35. Uma espera angustiante (parte 1)

113 17 17
                                    


Porãsy esperou dias ao lado do estranho ser de corpo de lagarto e sete cabeças de cachorros — ou talvez sete cabeças de lobos —. Não foi fácil para ela. No primeiro dia, manteve a maior distância que pôde, mas depois não pôde evitar, e quando a criatura, enfim, puxou conversa, ela respondeu. Como os irmãos tinham imaginado, acostumou-se também com Teju Jagua.

Todos os dias ele saía no mato perto da caverna e trazia frutas para eles, mas não caçava pássaros, como Monhãi. Não caçava nada.

Um dia, Kurupi apareceu de repente, na caverna. Levou mel para o irmão. Porãsy entendeu que Teju devia ter alguma deficiência imunológica ou alguma doença que fazia com que ele tivesse de ingerir uma grande quantidade de mel sempre. Ou talvez fosse porque se alimentava só de vegetais.

Em meio à visita, Porãsy não pôde deixar de ouvir parte da conversa deles.

— Como ela está?

— Se acostumando — respondeu Teju.

— Acha que ela gosta mesmo do mano Monhãi? — Kurupi perguntou, a certa altura.

— Parece que sim, mas não posso dizer com certeza — respondeu Teju Jagua. — Posso sentir seu cheiro e ouvir as batidas do seu coração, que se alteram na presença dele, mas não posso ler totalmente seus sentimentos, porque ela é uma protegida.

— Ela é bonita. Muito bonita — disse Kurupi. — Ainda assim, não fiz nenhum mal a ela. Não consegui. O que, por si só, já é uma forte indicação de que ela pode ser a predestinada do mano Monhãi.

— Eu escuto seus suspiros e percebo mudanças na sua respiração. Ela sente falta dele. Mas não sei se é na intensidade necessária — falou Teju.

— Temos mais indícios. Jasy Jaterê foi impedido, pela magia que a cerca, de levá-la a Aô-Aô, ainda que já a tivéssemos como prisioneira.

— Outra boa indicação — completou Teju Jagua.

Depois, Kurupi falou com Porãsy. Perguntou se ela estava bem e se ficaria bem.

— Tenho medo de Huixon e Aô-Aô. Tenho medo de que, quando eles chegarem, me façam mal.

— Eles não farão. Você estará protegida de Aô-Aô usando paramentos feitos da palmeira Pindó, e Huixon não se alimenta de vivos, só de corpos em decomposição.

Porãsy sentiu náuseas e estremeceu mais uma vez. Kurupi notou. Sentou-se em frente a ela e falou suavemente:

— Eu sei. Isso é horrível. Também é horrível para todos nós e, acredite em mim, até para ele mesmo, mas é o preço que tem de pagar pela imortalidade, até que a maldição seja quebrada.

Porãsy não podia perder aquela oportunidade. Tinha de descobrir a que se referiam quando falavam em maldição.

— Que maldição é essa?

— A maldição lançada por Arasy, a deusa companheira de Tupã. Ela teve inveja de Kerana e de sua beleza. Quando Tau se apaixonou por Porãsy, Arasy o preveniu de que ele não poderia tocá-la, mas ele não resistiu. Angatupyry, o espírito do bem, sabia do mal que viria sobre todos, se Tau se deixasse levar por sua paixão, e tentou impedir. A luta entre os dois durou sete dias e foi horrível. Angatupyry se mostrou mais forte e estava para vencer. Tau, percebendo isso, convocou Pytajovái, o deus da guerra, para ajudá-lo. Pytajovái o socorreu e derrotou Angatupyry. A partir daí, Tau não teve mais controle de si. Foi dominado por seu lado mais cruel e fez todo o mal à minha mãe, Kerana, que é narrado nas histórias.

— E quanto a vocês, os irmãos, como é isso?

— Arasy nos condenou com as piores maldições. Tau já estava condenado e ela nos condenaria também. Ela amaldiçoou um por um. Cada um se tornou um monstro incontrolável, ainda antes de nascer. Se Tupã não interferisse, talvez tivesse sido o fim da humanidade, que ainda era tão pouca sobre a Terra. Assim, adquirimos formas horríveis, mas o interior nem sempre é tão ruim. Somente Aô-Aô é, ainda hoje, incontrolável. Nada nem ninguém consegue detê-lo. Ele foi destinado a vingar nossa mãe, matando e se alimentando de humanos. Também é algo de que ele não tem controle.

— E como se quebra essa maldição? — Porãsy perguntou, lembrando das conversas ouvidas.

Ao ouvir isso, Kurupi teve um sobressalto. Respirou fundo, a olhou nos olhos e depois respondeu:

— Sobre a quebra da maldição, você não pode saber. Não agora. Mas saberá no momento exato em que precisar — Porãsy ficou desapontada com a resposta.

— Espera aqui um pouco, que eu tenho algo para você — ele disse, se dirigindo ao interior da caverna.

Voltou, em seguida, com um embrulho nas mãos, que entregou à garota. Ela o pegou e olhou intrigada.

— Abra — ele disse. — É meu presente de casamento para você.

Porãsy ficou pensando onde Kurupi queria chegar com aquilo. Qual maldade ele estaria tramando. Mas, ainda que um pouco temerosa, ela desatou os nós dos fios que prendiam o papel do embrulho e viu o que havia dentro: um vestido e enfeites feitos de sementes e flores.

Ela ergueu o vestido e o estendeu diante de si. Era lindo. Suas cores lembravam as flores amarelas do vale e a suavidade da neblina formada pela precipitação das águas das cachoeiras.

— Um vestido? — ela disse.

— O vestido do seu casamento. E alguns enfeites. Eu mesmo os teci. São feitos de fios retirados da palmeira pindó. Mas só podem ser usados no momento do casamento. Não antes.

— E por que são feitos de fios da palmeira pindó? — Porãsy perguntou, mas, em seu coração, temeu ouvir a resposta que Kurupi daria.

— Se o que esperamos não der certo; se a predição não for verdadeira ou não for como estamos acreditando que seja, usando essa roupa você estará protegida de Aô-Aô, e poderá escapar. Você não pode morrer, Porãsy. Sobreviva, por favor — dizendo isso, ele tocou seus cabelos, depois o rosto. Olhou profundamente em seus olhos.

Com as mãos no pescoço de Porãsy, a atraiu para si e a abraçou. Por instantes, a garota pensou que ele a beijaria, mas ele só a segurou junto a si. A menina sentiu, naquele momento, que ele a amava e queria protegê-la.

Quando se afastou dela, o adolescente lhe deu um frasco com um líquido perfumado.

— Esse óleo é feito da castanha do coquinho da palmeira Pindó com o aroma da flor. Passe sobre todo o corpo, ao se banhar, no dia do casamento. Ocultará seu cheiro natural de Aô-Aô, se for necessário. Esse dia não será um dia fácil. Você sabe.

Então ele se despediu e se foi. Não deu tempo de Porãsy perguntar mais nada. Disse que estaria de volta, junto com Jasy Jaterê, no dia do casamento dela com Monhãi.

><>< 


(Não se esqueça de votar na estrelinha*. E deixe o seu comentário. O livro está chegando ao fim, e gostaria de saber o que está achando da história). 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora