10. A nova escola (parte 2)

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A aula era sobre um poema de Emannuel Marinho, um poeta de Mato Grosso do Sul, que tinha como título "Genocídio", mas era mais conhecido como "Tem pão velho?". Tratava da questão indígena e era um poema de que Porãsy gostava muito. Ela o sabia de cor e o havia recitado no quinto ano, em uma apresentação da semana do índio, com a tão querida professora, que amava os índios, suas histórias e mitologia.

O poema falava de crianças indígenas na cidade, pedindo pão velho, mas que recebia só negativas. Não, ninguém tinha pão velho para elas, pois todos só tinham dinheiro para os carrões, mansões, viagens. Ninguém tinha dinheiro para investir em uma criança indígena.

A aula seria maravilhosa, não fosse um problema: o preconceito e discriminação para com os povos indígenas por parte de alguns dos alunos, então colegas de Porãsy.

O ódio incrustrado nos corações e mentes dos adolescentes, em especial de uns filhos dos grandes fazendeiros da região. Em pouco tempo, a professora lutava para ter controle da sala e para calar aqueles que chamavam os índios de selvagens, preguiçosos, justificando a falta de pão para as crianças como sendo culpa dos indígenas que, segundo eles, não trabalhavam.

— Não tem pão para esse bando de vagabundos, mesmo, não. Nem pão velho! — disse um dos meninos que Porãsy identificou como sendo um dos mais velhos da turma. A sua calça jeans, seu tênis e casaco denunciavam que era rico.

— Trabalhar, esse bando de preguiçosos não quer! Cadê que pedindo um trabalho? Fica, esse bando de gente imprestável nas ruas, pedindo. Não querem trabalhar, mas querem ter terras. Ficam aí, brigando pelas NOSSAS terras! Bando de gente à toa. Tinha é que matar!

Quando o garoto falou isso, o ódio invadiu Porãsy e tomou conta dela. Em fração de segundos, antes que alguém entendesse o que estava acontecendo e pudesse, de alguma forma interferir, ela estava em cima do garoto!

Quase tão rápido como um raio, o rapaz caía para trás, sobre mesas e cadeiras. Ela o havia socado e a força usada fora tal, que o rapaz não teve como se defender.

Na verdade, nem Porãsy entendeu como tinha feito aquilo. Ela podia jurar que não tinha aquela força, e não imaginava onde a arranjara. Mas ali estava ele, caído sobre uma cadeira e quando, por fim, se levantou — Porãsy chegou a ficar com medo de que ele tivesse batido a cabeça muito forte e tivesse morrido — seu nariz sangrava.

O silêncio de todos era tanto, que Porãsy escutava as batidas de seu coração.

O jovem encarou a menina por um instante, sem ação, então passou a mão no sangue, que escorria, e olhou, primeiro para o sangue na mão e depois para ela.

— Isso não vai ficar assim! Sua bugra! — Enfim, explodiu! — Tinha que ser uma bugra! Não sei até quando essa escola vai ficar aceitando esses bugres idiotas! Lugar de índio é na selva. Mata é que é lugar de bicho!

Ela já ia para cima dele de novo, quando a professora, agora já no controle da situação, a segurou. Ele ajuntou suas coisas e saiu xingando a menina.

Depois de alguns instantes, em que todos permaneceram sem ação, um dos colegas ergueu a mesa do rapaz que saíra e, de repente, Porãsy percebeu que a sala estava no mais completo silêncio e todos a encaravam aturdidos. Viam-se lembrança de sorrisos nos rostos de alguns deles.

A menina da aldeia, sua colega e então amiga, se aproximou, pegou sua mão e apertou.

Em um sussurro, ela falou:

— Valeu! Você foi demais! Lavou nossa honra!

Quando a professora, afinal, se recuperou do seu transe, percebeu que ainda segurava Porãsy, e a soltou:

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora