Ao contrário do dia anterior, o amanhecer não trouxe nada de bom, nenhuma esperança e a medida que o sol despontava no horizonte, minha angustia parecia crescer ainda mais. Isso tudo porque desde que os seguranças levaram Poncho e Christopher, não soube mais nada deles.
Será que haviam sido... presos? E se não voltassem mais? E se Poncho tivesse pensando que a culpa era da garota misteriosa? Nesse caso eu jamais poderia falar pra ele que eu era a tal garota!
Sacudi a cabeça querendo tirar esses pensamentos da cabeça. Tinha que ser um pouco mais positiva! É claro que não seriam presos, afinal segundo a desmiolada da Dulce Maria, eram ervas de chá, nada que os comprometeriam e sinceramente eu esperava que fosse assim ou eu mesma mataria aquela ruiva de meia pataca!
Meu estômago roncou avisando que era hora de abandonar a cama. Calcei minhas pantufas do Patolino tentando raciocinar que dia era hoje e o que tinha de fazer. Suspirei de alivio ao me lembrar que era sábado, sem provas pra estudar e sem trabalhos para fazer.
Desço as escadas e uns pés na ponta do sofá me chamam a atenção. Sorrio quando vejo que ele parece adormecido ainda vestindo o terno da festa, mas completamente desarrumado. A máscara havia sumido, assim como a gravata e os sapatos, que eu só enxergava um dos pares. O cabelo estava todo bagunçado e a mão para fora do sofá indicavam que ele já estava naquela posição algum tempo.
De repente aqueles lindos olhos se abriram e dei um pulo pra trás assustada por ter sido pega no flagra.
- Bom dia boneca, estava me olhando dormir? – Ele sorriu sentando no sofá.
- Eu... sim, quer dizer... não... bem, na verdade vi os pés pra fora do sofá e não sabia quem era. – Maldição! Por que tinha que ficar tão nervosa perto dele? Ainda mais quando ele me chamava assim. – Já comeu? – Perguntei me dirigindo pra cozinha. Precisava tirar os olhos dele ou acabaria fazendo besteira.
- A Mai deixou um prato de torradas na mesinha da sala antes de sair, mas confesso que já estou com fome de novo. – Ele se encostou na porta abrindo aquele lindo sorriso de tirar o fôlego.
- Ovos? – Meti a cara dentro da geladeira. Era sempre uma boa tática para esfriar os pensamentos e ao mesmo tempo me manter ocupada.
- Com certeza. – Ele se aproximou sentando à mesa.
Por alguns instantes me mantive entretida no preparo do café da manhã. Poncho costumava fazer piadas enquanto eu cozinhava e dessa vez, não foi diferente.
- Certo, já chega de fazer coisa. – Ele disse quando me preparava pra fazer um suco. – Vamos comer antes que esfrie. – Puxou a cadeira pra mim e com um sorriso, me sentei feliz com aquela cena tão comum, mas ao mesmo tempo, tão significativa pra mim.
- Obrigada gentil senhor. – Sorri e Poncho ergueu a sobrancelhas.
- Por nada minha bela dama. – Deu um beijo na minha mão. Coloquei a mão na testa e suspirei como as donzelas de antigamente faziam. Caímos na risada. – Não te vi no baile ontem.
O garfo que eu ia por na boca quase caiu. Fingindo arrumar a comida com ele, respirei fundo antes de responder:
- Me atrasei, cheguei bem depois do início... e você? – Rezei para que minha pergunta tivesse saído natural.
- Ah cheguei cedo, mas tive um... contratempo com Christopher.
- Contratempo? Que contratempo? – Indaguei como se estivesse realmente curiosa, afinal, ele não podia se quer imaginar que eu já sabia.
- Bem, prenderam Christopher porque encontraram no armário dele algo parecido com maconha.
- O QUE? – Me levantei indignada. Dulce Maria tinha pego pesado demais dessa vez, não poderia deixar algo assim fosse tão longe.
- Fique calma, não era maconha, apenas uma erva parecida. – Poncho tranquilizou. – O problema... – deu uma mordida na torrada. – É que ele não vai poder frequentar as aulas até esclarecerem o que aconteceu.
Virgem Maria Santíssima! Dulce realmente tinha ido longe demais. Poderia ter causado a expulsão de Christopher! Ah, mas ela ia me escutar.... quando eu voltasse a falar com ela, o que não seria tão cedo.
- Fiquei a noite toda na reitoria com Christopher, mas agora está tudo certo... A única pena é que não a vi mais. – Ele suspirou e em seus lábios tinha um sorriso enigmático.
- Quem? – Voltei a me senta sem tirar os olhos dele. Não queria perder a mínima reação enquanto estivesse falando de quem eu pensava que estava.
- Ela... a minha garota misteriosa. Ela era realmente... linda.
- Hum... por que não me conta?
- Ela era linda sabe... tinha uns olhos.... assim tão doces quanto os seus. – Senti minhas bochechas corarem e ao mesmo tempo um frio na barriga. Se Poncho tivesse mais um pouquinho de percepção eu provavelmente estaria em maus lençóis. – Ela era tão pequena... tão linda... parecia uma fada com aquele vestido tão... é isso! O vestido! – Poncho levantou-se com um sorriso imenso nos lábios.
Meu coração gelou ao lembrar do vestido aos pés da cama. Se Poncho por acaso entrasse no meu quarto nesse mesmo instante, não demoraria a juntar um mais um e descobrir que a sua “garota misteriosa” não era tão misteriosa assim.
- O que tem o vestido?
- Mai ainda costuma fazer vestidos para os bailes?
Era algo conhecido pelo campus, que a senhorita Perroni da casa 4, fazia vestidos para os bailes da Universidade. Ela tinha um talento natural para criar modelos maravilhosos. Além do mais, era uma forma de complementar a renda.
- Si-si-sim. – Respondi um tanto hesitante. – Por que?
- Bem... o vestido dela era um desses.... lindos como a Mai faz pra vocês garotas. Possa ser até que eu esteja enganado, mas não custa nada pedir a ela pra ver os desenhos não?
“Ai meu Pai do Céu!” Se Poncho por acaso chegar a ver esses desenhos, eu estou frita! Por alguns momentos, entrei em pânico. Maite ainda não estava sabendo do rolo que eu me meti e se por acaso ele falasse com ela antes de que eu.... ai era melhor nem pensar!
- Niña? Tá me ouvindo? - De repente os dedos de Poncho surgiram em frente ao meu rosto.
- Oi? Desculpa, eu não ouvi. – Sorri um pouco envergonhada.
- Eu percebi mocinha. – Ele balançou a cabeça num gesto de falsa reprovação. – Você acha que a Mai me deixa ver os desenhos? Eu preciso saber se ela fez o vestido da minha garota misteriosa.
Fui tomada por uma raiva imensa dos pés a cabeça. Era absurdo, mas eu estava com ciúmes de mim mesma! Sim, isso mesmo! Embora fosse contraditório meus sentimentos, era ridículo, porque Poncho estava encantado com alguém que supostamente nem existia..... Ai que confusão! Parecia que quando não dava pra piorar mais, ai que piorava mesmo!
- E então? Acha que a Mai deixa eu ver?
- A-Ac-Acho-que-que-si-si-sim. Acho que sim. – Repeti detestando minha gagueira. Demonstrar nervosismo além de suspeito era a ultima coisa que eu precisava agora.
- Algum problema boneca?
... E me chamar assim, não contribuía em nada pra melhorar minha situação.
- Na-não eu.... – Tomei um gole de suco. – Só engasguei. – Sorri pra confirmar e finalmente ele pareceu acreditar.
- Bem então me faz um favor? – Assenti. – Tenho que sair pra levar algumas roupas pro Christopher porque ele não pode voltar pra cá até estar tudo esclarecido.
- Mas pensei que já estivesse tudo bem. – Retruquei sentindo uma leve ponta de medo.
- Sim, mas querem saber quem colocou as ervas no armário. – Engoli em seco, preferindo não falar nada sem correr o risco de entregar Dulce. Esperei que ele continuasse. – Então tenho que levar algumas coisas enquanto ele espera. Não deve demorar muito, afinal tem as imagens das câmeras.
“Ai meu Deus do Céu é agora que a corda vai roer!”
Por mais que eu estivesse brigada com a Dulce, também não queria que ela fosse expulsa. Ainda que fosse merecido, não me imagino sem aquela ruiva desnaturada.
- Fica tranquila, vai dar tudo certo. – Segurou minha mão dando leves tapinhas. – Preciso ir agora, mas pode perguntar a Mai sobre os desenhos?
- É claro. – Me senti horrível por concordar sabendo que Poncho não veria jamais o vestido da sua garota misteriosa naqueles desenhos.
- Bem, então vou nessa. Se cuida niña. – Se levantou e beijou minha testa. Contive um suspiro com aquele gesto tão simples e ao mesmo tempo, pra mim, tão especial. – Ah, Annie! – Ele chamou já na porta.
- Sim?
- Foi uma pena não ter te visto no baile. Deveria estar uma princesa. – Piscou antes de sair.
Se eu estava arrependida e sentindo um pouco de culpa pelo que estava acontecendo, naquele momento tudo pareceu valer a pena. Uma princesa... uma princesa esperando viver seu
próprio conto de fadas...