24. Um encontro de dimensão eterna (parte 2)

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(Mais um capítulo para você. 

Comentários são sempre bem vindos) 

***

Lá fora, as águas de Tupã continuavam inundando a terra, ensopando as árvores, animais e a floresta. Nos caminhos formava uma enxurrada que arrastava o que encontrava pela frente. O rio Apa era o destino de toda aquela água.

— Itabira, seja sensato e sirva chimarrão ou tereré, a erva ka'a, cedida por seu dono para os momentos de descanso, companheirismo e confraternização — falou Thomas.

— Você não é o Tumé Arandu das lendas — o tio insistiu. — Ele já se foi, há muito tempo. Ele é dos tempos primeiros.

Itabira repetiu as histórias do pai dele e avô de Porãsy, quase que com as mesmas palavras. Até a entonação foi parecida. Foi como se a personalidade ou espírito do pai o habitasse, naquele instante.

— Você sabe o que estou falando. Olha para sua filha. Ela também é dos tempos primeiros, igual a mim — continuou Thomas. — E, no entanto, eu aposto que ela é tão ou até mais nova do que eu.

— Não estou gostando de seu tom de deboche, rapaz. Minha filha só tem treze anos. — O pai demonstrou toda a irritação que sentia em seu tom de voz. — E você, Thomas, não está bem. Precisa ir para sua casa.

— E eu só tenho quinze — disse Thomas, sem dar a compreender que tivesse ouvido a última frase de Itabira.

— Você só tem quinze anos? — O pai diminuiu a exaltação da voz.

Lá fora, os raios e trovões começavam a diminuir.

— Sim — continuou o rapaz. — No patamar celestial de onde vim, e para onde voltarei após a labuta na Terra que está preparada para mim, habito um corpo físico como este e tenho a idade eterna de quinze anos. Estive lá por esses dias. Fui exaltado por Tupã, elevado em espírito até as alturas de sua habitação.

O pai tentou se conter. Ele conhecia parentes seus que haviam sido elevados aos patamares dos deuses do povo. Se Thomas tinha mesmo experimentado isso, ele era uma pessoa muito especial e digna, não devido a si mesmo, mas pela ação do deus em sua vida. No entanto, Itabira não tinha como acreditar que isso estivesse acontecendo.

Se você estivesse lá, não entenderia o porquê de os pais mudarem a disposição deles para com Thomas de forma tão radical e tão rápida. Também não saberia por que, de repente, a tempestade se tornara só uma chuva mansa e suave, caindo no telhado e árvores, com um farfalhar leve. Mas é que tinha mais coisas acontecendo. As brumas suaves de Tupã percorriam o ambiente, diminuindo a temperatura e acalmando as pessoas.

A cada momento que inalavam o ar, inalavam também da essência dele, que percorria o corpo e saía quando as pessoas expiravam. Essa era uma das determinações primeiras, uma ordenança de Nhamandu, o originador da vida. Tudo que estivesse quente e descontrolado necessitaria de uma interferência para aliviar os ânimos exaltados. E essa era a eterna função de seu filho, Tupã. Controlando as tempestades e transformando-as em chuva suave e brisa, acalmava os corações e sentimentos.

Neste instante, as meninas chegaram na sala. A chuva rareava do lado de fora. O dia começava a surgir no horizonte. O sol começava a clarear o mundo de Pirakuá. Mas ainda era a luz do bastão mágico de Thomas que mostrava cada detalhe.

Assim que viu as irmãs, Thomas se levantou. Percorreu o olhar sobre as três até sua visão parar em Porãsy, onde se deteve. Ainda que acordando naquele instante e estando com o cabelo emaranhado, roupas de dormir sob uma coberta, ela estava linda, e o coração e interior de Thomas foram tomados por puro encantamento. Só então percebeu o tamanho do sentimento que nutria por aquela menina.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora