Porãsy e o estranho mundo das...

By VaniadaSilva2

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Houve um tempo além do tempo, onde a Criação havia começado e os deuses andavam livremente na terra. Nessa er... More

Algo sobre o livro.
Um depoimento sobre o livro
Prólogo
Prólogo 2 - A deusa Arasy
1. Porãsy
1. Porãsy (continuação)
2. A festa de aniversário
2b. Jasy Jaterê, o deus da sesta
3. As histórias do avô (parte 1)
3. As histórias do avô (parte 2)
4. Sobre o monstro Ao Ao (parte 1)
4. Sobre o monstro Ao Ao (Parte 2)
5. Dias sombrios (parte 1)
5. Dias sombrios (parte 2)
6. aparição (parte 2)
7. Fogo (parte 1)
7. Fogo (parte 2)
7b- A teia do destino
8. Pirakuá: o buraco do peixe (parte 1)
8. Pirakuá: o buraco do peixe (parte 2)
9. Novo dia (Parte 1)
9. Novo dia (parte 2)
10. A nova escola (parte 1)
10. A nova escola (parte 2)
11. Histórias, lendas e... também fofocas
12. Prenúncios de um grande mal
13. Ruim no corpo e na alma
14. Sérgio
14b. Sérgio e a Arara Vermelha
15. Mistérios
16. Recuperação
17. Uma estranha mulher
18. Thomas e Gwa'a Hovy: a arara azul (parte 1)
18. Thomas e Gwa'a Hovy: a arara azul (parte 2)
19. Uma visão e uma cobrança (parte 1)
19. Uma visão e uma cobrança (parte 2)
20. Volta à escola (parte 1)
20. Volta à escola (parte 2)
20. Volta à escola (parte 3)
21. A manhã depois da chuva
22. Encontro com Kaja'a (parte 1)
22. Encontro com Kaja'a (parte 2)
23. Uma tempestade na escuridão (parte 1)
23. Uma tempestade na escuridão (parte 2)
24. Um encontro de dimensão eterna (parte 1)
24. Um encontro de dimensão eterna (parte 2)
25. Em um descampado em meio à mata (parte 1)
25. Em um descampado em meio a mata (parte 2)
26. Uma experiência sobrenatural
27. Tupinambá e Guarasyáva
28. O desaparecimento de Amandy (parte 1)
28. O desaparecimento de Amandy (parte 2)
29. Dois filhos de Tau e Kerana (parte 1)
29. Dois filhos de Tau e Kerana (parte 2)
30. Raptadas (parte 1)
30. Raptadas (parte 2)
31. Na caverna com os irmãos monstros (parte 1)
27. Na caverna com os irmãos monstros (parte 2)
28. Aty guasu, a grande assembleia (parte 1)
28. Aty Guasu, a grande assembleia (parte 2)
29. Na caverna em Cerro Cavaju
30. Monhãi
31. Uma estranha jornada
32. Teju Jagua
33. A procura por Sérgio
34. Com Monhãi e Teju Jagua
35. Uma espera angustiante (parte 1)
35. Uma espera angustiante (parte 2)
36. Final (parte 1)
36. Final (parte 2)
Epílogo
Mais de mitologia indígena

6. Aparição (parte 1)

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By VaniadaSilva2


A segunda-feira começou como tantas outras vividas por Porãsy. Ela acordou cedo e foi para a escola no ônibus escolar. E agora, perto do meio-dia, voltava para casa, no mesmo ônibus.

O conhecido barulho da freada dos pneus indicou que era hora de descer. Eles eram menos de dez adolescentes indígenas que cursavam a escola na cidade. Ainda assim, era na sua parada que desciam mais alunos.

Após descerem, o ônibus continuou. Ainda tinha muitos outros alunos, filhos de colonos, para serem deixados nos sítios e fazendas de que seus pais cuidavam.

As crianças pequenas não iam naquele ônibus para a escola. Ou melhor, elas não iam em ônibus nenhum. Elas estudavam em uma sala multisseriada, no acampamento mesmo.

Uma briga fora travada, até que a prefeitura concordasse em pagar dois professores indígenas para que dessem aulas ali, do primeiro ao quinto ano: primeiro e segundo em um período, terceiro, quarto e quinto no outro. Todos juntos, em uma mesma sala, com um único professor.

— Cadê o ? — foi a primeira pergunta que Porãsy fez para a irmã ao chegar em casa.

A irmã não tinha ido, de novo, para a escola. Muitas vezes, ela tinha de ficar, para cuidar do barraco e das crianças pequenas, quando os adultos precisavam fazer alguma coisa fora do pequeno agrupamento de casas.

— Foi todo mundo para Taquara, para dar apoio contra o despejo. Foi o vovô, os tios, as tias, o pai e a mãe.

Porãsy olhou ao redor, antes de entrar e pendurar a mochila. O local estava silencioso, sinal de que a maioria dos pequenos também havia ido.

— Foram de quê?

— De ônibus. Conseguiram um ônibus para levar o pessoal. Acho que foi a Aty Guasu (1) que conseguiu o ônibus.

Aquilo não era novidade para Porãsy. Isso sempre acontecia. Sempre que havia uma ordem de despejo para alguma das aldeias, as pessoas das outras na mesma situação se mobilizavam e se deslocavam para o local, para apoiar e dar força.

Muitas vezes funcionava, mas nem sempre. Como não funcionou uma vez com o outro avô, pai de sua mãe. E seu coração se apertou com a lembrança do cruel e covarde assassinato do avô, em uma situação semelhante. Ela era muito nova, ainda, talvez tivesse uns cinco ou seis anos, na época, mas se lembrava muito bem.

— A Amandy foi? — Porãsy perguntou, sentindo falta da irmãzinha.

— Foi, sim. Você sabe que a mãe não deixa ela.

Porãsy olhou para as panelas de que a irmã cuidava: Arroz, feijão, um ensopado de mandioca e carne moída. Era um prato repetitivo naquela casa, mas ela gostava dele, ainda assim.

O cheiro apetitoso que alcançou seu nariz fez a barriga reclamar ainda mais de fome. Pegou uma vasilha com água, foi para fora e lavou as mãos. A irmã já estava se servindo e, em seguida, ela foi para o banco sob a árvore onde seu avô gostava de ficar: o banco do seu avô.

Porãsy também se serviu e foi se sentar perto da irmã. Aquele silêncio em volta era angustiante.

— A gente devia ter ido também — disse Porãsy.

— E quem ia ficar cuidando do nosso barraco? — perguntou a irmã.

— Cuidar do quê, aqui? Aqui não tem nada para ser roubado. E de mais a mais, que diferença vai fazer, nós duas aqui sozinhas?

— Não estamos sozinhas. Você sabe que os barracos jamais ficam sem alguns dos adultos. Em algumas casas ficaram outras pessoas.

Após o almoço, a adolescente ajudou a irmã com as louças.

Depois, deitada na rede sob algumas árvores, tentou acessar alguma coisa na internet com o celular, mas era bem complicado conseguir. Primeiro porque o sinal da operadora era muito limitado ali, depois que seus créditos eram restritos e quase não dava para acessar nada até o aviso de que tinha acabado.

Mas, ainda assim, ela sempre tentava entrar uns momentinhos diários no Facebook e no Instagram, que eram os lugares onde sempre podia receber notícias de vários parentes. Os parentes de sangue, da sua etnia, como os primos e outros que moravam em diferentes reservas e terras indígenas, e outros que também chamava de parentes, mas que não tinha nada a ver com a etnia e povo local. Chamavam de parentes por serem também indígenas.

Nas duas redes sociais havia postagens das ocorrências nas aldeias, de retomadas e da situação de despejo da Terra Indígena Taquara. A coisa estava tensa por lá. As notícias e fotos mostravam os fazendeiros e seus capangas em volta dos barracos, atirando, ameaçando e confrontando. Do outro lado, a polícia federal, com um número enorme de carros e homens armados.

Porãsy temeu por seus pais, tios e avô. Temeu, ainda mais, por sua irmãzinha, que estava nas fotos postadas pela mãe, toda pintada, usando cocar, colares e pulseiras da etnia.

Ainda pelas postagens era possível perceber que havia muitas pessoas no local. Isso significava que os indígenas de Taquara conseguiram um grande apoio de outras aldeias.

— Você viu as notícias de Taquara que postaram no Face e no Insta? — perguntou à irmã.

— Vi, sim — ela respondeu. — A situação lá está tensa.

mesmo. Acho que a mamãe e o papai não voltam tão cedo. Não antes da situação lá amenizar — falou com a voz nervosa.

— A mamãe ligou, mais cedo. Disse que eles estão bem e que, qualquer coisa, é para ligar pra eles. Disse também que, se a situação lá ficar mais complicada, ela volta a ligar.

— Que bom que está tudo bem — Porãsy disse, se levantando da rede. — Acho que vou lavar algumas de minhas roupas e tênis.

— Tá bom — disse a irmã, tomando seu lugar na rede. — Vou descansar um pouco e depois vou lá também, lavar um pouco das minhas roupas e da mamãe.

Porãsy ajuntou o que tinha de roupas sujas, pegou uma barra de sabão, escova, sabão em pó, colocou tudo dentro de uma banheira de bebê, que fora de sua irmãzinha, e foi em direção ao pequeno córrego que passava nos fundos do acampamento.

Ali, perto da fonte, as águas ainda eram limpas e claras e, de tanto serem usadas pela comunidade, formavam uma pequena lagoa. As crianças e adolescentes gostavam muito de nadar ali. Também, muitas vezes, era ali que tomavam banho.

Nas crenças antigas do povo de Porãsy, o lugar era sagrado. Fora dado aos primeiros que chegaram ali para habitação pelo próprio Nhandejáry (2)Quem recebera as terras, as águas e as minas, em um cerimonial religioso e em nome da família extensa, fora o Pa'i (3). Então eles poderiam usufruir de tudo ali e em volta, mas sempre sabendo que deviam respeito.

O sol estava alto, bem sobre a cabeça de Porãsy, e bastante quente. Ela colocou o que levara na margem da lagoa e entrou na água, antes de começar a lavar as roupas. Mergulhou, com a roupa que usava mesmo, e ficou ali, brincando com as águas.

A adolescente gostava desses momentos. Eram alguns daqueles instantes em que se sentia mais indígena. Sabe, isso de índio que mora na floresta?! Ela gostava mesmo disso.

Um barulho no mato a deixou em alerta. Era leve, como galhinhos sendo quebrados e folhas sendo esmagadas. Alguém estava se aproximando. Podia ser sua irmã, mas achava que não era ela. Se Yvy Rajy tivesse deitado na rede para dormir, ainda não tinha dado tempo de acordar.

Porãsy nadou em direção à margem e saiu das águas, observando em volta. Olhou ao redor apreensiva. Pensou ter escutado passos.

><><>

Continua  


Notas de rodapé: 

1- Aty Guasu – Grande assembleia Guarani e/ou Kaiowá. Movimento político Guarani e Kaiowá que ressurgiu na década de 80, como reação a atos truculentos de fazendeiros e seus capangas contra estes povos. O objetivo foi o de fazer frente ao processo sistemático de etnocídio e à expulsão e dispersão forçada das famílias extensas indígenas do seu território tradicional. Desse movimento participam, hoje, centenas de lideranças Kaiowá e Guarani. Durante esses eventos ocorrem discussões políticas e, ao mesmo tempo, se realizam rituais para o fortalecimento da luta. É das Aty Guasu que partiram, nas últimas décadas, as reivindicações de demarcação de terras, além de denúncias e sugestões sobre possíveis soluções para problemas enfrentados por esses povos na atualidade. (BENITES, Tonico: História da Aty Guasu Guarani-Kaiowá/MS, entenda o contexto – em Blog da Aty Guasu). Acesso em 04/05/2020. .

2- Nhandejáry palavra que significa Nosso Dono, e é usada para se referir ao Deus e Senhor particular de cada um.

3- Pa'i – rezador, ou xamã


(Se gostou clique na estrelinha. E comentários são sempre bem-vindos) 


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