BENITO
— Nem pensar! — Lívia reclamou e cruzou os braços impaciente.
— Você. Me. Deve — o garoto respondeu pausadamente, ignorando o protesto da irmã. — Mil e um favores, lembra?
Os dois estavam parados no meio do pátio do Colégio São Mariano, prestes a entrar na área da quadra poliesportiva.
— Eu não vou me machucar para você conseguir realizar esse seu plano ridículo.
— Não é ridículo! Eu só preciso que algum de nós pare no ambulatório da escola durante a aula de educação física, assim eu consigo seguir com essa porcaria de Operação Pinguim que você e a Helena inventaram — Benito explicou incrivelmente paciente.
— Você ouviu o que você mesmo disse? Não é possível que não tenha reparado no absurdo que é esse plano ridículo — Lívia frisou o adjetivo propositalmente, Benito sabia.
— Lívia, você me deve favores, ok? Que tipo de Becchio é você que não paga suas dívidas?
— A gente tá assistindo Game of Thrones demais — ela falou pensativa e Benito bufou impaciente.
— Algum Becchio terá que sair ferido, sinto muito — o garoto afirmou dando de ombros e Lívia fez uma careta.
— Game of Thrones demais...
— Lívia, você vai me ajudar ou não? — perguntou sério.
Benito notou que a irmã olhou em volta pensativa e fechou os olhos fortemente por alguns segundos.
— Porra, eu vou ajudar... Só não do jeito que você está sugerindo.
Benito não teve muito tempo de questioná-la já que Lívia saiu como um raio em direção a quadra onde aconteciam as aulas de educação física.
Não demorou mais que quinze minutos para que algumas garotas da sala que jogavam vôlei no projeto da Lívia surgissem na arquibancada gritando por Vitor.
Benito sentiu as mãos trêmulas.
O que a maluca da Lívia havia feito?
Ok, Lívia era esperta. Muito esperta. Mas definitivamente malvada.
Benito estava caminhando rapidamente para uma das salas onde sabia que a mãe ficava esperando para dar aula.
Seu plano era simples: Lívia deveria se machucar na aula de educação física. Vitor a levaria até a enfermaria e ele avisaria a mãe. O plano era fazer com que Ana Carolina visse Vitor sendo gentil com os filhos e começasse a reparar mais no colega. Depois Benito só teria que dar um jeito dos dois se encontrarem fora da escola.
Mas primeiro era necessário uma boa primeira impressão, ou milésima, no caso do Vitor.
O plano estava quase perfeito, com exceção da alteração que Lívia fez.
— Mãe — ele chamou a mulher que estava concentrada lendo alguns papéis que estavam sobre a mesa de madeira.
— Ei, não deveria estar na aula do Vítor? — Ana perguntou estreitando os olhos desconfiada.
— Helena se machucou — Benito explicou calmo. — Vitor levou ela pra enfermaria.
— Helena? Ela nem participa das aulas — Ana falou confusa, mas levantando-se rapidamente para averiguar o que tinha acontecido.
— Lívia chamou ela pra participar um dia do projeto de vôlei e... Você sabe, Helena e esportes não é uma combinação muito adequada.
Benito observou a mãe franzir o cenho e depois soltar um suspiro. Ela sempre ficava agoniada quando os filhos se machucavam, mesmo que fosse apenas um joelho ralado. Era como se ela estivesse vendo algum absurdo se desenhar à sua frente e Benito sentia-se mal por estar assustando ela dessa forma, mas era um mal necessário.
A Operação Pinguim precisava continuar.
Mãe e filho caminharam lado a lado em direção a enfermaria da escola. Logo que chegaram puderam ver Vitor analisando o braço de Helena com atenção enquanto Lívia estava do lado com os braços cruzados e o lábio inferior preso entre os dentes.
Helena reclamava baixinho e Benito olhou mais atento, notou que o braço da irmã estava ralado em diversas partes, mas achava que não estava quebrado, graças ao seu conhecimento baseado em Grey's Anatomy que as irmãs o obrigavam a assistir.
— Meu amor... o que aconteceu? — Ana entrou na salinha apertada demais para tantas pessoas.
— Lívia me empurrou! — Helena reclamou alto e soltando um choramingo ao mexer o braço.
— EU? — Lívia gritou soltando os braços rapidamente. — Você deve ter batido a cabeça na queda também, Leninha...
— Eu sei muito bem o que eu vi! — Helena falou brava encarando a irmã com raiva.
Benito poderia confessar que estava segurando o riso, porque se existia algo raro na família, era ver Helena e Lívia brigando. A verdade é que as brigas familiares sempre ficavam entre Benito e Lívia. Era um acordo mudo entre os irmãos desde pequenos: não brigar com a Helena porque ela chora fácil e vai contar tudo pra mamãe, pois é fresca.
— Ok, ok, chega... — Vitor falou impaciente. — Vocês são terríveis e não me interessa o que aconteceu, o importante é que você não quebrou nada.
Benito arregalou os olhos levemente.
Porra, Vitor! Tá fazendo tudo errado, cacete!
— Calma, Vitor... não precisa falar assim — Ana intercedeu rapidamente com cautela. — Filha, são alguns ralados, você acha que aguenta até o final do dia ou quer ir embora?
— Ana, pelo amor de Deus, os outros alunos não tem privilégio de ter mamãe perguntando se está tudo bem. O que você tá fazendo aqui? — Vitor perguntou ríspido e cruzando os braços.
Benito só queria gritar bem alto: Não fala assim com a minha mãe, seu merda!!!!!
— Benito me chamou e com razão, ele só ficou preocupado com a Helena, assim como eu fiquei. Como qualquer mãe ficaria — Ana respondeu tão impaciente quanto o colega de trabalho.
— Bom, Benito não deveria ter avisado. Se fosse algo grave você ficaria sabendo, mas são alguns ralados que até criança de cinco anos levanta sem reclamar e volta a brincar — Vitor comentou rolando os olhos. — Você está ótima, Helena. Só passar um Merthiolate e colocar um band-aid.
Benito notou que as três mulheres dentro daquele cubículo abriram a boca indignadas com a insensibilidade do professor e ele sentiu que havia feito merda em escolher o Vitor como o pretendente número 3 da Operação Pinguim.
Que tipo de imbecil fala desse jeito com a Helena? Com a doce Helena que não tem inimigos?
— E eu ainda não entendi o que vocês todos estão fazendo aqui — Vitor comentou sarcástico. — Professora Ana não tem trabalhos para corrigir? Lívia não tem um projeto de vôlei para continuar? Benito, o fofoqueiro, não tem uma bola pra chutar?
— Olha aqui, Vitor... — Ana começou a falar em um tom bravo que Benito reconhecia bem. — Você não fale assim comigo ou com meus filhos.
— Olha aqui você, Ana Carolina — ele apontou o dedo para a mulher. — Você não é mãe aqui, é professora. Então será que dá pra ser profissional e sair da enfermaria já que não tem nada pra ver aqui?
Benito notou que a mãe engoliu em seco e respirou fundo. Ela estava fazendo aquela cara de "eu vou te matar".
— Ok, ok... Você tem razão, Vitor. Eu sou professora, mas antes de tudo sou mãe. Entendo que esse deve ser um conceito difícil de ser associado por você.
Benito notou que o rosto do professor ficou vermelho e antes que ele pudesse soltar mais alguma merda, o garoto decidiu se intrometer. Afinal, aquela merda de situação era culpa dele.
— Ok, Helena está bem. Viva! — falou sem emoção alguma na voz. — Vamos todos voltar a vida normal. Desculpe te incomodar, professora Ana — ele encarou a mãe rapidamente e logo sorriu para Helena que estava sentada na maca com um bico gigante. — Vamos, Leninha, deixa que eu te ajudo com esse braço lesionado aí.
Em menos de um minuto a sala da enfermaria ficou vazia e cada Becchio seguiu o seu caminho. Todos inteiros. Quase inteiros. Benito poderia jurar que alguns egos foram quebrados naquela sala, incluindo o seu.
— Eu não acredito que você me empurrou de propósito, Lívia — Helena reclamou pela terceira vez seguida enquanto estavam sentados na sala de aula esperando o tio Nico entrar.
— Culpe o Benito!
— Ei, eu falei pra você se machucar — ele apontou para Lívia que respondeu com o dedo do meio.
Ele sabia que Lívia estava especialmente irritada por três motivos bem distintos. Primeiro: odiava brigar com Helena. Segundo: queria socar o irmão pela escolha do Vitor como pretendente. E terceiro, mas não menos importante: Mirella.
Logo que entraram na sala de aula, antes da reclamação generalizada das irmãs começar, Benito sentiu alguém cutucá-lo quando ele ainda estava de pé. Jurava que seria Marcelo todo preocupado com a Helena, mas não escondeu sua expressão de surpresa ao ver que Mirella era a dona do cutucão.
— A gente precisa fazer o projeto interdisciplinar — ela falou logo que ele colocou os olhos sobre ela.
Por que Mirella era tão... linda? Ele não iria conseguir se concentrar naquela conversa.
— Ah... sim, sim — respondeu tentando disfarçar o nervosismo por estar falando com a dona dos seus sonhos.
— Pode ser hoje na sua casa? — ela perguntou mascando um chiclete.
— Sim — ele se limitou a responder tentando não encarar muito os lábios da garota a sua frente.
— Ótimo — e assim ela virou as costas e foi sentar no seu lugar habitual.
Então sim, Lívia estava puta porque teria uma visita não-grata em sua casa hoje, mas Benito não poderia estar ligando menos.
— Ok, é sério, eu vou embora dessa casa hoje — Lívia falou se jogando no sofá e aproveitando para jogar uma almofada na cara do irmão. — Meu dia tá uma merda por culpa sua, seu ridículo do caralho.
— Olha a boca, Lívia! — Ana repreendeu da cozinha.
Lívia encarou Benito com os olhos estreitados e ele sorriu cínico.
— Eu vou sufocar você com o travesseiro de noite — ela sussurrou.
— Mãe, a Lívia tá me ameaçando! — Benito falou alto e logo em seguida a irmã pulou em cima dele para dar os tapas ardidos de sempre.
— Lívia eu sei que você está batendo nele, solta o seu irmão — Ana gritou da cozinha e a garota bufou impaciente.
Benito sorriu cruzando os braços e Lívia não resistiu em dar um último tapa ardido em seu braço antes de se jogar no sofá novamente.
Coitadas das bolas de vôlei quando a Lívia está no saque!
— Eu sei que você está putinha porque a Mirella vai vir aqui, mas a sua verdadeira raiva é porque a Helena está puta com você — Benito comentou em um sussurro para garantir que a mãe não ouviria.
— Por culpa sua ela está puta com nós dois — Lívia respondeu no mesmo tom e cruzando os braços logo em seguida.
— Eu tenho metade da culpa porque a ideia original foi minha, mas você quem adaptou e enfiou ela no meio — Benito continuou em sussurros e deu de ombros ao sentir o olhar raivoso da irmã sobre si.
Se esse olhar matasse...
— Ela vai perdoar, é a Helena, ela é tipo a Madre Teresa de Calcutá — ele completou entediado.
— Vocês dois quietos me deixam com medo! Estão vivos? — Ana gritou da cozinha e os dois riram.
Logo que Benito se ajeitou na poltrona pôde ouvir o barulho da campainha da casa. Só podia ser uma pessoa.
— Satanás chegou — Lívia comentou ácida sem mover um músculo do sofá.
— Cala a boca — Benito retrucou antes de levantar e caminhar até a garagem de casa para abrir o portão para a garota mais gata da escola.
A garota mais gata que está na minha casa!
— Achou fácil? — Benito perguntou abrindo o portão para Mirella.
— Sim, eu moro perto até... — Mirella respondeu colocando uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha.
Os dois entraram na casa e assim que pisaram na sala, Benito notou o olhar entediado da irmã em sua direção.
— Eu vou me trancar no sótão e só sair de lá quando ela for embora — Lívia apontou descaradamente para Mirella, que ficou com o rosto vermelho pelas palavras da outra.
— Lívia, cala a boca — Benito respondeu ríspido ao ver a irmã levantar do sofá sem tanta rapidez.
— Seja bem-vinda, Mirella. Espero que a casa dos órfãos seja boa o suficiente pra você — Lívia comentou ácida antes de sair da sala e subir as escadas rapidamente para o sótão.
Benito franziu o cenho genuinamente confuso. Por que diabos Lívia usou a palavra "órfão"?
— Não liga pra Lívia, ela é doida — ele encolheu os ombros um pouco envergonhado, mas notou que Mirella encarava o chão com o rosto ainda vermelho.
Vermelho de raiva? Vermelho de vergonha? Merda. Lívia tinha estragado tudo.
— Oi, Mirella — a mãe surgiu no batente da porta da cozinha com um pano de prato branco nas mãos e deu um sorriso fechado na direção da garota.
— Oi, professora Ana — ela respondeu baixo.
— Bom, vocês podem estudar na sala ou na mesa de jantar, no quarto não dá porque a Helena está lá — Ana orientou antes de voltar para a cozinha.
Benito e Mirella ficaram se encarando por alguns segundos. Nunca tinham estado juntos antes, ao menos não sozinhos. Era algo novo e estranho. O silêncio estava um pouco constrangedor.
— Hum... a Helena está melhor? — a garota perguntou baixo.
— Ela está sendo manhosa, só isso, não foi nada demais. Está só um pouco chateada — Benito explicou dando de ombros e Mirella assentiu.
Os dois se encararam por mais alguns segundos até Benito pigarrear e apontar para o sofá.
— A gente pode sentar aqui na sala e usar a mesa de centro como apoio — ele sugeriu e a garota novamente somente assentiu com a cabeça. — Você tem alguma ideia para o projeto?
Mirella sorriu pela primeira vez desde que chegou e pareceu empolgada ao assentir com a cabeça mais uma vez.
— Vai parecer loucura, mas dá pra gente falar de Dom Casmurro e genética, afinal, Ezequiel é filho do Bentinho ou do Escobar? — falou animada e começou a explicar a sua ideia para o menino que parecia atento.
Quem ligava se Capitu traiu Bentinho?
Mirella ligava.
E de repente, Benito também começou a se importar.
N/A (17.06.2019)
Olá, oficialmente iniciamos a contagem regressiva de Operação Pinguim!
Faltam 10 capítulos para o final e eu já estou sentindo falta desses lindinhos <3
Gostaria de agradecer a todos vocês que fizeram essa história chegar no 1k !!!!
Muitíssimo obrigada, de coração!
Até quinta-feira, feriadão, com um capítulo que tem overdose de #Nicolina hahaha
Beijinhos e até breve :)