Capítulo 3 - Você é desprezível!

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Não sou perfeita. Não mesmo. Mas confesso que até a noite de ontem eu pensava que fazer sempre as escolhas certas apagavam os erros que cometemos. Como... uma espécie de compensação sabe?

A verdade é que Poncho me fez enxergar que não é bem assim. Ao contrário, a realidade estava muito distante disso. Boas lembranças e ações jamais eliminam ou apagam as más e não existe ninguém na face da Terra que consiga isso.

Porém se nada pode mudar o passado, ao menos tenho a chance de não repetir os mesmos erros. E, me envolver com alguém de novo, seria indiscutivelmente um erro, um pecado imperdoável...

Fechei meu diário com força. Estava irritada. Não havia dormido quase nada na noite passada. As palavras de Poncho insistiam em voltar na minha mente a todo o instante. O resultado disso foram lágrimas e mais lágrimas, que, por sua vez, trouxeram como consequência uma dor de cabeça insuportável e olheiras enormes que eram impossíveis de não serem notadas num rosto tão fino como o meu.

Calcei minhas pantufas negras do Patolino e permaneci sentada na cama. Muito próprio para o dia de hoje, afinal a famosa frase “Você é desprezível” acompanhava muito bem o meu estado de espírito. Me sentia desprezível e estava achando o mundo desprezível, injusto pra dizer a verdade! Por que eu não podia ser normal? Por que não podia ser feliz como tantos outros jovens? Por que não conseguia ter um namorado que realmente me quisesse? Por que eu não conseguia amar e ser amada?

Nem sei, mas acho que furiosa era a palavra que mais definia meu humor no momento. E furiosa não apenas por Alfonso ter me jogado a verdade na cara, mas principalmente por eu ter sido idiota o suficiente pra quase ter me afundado num relacionamento sem pé nem cabeça! Agora as cicatrizes me faziam companhia e não havia jeito de removê-las.  

Aliás, por um lado isso era até bom. Afinal, me impediria de entrar na mesma canoa furada chamada namoro por uma segunda vez. E também, mesmo que eu quisesse, o único cara que me interessava não estava nem ai pra mim, não nesse sentido. Para Poncho, eu não passava de uma amiga, uma irmãzinha mais nova a quem ele devia proteger.

Literalmente uma irmã mais nova... Ele também era afilhado da minha madrinha, minha querida Elizabeth, e há 10 anos, quando perdeu os pais e o irmão num acidente de carro, foi viver com ela. Eu sempre passei as tardes na casa dela enquanto meus pais trabalhavam. No primeiro instante em que nos vimos, Poncho rejeitou qualquer gesto de aproximação. Mas não levou muito tempo, no terceiro dia em que ele estava na casa, eu cai da escada e quebrei o braço. A partir daquele momento a garotinha chorosa de cinco anos conseguiu conquistar a amizade de um menino assustado e agressivo de dez que se tornou o seu protetor, o melhor amigo, o irmão e creio que seria pra sempre isso, apenas o irmão...

- Ai que irritante! - Resmunguei e me levantei da cama. Por mais que quisesse, não poderia passar o dia inteiro enfurnada no quarto. A vida naquela república era muito conturbada e se ficasse trancada o dia inteiro, logo alguém viria perguntar o que estava acontecendo e eu não estava nem um pouco a fim de responder.

 Decidi que para espantar o mal humor não havia nada melhor do que cozinhar. Pelo certo, nos finais de semana ninguém ficava responsável pela cozinha, era cada um por si, mas todos já sabiam que eu gostava muito de estar ali, era mais ou menos como uma terapia e, diga-se de passagem, eu estava precisando muito disso no momento!

Abri a geladeira dando graças a Deus por Christopher ter sido o responsável pelas compras essa semana. Ao menos ele comprava muitas coisas gostosas pra que eu conseguisse fazer algo decente.

DespretensiosaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora