explicou que no alto da montanha, em uma caverna, vivia uma criatura que odiava as pessoas. Era uma fera, que se perturbada, despertava uma fúria mortal.

Nós sempre tememos um possível encontro com essa fera, por isso nunca nos afastamos do vilarejo. Mas certo dia, Liang e Lien, banhavam-se no rio, eu ainda ficava com nossa mãe, pois era muito nova, quando minha irmã mais velha, Liang, ficou encurralada em uma pedra por um enorme urso negro asiático que surgiu de repente. Desesperada, minha irmã do meio, Lien, saiu correndo, em busca de ajuda.

Meu pai, juntamente com outros aldeões, passaram horas procurando Liang, ou algum vestígio do pior. Mas não encontraram nada.
Despedaçado por dentro, meu pai deu a notícia à minha mãe, de que Liang havia sumido, provavelmente carregada e devorada pelo urso.

Alguns dias depois, Liang apareceu no vilarejo, sã e salva, acompanhada de um belo rapaz. Para a alegria de todos, contou que foi salva do urso pelo bravo guerreiro, que a acompanhava. Ele apareceu no meio da mata, dominou o urso e a abrigou para tratar dos arranhões que sofrera.

Todos que ouviram a história, ficaram admirados com tamanha coragem e extremamente gratos. Meu pai, queria conhecer a família do rapaz e agradecê-los pessoalmente, pelo ato heróico do jovem destemido. Foi quando ele revelou que não tinha pais nem família. Vivia sozinho em uma caverna nas montanhas. Essa revelação, mudou completamente, o modo que todos o tratavam. Houve um susto e a conclusão de que aquele rapaz, era o lendário homem-fera, que vivia nas montanhas. Ele foi expulso imediatamente do vilarejo, para a indignação de Liang, que não o enxergava como alguém perigoso, que pudesse fazer mal as pessoas.

Após o ocorrido, Liang, ficou proibida de ir ao rio e muito menos se afastar de casa. Mas ela sempre conseguia escapar escondida para se encontrar com seu novo amigo. Mal ela sabia, que minha irmã do meio, Lien, a seguia sempre. E um dia, enciumada, por não receber mais atenção de nossa irmã mais velha, delatou o casal ao nosso pai, que imediatamente, reuniu todos os homens da aldeia e foram a caça da fera na mata.

Já na escuridão da noite, meu pai e os outros, se depararam com um animal feroz na floresta e, com a visão comprometida, acabaram ateando fogo na mata. Muitos ficaram gravemente feridos e com queimaduras. E meu pai, com uma enorme cicatriz no rosto."

"Que tragédia, vó Lan! Mas e sua irmã, Liang?"

"Nunca mais a vimos. Depois de muitos outros dias de busca, sem resposta, nosso pai reuniu tudo o que tínhamos e partímos."

"Por isso vieram para a América?"

"Sim. Nosso pai acreditava que a besta sequestrou Liang e que poderia voltar para se vingar. Além disso, os moradores do vilarejo acusaram, nossa família, de ter despertado a ira da fera e que agora todos pagariam por nossa culpa."

"Nossa, que injustiça! Essa história é muito triste. Mas a senhora acredita mesmo nela, vó Lan? Não acha que pode ser apenas uma lenda, criada pelo povo e que seu pai, por falta de informação acreditava?

"Apesar de bem pequena, eu estava lá, vi o desespero de meu pai, senti a tristeza de minha mãe e o terror nos olhos de todos. "

"E vocês nunca mais tiveram notícia de Liang?"

"Nunca mais."

"E sua outra irmã, Lien?"

"Lien, viveu alguns anos conosco aqui na América, mas após casar, voltou para a China, pois essa era a vontade de seu esposo. Ela não fez questão de manter contato com a família. Também não conseguia conviver bem aqui com nossos pais. Carregava a culpa por tudo que aconteceu à nossa irmã mais velha."

"Pobre Lien! Era praticamente uma criança também! Sinto muito vovó!"

"Tudo bem, querida. Isso foi há muito tempo. Mas não duvide das histórias dos mais velhos. Aqui é uma terra de céticos, que só acreditam, no que podem ver, mas na China, tudo é possível!"

Fiquei calada o resto do café da manhã. Preferi não questionar as crenças de vovó e de seus pais. Ela sofreu muito na vida. Imagine, ter uma irmã retirada de sua vida, de uma forma tão brutal. Ter que lidar com a ignorância do povo e ainda ver a outra irmã crescer com a culpa de tudo em seus ombros. Deve ter sido difícil...

 Deve ter sido difícil

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Vó Lan.

Vó Lan

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