Passo o resto do domingo com minhas amigas. Kat presenciou toda a cena da quadra e fez o favor de contar tudo para Amber com requinte de detalhes.
"Amiga, falando sério agora. Você precisa deixar esse orgulho de lado e se permitir ser feliz!" Kat.
"Jess, está na cara o que vocês sentem um pelo outro. Quando estão juntos, parecem fio desemcapado. Dá choque!" Amber.
"Amber, de onde você tira essas coisas?" Kat ri e Amber dá de ombros.
"Mas ela está certa, Jess. Eu presenciei. Vocês se amam. E isso é raro. Precisa aproveitar!" Kat.
Fico pensativa ouvindo minhas amigas. Elas não entendem meu comportamento e eu não posso explicar todos os motivos que me separam de Chen.
Mais tarde em casa, não vejo Chen. Vou para meu quarto. Tomo um banho, coloco uma roupa confortável e pego um livro para tentar distrair minha mente confusa. Uma batida na porta de meu quarto, me deixa tensa, mas é meu pai quem aparece.
"Olá, meu bem! Posso falar um minuto com você?"
"Claro pai! Entre!" Ele senta na beira de minha cama.
" Hoje recebi um telefonema do Institute of China. Eles estão querendo saber quando você retorna às aulas. Reclamaram que você tem faltado muito e temem que isso atrapalhe sua conclusão do curso. Expliquei ao diretor, que houve esse imprevisto da doença de sua avó. Mas agora que ela recebeu alta e está morando conosco, não há motivos para que você se preocupe e se quiser retornar à China, pode ir tranquila. Está liberada. Sei que deve estar ansiosa para voltar."
Meu pai não imagina o quanto eu estou dividida. Ao mesmo tempo que gostaria de voltar, por causa de tantas pessoas queridas, que deixei lá, além do curso, também temo reviver as situações de perseguição e perigo, que fui submetida. Tenho inimigos aos quais não fiz mal algum e mesmo assim desejavam me destruir.
"Quero também saber se você se importa em levar Yan? Ele está muito ansioso por isso e me pediu essa viagem como presente de aniversário. Mas se isso for atrapalhar seus estudos podemos adiar..."
"Não pai! Quanto a isso, não há problema algum. Acho até que a companhia de Yan me fará bem. Mas e a família Yang? O Senhor Qiàng não se importará?"
"Já falei com Qiàng sobre a possibilidade de Yan ir com você. Ele disse que não atrapalha em nada. Que vocês serão bem-vindos."
"Ah, então está tudo bem, pai!"
Ele ainda me observa por um tempo. Parece estar buscando as palavras certas para falar.
"Gostaria de falar mais uma coisa Jéssica..."
"Sim pai, pode falar."
"É sobre Chen..."
Meus pelinhos do braço se arrepiam, só de ouvir meu pai pronunciar o nome dele.
"O que tem ele, pai?"
"Não sou bobo, filha. Já notei os olhares dele para você. Está acontecendo algo entre vocês? E você está bem em relação a isso?"
Dessa vez meu pai me surpreende e fico sem saber o que responder.
"Bem...pai...nós...estamos...meio que...enfim. É complicado."
Ele balança a cabeça sorrindo.
"Já entendi. Só quero que saiba que se precisar de qualquer coisa, pode falar comigo primeiro. Estarei aqui a qualquer hora que precisar. Ok?"
Abraço meu pai.
"Ok. Obrigada."
Ele beija minha testa e sai.
Depois dessa conversa com meu pai me sinto bem mais segura para retornar à China. Já estou decidida. Voltarei, terminarei meu curso, entregarei o colar de Liang, visitarei Lien e ainda terei a companhia de meu irmão.
Já meu relacionamento com Chen, é algo mais complicado. Teríamos que conversar. Não posso continuar fugindo.
Permaneço preocupada durante todo o jantar. Chen não aparece e eu não tenho coragem de perguntar se alguém tem notícias dele.
As horas passam e ele não chega. Começo a ficar aflita e ansiosa. Penso em várias coisas que podem ter acontecido. Resolvo dar uma volta pelo bairro para procurá-lo. Quem sabe ainda está no clube? Assim que saio no portão, encontro Marcos.
"Oi Jess! Estava indo em sua casa! Vai sair?"
"Oi Marcos! Não, estava só indo dar uma volta!"
"Sozinha?" Ele olha para dentro de minha casa, talvez esperando ver mais alguém.
"Sim."
"Então, posso te acompanhar?"
"Claro Marcos! Tranquilo."
Conversamos enquanto caminhamos. Marcos começa a especular e vai direto ao assunto:
"Conseguiu resolver o problema com o brutamontes naquele dia?"
"Problema? Brutamontes? Quem?"
"Seu amigo da China."
"Ah, Chen?"
"O nome dele é esse? Que seja. Ele parecia muito confiante e possessivo no dia da festa do seu irmão."
"Chen é assim mesmo, mas não é nenhum brutamontes. Só teve um passado difícil. Isso o tornou um pouco diferente dos jovens de nossa idade."
"Pelo jeito que o defende, parece que são íntimos. "
Paro na calçada e encaro Marcos.
"Não sei o que está insinuando, Marcos. Mas pelo jeito, não sabe que Chen é da família. É um primo distante."
"Mas o jeito que ele te olha, não é de parente, mas sim de alguém que te quer como mulher."
"Marcos, não quero discutir sobre esse assunto com você!" Continuo andando. Ele fica em silêncio.
Paramos em uma praça no fim da rua.
"Desculpe, Jéssica." Acaricia meu braço.
"Somos amigos há tanto tempo, que as vezes me sinto no direito de me intrometer."
Abraço meu amigo.
"Tudo bem, Marcos. Desculpe, não tenho te dado a atenção merecida também. Tanta coisa acontecendo."
"Você mudou muito, Jess. Voltou da China diferente. Se eu já não tinha chances com você antes, agora então."
"Mas eu nunca lhe dei esperanças. Desde do início, fui sincera e falei que te amo como amigo."
Ele abaixa a cabeça e segura minhas mãos.
"Eu sei, mas é muito difícil arrancar do coração um sentimento como o que sinto por você."
"Se quiser, posso te ajudar!"
Uma voz grave sai da escuridão feito um trovão. Chen surge dentre as árvores do bosque da praça.
Marcos arregala os olhos. Realmente ele parece bem assustador nessa hora. Seus olhos estão com aquela coloração sobrenatural. Pequenas fagulhas azuladas parecem brilhar envolta das íris negras.
"Ei! Onde você estava? Estou te procurando há muito tempo!"
Chen me dirigi um olhar rancoroso.
"Não parece. Estou observando vocês há algum tempo e não parecia estar me procurando."
"Encontrei Marcos no caminho." Dou uma explicação não sei porque. Ele sumiu o dia inteiro. Devia estar com uma daquelas tenistas foguentas.
Chen se dirige a Marcos novamente.
"E você? Porque continua segurando as mãos dela?"
Marcos aperta minhas mãos. Isso não é bom. Ele acha que pode enfrentar Chen, mas não pode. Lembro-me da explicação do senhor Wu a respeito da personalidade do dragão. São seres ciumentos e possessivos. Por mais que na maior parte do tempo Chen esteja em forma humana, as características do Dragão sempre vem à tona.
"Cara, eu conheço Jéssica há muito mais tempo que você. Somos amigos de infância. Você não tem o direito de afastá-la dos amigos."
Chen não está com o melhor dos humores e isso me preocupa. Temo que perca o controle.
Ele chega bem perto de Marcos e o encara com olhar brutal. O brilho azul tomando todos seus olhos agora.
"Acontece cara, que você não quer ser somente amiguinho."
Interfiro como posso, pois essa cena pode terminar muito mal e não quero que Marcos saia ferido.
"Marcos, acho que já esclarecemos tudo, não é? Melhor você ir agora."
Ele me encara magoado.
"Se é isso que prefere, Jess. A escolha é sua." Marcos parte.
Olho para Chen chateada e saio andando.
"Ei! Onde vai? Seu tom de voz muda ao se dirigir a mim.
"O que foi?"
"Precisamos conversar, por favor." Seu olhar me desarma.
"Tudo bem." Sento em um banco de pedra da praça. Chen se posiciona em minha frente em pé com os braços caídos.
"Por favor, pare de fugir de mim."
"Eu não estou fugindo de você. Não se esqueça que quem fez isso primeiro foi você, quando me dispensou e voltou para Liqian."
Ele fecha os olhos. A verdade o acerta como uma bofetada.
"Jéssica, eu sei que errei. E estou pagando muito caro por isso. Perdi sua confiança e temo ter perdido seu amor. Estou desesperado, por isso vim atrás de você. Achei que estava fazendo o melhor por você me afastando, mas a distância quase me enlouqueceu. E quando me dei conta da besteira que fiz, já era tarde. Você tinha partido."
"Você não pode decidir as coisas sozinho. Em uma relação os dois têm que opinar."
Chen se ajoelha no gramado em minha frente. Apoia os braços em meu colo.
"Eu sei que fui um tolo covarde, mas tive medo, confesso."
Meu coração desmorona ao ver a pessoa mais forte e corajosa que conheço em uma posição tão vulnerável.
"Medo de quê?" Chen levanta a cabeça e me olha nos olhos.
"Medo por ser quem eu sou. Medo de você estar cansada de todo esse drama. Quando Liang contou toda aquela história de maldição e antepassados, senti sua reação. E antes que me abandonasse, acabei tomando a decisão errada na defensiva."
Me estiquei para frente, segurando seu rosto.
"Eu não ia te abandonar pelo o que você é. Só estava assustada e cansada por tudo que aconteceu. Talvez precisasse de um tempo somente para processar tudo."
"Mas eu não sou bom o suficiente para você. Não sou normal."
Chen está se desmoronando como nunca vi. Vejo lágrimas brilharem em seus incríveis olhos, agora negros como a noite.
Puxo sua cabeça para o meu colo e acaricio seus cabelos negros e espetados. Parece um menino inseguro e indefeso.
"Chen, aprendi com meus pais, que todos somos iguais. Ninguém é melhor que ninguém. Apenas temos histórias diferentes. E a sua, apesar de muito sofrida, também é incrível. E tido o que aconteceu te transformou em quem é agora. Alguém que eu amo como é. Não me importa seu passado, nem o que aconteceu. Você é uma vítima dos erros dos seus antepassados. Está pagando pelo mal que eles cometeram. Não tem culpa por ter que conviver com essa maldição. Mas você pode quebrar esse ciclo e mudar a história." Chen levanta a cabeça e me olha.
"Como posso quebrar esse ciclo?"
" Estou disposta a te ajudar. Ficarei ao seu lado se ainda me quiser. Buscaremos as respostas, mas preciso que confie em mim. Lutaremos até o final ou quanto for preciso."
Chen se levanta e me encara com desespero. Encosta a testa na minha.
"Se eu te quero? Eu nunca deixei de te querer, Jéssica. Só pensei que seria melhor para você me afastar." Ele segura meu rosto com carinho.
"Você é tão pura e boa de coração. Exatamente por isso relutei em te envolver em toda essa história. Mas nesse tempo que ficamos afastados, descobri que sou egoísta demais para abrir mão de você . Não suportaria mais viver sem seu toque, sem seu cheiro, sem ouvir sua voz e sem sentir as batidas de seu coração." Ele eleva uma mão em direção ao meu lado esquerdo.
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