Assim que chegamos no hotel, percebemos uma aglomeração no pátio principal. Alguns dos nossos amigos estavam ao redor de alguém sentado ao chão. Logo senti um aperto no peito de preocupação, então me soltei de Chen e fui abrindo caminho rapidamente em meio as pessoas.
Quando chego mais perto, vejo Yan totalmente encharcado, tremendo de frio, com uma toalha nos ombros, sentado no meio deles.
"Yan! Meu Deus! O que aconteceu?"
Perguntei assustada.
"Calma Jéssica! Foi só um incidente!"
Yan respondeu.
"Como assim? Que incidente? Por que ele está todo molhado?"
Perguntei aos outros ao redor.
"Fomos dar uma volta no lago de bote. Não sei como isso aconteceu, mas de repente o lado que estava Yan abaixou e ele caiu na água!"
Enlai explicou.
"Tem algo naquele lago! E é grande! Eu vi, juro!"
Disse Yan.
"Como assim?" Perguntou Chen.
"É sério! Não tenho motivo para mentir!"
"Não estou te chamando de mentiroso rapaz. Estou perguntando como exatamente isso aconteceu."
Chen rebateu.
Pela pergunta de Chen, logo percebi que ele também suspeitou de que havia algo de errado.
"Sei lá! Eu estava no bote, de repente senti que algo segurava o remo que estava comigo. Pensei que fosse um peixe, então me debrucei na ponta do bote e puxei. Foi aí que vi algo grande se mexendo no fundo do lago e num supetão me puxou para dentro d'água. Se Hong e Lok não estivessem lá para me puxar de volta, seja lá o que for que tem no fundo desse lago, teria me devorado!"
Explicou Yan.
"Ou teria morrido de hipotermia, pois a água do Lago do Dragão Preto fica muito gelada nessa época do ano!"
Disse um dos funcionários do hotel, que os ajudou.
"Não fale isso! Deus me livre!"
Eu respondi abaixando e apalpando Yan.
"Mas como você se sente agora? Está machucado?"
Perguntei preocupada com meu irmão.
"Estou bem Jess! É sério, não se desespere! Não seja como nossa mãe. Fique calma."
"Certo, mas então vá para o seu quarto. Você precisa de um banho quente e roupas secas."
Yan me obedeceu e subiu com a ajuda dos outros. Ficamos somente Chen e eu. Olhei para ele e disse:
"Chen, eles estão aqui. Eu sei. Nos seguiram. Senti hoje na rua. Alguém me observava. Estão por perto. Não adianta. Não vão parar, enquanto não dermos o colar de Liang à eles."
Chen me abraçou.
"Também acho. Então, daremos a eles o que querem e o que merecem."
"Como assim? O que pretende?"
Perguntei olhando em seus olhos.
"O colar está comigo, Jéssica. Liang me deu. E não me importo de entregar a joia, se esse for o preço para que nos deixem em paz."
"Mas Chen, Liang disse que a joia Blue Dragon eye é muito antiga, talvez tenha pertencido a dinastia Qing e é a única prova de que você é descendente da nobreza."
"Não dou valor à esses títulos, e muito menos faço questão de ter algum vínculo à esses nobres que fizeram tanta gente sofrer, por conta da ambição e sede de riqueza e poder. Por isso, não me importo em dar essa joia a Hu, só não vou permitir que ele continue ferindo as pessoas ao meu redor e fugindo como um covarde."
"Mas como daremos o colar à ele, sem que alguém se machuque?" Perguntei.
" Talvez seja impossível que alguém não saia ferido, mas precisamos acabar logo com isso. E dá próxima vez que ele entrar em ação, não permitirei que fuja. Isso já foi longe demais."
Chen estava obstinado a por um fim em toda essa trama e isso me assustou. Temo que ele saia ferido ou aconteça algo pior, por conta desse confronto entre ele e Hu. Se eu soubesse uma forma de resolver tudo isso, sem que houvesse a necessidade desse enfrentamento, eu faria. Mas como? Preciso pensar em uma solução...
Nesse momento, chegam Meili e Wen preocupadas.
"Jess! Onde está Yan? Fiquei sabendo o que aconteceu!"
Perguntou Meili aflita e Wen veio me abraçar.
"Ele nos deu um susto, meninas! Caiu no lago, enquanto estava em um bote! Mas agora está tudo bem, graças a Deus!"
Passado a pior parte do susto com o que aconteceu com Yan, resolvi ficar no quarto do hotel pelo restante da tarde. Avisei as meninas para saírem sem mim. Tomei um banho, vesti algo confortável, saquei da bolsa o livro que havia comprado na banca do Centro da cidade e me acomodei em um sofá próximo à janela para ler.
A princípio, eu procurava uma literatura que oferecesse dicas dos principais pontos turísticos de Yunnan, assim como restaurantes e demais atividades, mas quando vi o título do livro, que faz alusão à uma lenda local, isso logo despertou meu espírito investigativo.
Cresci ouvindo de meus avós essas histórias da mitologia chinesa e agora adulta e nesse país, descobri que boa parte do que eles me contavam, é real. Acabei me apaixonando por alguém que é parte humano e parte um ser mitológico e estou envolvida até ao pescoço em um drama familiar que uniu o passado de nossas famílias.
Li a primeira parte do livro, que é uma apresentação do autor, depois analisei alguns mapas da região, ilustrados nos dois primeiros capítulos e logo após, o autor começa a narrar uma lenda sobre uma criatura, metade humana, metade fera, que viveu por muito anos nas montanhas nevadas de Yunnan, daí originou-se o nome da Montanha de Neve do Dragão de Jade. Logo após a narrativa, seguia-se depoimentos dos nativos da região, que afirmavam terem visto aparições do dragão nos céus do vale.
Lenda ou não, essa informação me fez lembrar do ancestral de Chen, que viveu por muitos anos nas montanhas, até conhecer minha tia-avó Liang e se apaixonar. Foi ele quem presenteou Liang com a joia Blue Dragon eye, única lembrança que tinha de sua mãe. Agora, Hu queria essa joia. Como ele sabia da existência do colar e que poderia estar comigo? E por que ele a quer tanto?
Concordo com o desapego de Chen em relação ao valor material da joia, porém me incomoda imaginar que há algo mais por trás disso tudo. Hu não é um simples ladrão, tudo indica que ele tem alguma ligação com o passado de nossos ancestrais e está tentando recuperar a joia porque sabe bem mais do que imaginávamos.