13. Ruim no corpo e na alma

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O dia amanheceu bem mais quente, o que Porãsy não estranhou de jeito nenhum.

Se existe um clima totalmente bipolar, que não está nem aí para uma regularidade, é o clima de Mato Grosso do Sul. Ela sempre pensava assim. O clima do estado é o mais imprevisível que existe sobre a face da Terra. Ele varia de quarenta graus positivos a dois negativos. E não se pode dizer que uma é a temperatura do verão e a outra é a do inverno, pois as duas temperaturas podem acontecer no espaço de uma semana ou menos. Então, como era de se esperar, o frio não duraria muito.

— Filha, vai com calma, hoje. Não quero ser chamado na direção da escola de novo tão cedo!

Pelo que Porãsy contava, era a centésima vez que seu pai lhe chamava a atenção pelo ocorrido na escola: o pequeno detalhe dela ter esmurrado um garoto!

Mas ela, por si mesma, já havia decidido ir com calma. Não queria mais atritos como o do dia anterior com os seres desprezíveis, como ela considerou o adolescente com quem brigara, que cruzassem seu caminho.

Garantiu para si mesma ser uma autêntica adolescente de sua etnia e que ficaria quieta e calada diante de todas as possíveis provocações que surgissem no dia. Não tinha certeza de que conseguiria cumprir. Ela sabia que não era como a irmã, tão calma e controlada, mas pelo menos tentaria. Foi a promessa que fez para si mesma.

Era ainda muito cedo e estavam tomando o café da manhã. Yvy Rajy e Porãsy usavam suas camisetas novas do uniforme, que os pais pegaram no dia anterior ao fazerem as matrículas e, já tão cedo, ouvir as reclamações e serem informados da advertência que a filha recebera. E, bem... a direção da escola pegara pesado. Também não era para menos.

Até aquele momento, Porãsy não entendia como voara para cima do carinha daquele jeito. Está certo, ela é um amor de menina, mas é também impulsiva, sangue quente. Ainda assim, achou que aquilo foi demais.

Os amigos e companheiros de escola, que estavam se tornando também os principais amigos locais das meninas — pelo menos era isso que parecia—, já as esperavam do lado de fora da casa. Assim, as irmãs não demoraram mais e saíram com eles.

— Oi, gente — Porãsy os cumprimentou, assim que saiu pela porta.

— Oi — eles responderam juntos.

— Vamos? — Yvy Rajy já estava na estrada.

Enquanto se dirigiam até o ponto do ônibus, as novidades começaram a serem colocadas em dia. Porãsy contou da reunião dos pais na escola, das ameaças da direção em dar a transferência a ela, se não se comportasse melhor a partir dali.

Os novos amigos se manifestaram a favor da menina. Fizeram piadas e riram, aumentando cada vez mais a história de como havia sido a reação dela no episódio. Só a irmã mais velha permaneceu séria.

Como no dia anterior, o ônibus chegou no horário. Todos subiram e tomaram quase os mesmos lugares. O ônibus passou por todos os mesmos pontos. Porãsy recostou ao vidro e então pareceu cochilar, mas, se isso aconteceu mesmo, não demorou muito tempo, foi apenas até o ponto em que ele, o menino estranho, subia. A menina voltou a si, em um susto, com Guarasyáva cutucando-a.

— Olha quem está subindo no ônibus, mais lindo do que nunca.

Porãsy olhou, é claro. E tinha como não olhar? Superficialmente, ele não tinha nada de diferente dos outros garotos da mesma idade, no entanto, aquele rapaz era encantador demais para ela. E pareceu à adolescente que as amigas achavam o mesmo. Porãsy olhou em volta e percebeu que quase todas as meninas do ônibus o encaravam. Até Yvy. Disso ela se admirou. Até sua recatada e discreta irmã estava olhando para ele.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora