31. Na caverna com os irmãos monstros (parte 1)

113 12 4
                                    


Em um instante de piscar de olhos, Porãsy se viu em uma caverna com Jasy Jaterê. O local era bastante escuro e ela escutou pingos de águas caindo num plic-plic repetitivo. Olhou em volta, mas não conseguiu ver muita coisa, pois seus olhos ainda não tinham se acostumado com a pouca claridade. Ainda assim, achou o lugar tenebroso. Sua cabeça doía muito, desde o momento em que Kauã manuseara o colar na frente dela. Também continuava zonza. Deixou-se cair no solo úmido.

Antes que pudesse elaborar uma teoria de onde estava e do porquê de ter sido trazida para ali, Kauã se materializou perto dela. O adolescente encarou-a e depois ao irmão loiro. Deu uma volta em torno dela.

— Vai lá pra dentro, mano. Agora é comigo.

— O que você vai fazer com ela? — o ser em forma de criança perguntou assustado. Até ele parecia temer o irmão. — Não temos que levá-la para Aô-Aô?

— Depois. Depois a gente leva. Primeiro, tenho que falar com ela. Preciso dar umas orientações a ela. O mano Aô-Aô não vai se importar. Ele vai ficar ainda mais feliz, depois da conversa que vou ter com ela.

— Você vai brincar com ela? — o garoto loiro interpelou. — Deixa eu brincar também?

— Não! Você não! — Kurupyry falou, contundente. — Você tem a mente de criança. Não vai entender o que vou fazer e falar com ela. Você não sabe brincar das minhas brincadeiras. Me ajuda a amarrar os braços dela aqui e depois vai lá pra fora ou lá pro fundo, ficar com o rapaz karaí.

Porãsy, permanecia caída, sem forças, no chão, mas se atentou para a expressão "rapaz karaí". Teria mais alguém por ali? Eles teriam capturado algum rapaz da cidade ou das fazendas?

Seu corpo e cabeça continuavam doloridos. Ainda assim, sabia o que ele queria dela. Ele era aquele que seduzia e violava as meninas e moças desavisadas que ousassem sair sozinhas pelo mato, ou por lugares inóspitos, ou à noite.

Porãsy se lembrou que ela e a irmã já tinham rido muito daquelas histórias. Riram da ingenuidade dos antigos em acreditarem que suas filhas e esposas tinham sido encantadas pelo deus da sedução e que os filhos que esperavam eram dele.

No entanto, Porãsy já não ria mais. Nesse momento, ela acreditava. Não tinha mais como duvidar de nenhuma das histórias do avô e dos antigos, pois estava vivenciando tudo. Kurupi estava diante dela, na forma do rapaz mais lindo que já conhecera, mas com a intenção mais maléfica que Porãsy podia, sequer, imaginar. A menina começou a tremer, agitada. Ela não era tão forte como um dia imaginara ser, nem tão corajosa.

Jasy ajudou o irmão a colocar a garota sentada no chão, recostada à parede da caverna, e prenderam os braços dela para trás, em uma raiz que se soltava da parede da caverna, sumindo, depois, no solo. Em seguida, o garoto ficou ali parado, olhando para o irmão e para ela, como se não soubesse o que fazer.

— Agora vai, mano — Kurupi falou, quebrando a indecisão de Jasy Jaterê. — Nos deixa aqui sozinhos, que eu preciso falar com ela sobre o modo como ela deve lidar com o mano Aô-Aô.

As histórias sobre Kurupyry eram terríveis, em se tratando de meninas adolescentes. Afinal, ele era o deus da sexualidade e da fertilidade. Porãsy não ouvira essa parte das histórias pelo avô, que a poupara dos detalhes horrendos, mas ouvira de outros, que não tiveram a mesma delicadeza, então temeu o que estava para acontecer consigo.

— Por favor, Jasy! Não vai, não! Fica aqui.

— Porãsy, Porãsy... — Kauã se abaixou e falou com voz suave e sedutora ao ouvido dela. Ela se arrepiou, não sabia se de medo ou atração e desejo. Justificou internamente, que, se fosse desejo, ela não tinha culpa. Quem podia resistir ao deus da sedução? Ela tampouco. — Acha mesmo que a presença dele aqui vai me fazer te poupar? Pedindo que ele saia daqui, estou querendo poupar ele, não você. De mais a mais, se quiser encontrar sua irmãzinha com vida, se pensa em salvá-la, e aos outros de sua família, vai ter que ser muito boazinha comigo.

Porãsy sentiu asco de Kauã. Teve ânsia e quase vomitou. Por mais que ele fosse tão lindo e tão atraente na forma em que se encontrava, o que a esperava a deixou desesperada, e as palavras do rapaz a intimidavam. Pressão psicológica era algo com o que ela nunca lidara antes.

— Vai, Jasy! Vai! — Kauã falou firme com o irmão, que desapareceu, indo em direção ao interior da caverna.

Assim que se viu sozinho com a garota, o ser, que fazia o coração de Porãsy tremer de medo e não mais de paixão, se aproximou ainda mais dela e disse:

— Você vai gostar disso, Porãsy. Eu te garanto que você vai gostar, minha querida. Minha linda. E se não gostar, vai fazer assim mesmo. Sabe... para salvar sua irmãzinha, e até sua família.

Dizendo isso, ele recomeçou a manusear o colar, recitando palavras estranhas. O som que saía de sua boca se assemelhava ao de pássaros e insetos. Enquanto fazia uso de seus poderes mágicos, ele mudou, sua beleza ficou aguda, seus olhos se estreitaram mais e suas sobrancelhas arquearam-se. Seu rosto se iluminou numa beleza exótica, seus lábios grossos terminaram a recitação em meio a um sorriso. Olhou-a sedutor, mas sua testa vincou, como se hesitasse.

Kauã se agachou perto dela e todo o corpo de Porãsy estremeceu. Seu coração acelerou e ela achou que iria desmaiar. Os pulsos começaram a doer devido ao esforço empregado.


><><> 

Continua... 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora