25. Em um descampado em meio à mata (parte 1)

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Porãsy acordou e, ao abrir os olhos, sabia que estava um belo dia lá fora. A chuva havia passado e a claridade de um dia de sol invadia o quarto. Espreguiçou e se sentou na cama. Amandy dormia aos seus pés e Yvy Rajy na cama ao lado.

Então lembrou-se da tempestade, dos raios, trovões e ventos durante a madrugada, e... de Thomas. Olhou em volta e tudo estava bastante calmo. Balançou a cabeça. Ela sonhara. Tudo não passava de um sonho que tivera. Um sonho que, no fim, se tornara doce e a acalentara, na noite de tempestade.

Levantou-se e foi para a cozinha. Devia ser umas oito horas e estava com fome. Queria ver se achava alguma coisa para comer, mas, no fundo, o que queria mesmo era se certificar de que o que vivenciara na madrugada fora mesmo só um sonho e de que seu primo não estava por ali.

O café estava pronto e sobre a mesa, mas ela não viu seus pais. Bom, nem Thomas, tampouco. A porta estava no lugar, nada molhado, não havia rapaz e muito menos arara. Ficou um pouquinho, mas só um pouquinho mesmo, decepcionada. Sentou-se e tomou o café. Não havia louça suja, senão a que ela usou e lavou em seguida.

Abriu a porta e olhou lá fora. Galhos, folhas e até árvores caídas comprovavam que pelo menos a tempestade não fora um sonho.

De repente, um barulho no alto de uma árvore a despertou de seus pensamentos. Uma arara gritava de uma árvore próxima. Era imaginação sua ou a ave dissera Porãsy? Não. Era imaginação. Estava sonhando acordada, mas havia mesmo uma arara lá.

— Bom dia! Dormiu bem, minha linda?

Porãsy quase caiu para trás, de tanto susto. Do nada, na sua frente, estava Thomas. Ele a aparou e segurou em seus braços, impedindo que fosse ao chão. Com isso, a atraiu para bem perto. Seus olhos tinham um brilho intenso e vivo, então não fora sonho, afinal.

— Desculpe. Acho que te assustei — ele disse com um leve sorriso nos lábios. Um sorriso encantador.

— Quê... que você está fazendo aqui?

— Esperando você, é claro. Se esqueceu do seu compromisso?

Porãsy ficou confusa. Compromisso? De que compromisso ele estava falando? De repente, deu-se conta de que não se recordava de tudo o que havia acontecido naquela noite. Se lembrava da chuva, relâmpagos, raios e tudo o mais, mas não se lembrava do final. Sabia que o rapaz que estava em sua frente era Thomas, é claro, e que ele tinha chegado em sua casa na madrugada, de forma espantosa, debaixo de uma enorme tempestade. No entanto não se lembrava de quando ele saiu, ou se ele havia ficado e dormido na casa dela. Bom, parece que ficara, mas o que mais havia acontecido?

— Que... que... compromisso? — ela disse, afinal.

— No momento, o compromisso é comigo e com as nossas irmãs dos tempos primeiros. Tempo em que os senhores de animais e plantas, bem como de lugares, habitavam a Terra e se relacionavam com os humanos. Estaremos todos em um descampado dentro da mata, aqui perto, mas, dependendo do desenrolar dos fatos, esse compromisso pode ser de muitos dias ou até meses. Vamos?

— Como assim? Que irmãs são essas? Pra onde vamos? Do que você está falando? — A menina não estava entendendo nada.

Para dizer bem a verdade, estava mais perdida na fala do primo do que um cego em tiroteio. Ela se lembrou do ditado popular.

— Já falei: para o local dentro da mata, onde tem um descampado. Pega as suas coisas, as que você achar mais necessárias para um passeio na mata e vamos.

— Espera Thomas! Não posso sair assim, sem saber de nada e sem a autorização de meus pais. Isso tudo é muito estranho e não estou bem certa do que iremos fazer.

— Pois bem, entrem que queremos falar com os dois agora! — Eram seus pais que estavam na frente deles. E eles não pareciam felizes.


Porãsy procurou com os olhos pelas irmãs. Mas constatou que elas não estavam em casa. Naquele momento eram só os quatro ali, e a expectativa da conversa que iria acontecer a assustava.

— Pode falar Itabira, estamos todos esperando. — Começou Thomas, pondo as duas mãos sobre a mesa.

Itabira, porém, não disse nada. Somente olhou para sua esposa que assentiu devagar. Ela inspirou fundo e olhou para sua filha e o primo, e então falou:

— Pois bem Thomas, quem irá falar sou eu! — sua voz era terna, mas firme. — Eu sou mãe e como tal, não me sujeito a desígnios que dizem respeito a minha família. Sou mãe e tomo posse desse direito quando deuses, donos e senhores de qualquer patamar ameacem a minha filha. Sei o que dizem as lendas antigas. Cansei de ouvir essas histórias. E sei também o que elas dizem sobre o destino da Porãsy original. Mas não é o que vai acontecer com a MINHA PORÃSY, pois eu não permitirei! Eu pensei que vindo para cá estaria livre da influência do avô de vocês. E então você aparece aqui para trazer de novo fantasia para o seio de nossa família. As histórias falam de sacrifício, entrega, mas isso eu nunca permitirei! Porãsy é parte de mim. Então eu peço que você saia daqui e esqueça minha filha e que complete sua "missão" sozinho.

Porãsy chegou a perceber um pequeno tremor na voz da mãe. E viu o quanto a mãe estava nervosa. Ela ainda não conseguia entender completamente o que estava acontecendo, uma coisa ela sabia, ela tinha um destino a cumprir, e estava certa de que não tinha como fugir dele, ainda que seus pais tentassem impedir. E tinha um outro fato muito entranhado agora em seu ser. Ela era Porãsy e Thomas era mais que um simples primo. Tinha mais na relação dos dois do que uma simples relação de primo para prima. Ela tinha medo, porém sentia que eles estavam unidos de uma forma que nunca uma outra pessoa poderia compreender.

— Eu entendo sua preocupação meus tios, porém, ambos sabem, especialmente a senhora, tia . Não temos culpa de nossos desígnios, nós não escolhemos nossas missões, se pudéssemos escolher, viveríamos normalmente como pessoas normais, estudando, namorando, trabalhando, casando, tendo filhos. Espero que lembre que temos acima de nós, aqueles a quem devemos honrar, que desde que nosso nome é escrito nos rolos sagrados, nos escolhem e nos guardam e que não podemos virar as costas para eles.

— Thomas, o que nos pede é demais para uma família: entregar nossa filha em sacrifício, como já aconteceu nos Primeiros Tempos!

— Não sou Thomas, sou Tumé Arandu! Quem mais sabe o que aconteceu com minha amada irmã sou eu, pois eu presenciei tudo. Mas garanto que dessa vez tudo será diferente: temos a experiência de nossas vidas anteriores e aprendemos com esses erros. Tudo que peço a vocês é que acreditem em mim.

Nesse instante, as vozes conjuntas de seus pais se exaltaram e os três começaram uma discussão, ou melhor, seus pais discutiam com Thomas e ele os interpelava placidamente, não parecia seu antigo primo. Se ela não fizesse alguma coisa aquilo não acabaria bem.

— CHEGA! — Diante de seu grito todos se assustaram e olharam para ela. — Vocês ficam discutindo sobre mim, mas ninguém perguntou o que penso sobre nada! Vocês são meus pais, lhes devo obediência, porém, o meu destino chegou, contra a vontade de vocês, mas nem Tomé e nem vocês podem me impedir de pensar sozinha.

— Porãsy eu ...

— Pai! Mãe! Eu estou com medo e vocês fazem com que eu me sinta mais apavorada ainda! Eu preciso descobrir tudo sobre minha vida e sobre o que vou fazer.

Nesse momento, sua mãe baixa a cabeça e começa a chorar, Itabira a abraça forte. Porãsy se levanta e os enlaça apertado, ela os ama demais, porém precisa descobrir a verdade.

— Saibam que mesmo contra a minha vontade, eu entendo que não podemos impedi-la de seguir seu destino, mas garanta uma coisa Thomas: Traga-a de volta! — Falou Dhacui enxugando seus olhos com as costas das mãos. 

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(Continua)

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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora