25. Em um descampado em meio a mata (parte 2)

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Mais tarde, Porãsy não saberia dizer como ajuntara coisas como garrafas d'água, bolachas, uma pequena faca e outros objetos, colocando tudo dentro de uma mochila, e saíra com o primo, enfiando-se na mata próxima para se encontrar com pessoas que sequer sabia quem era. Só conseguiria afirmar que sentiu um impulso, um mover interno, uma intenção à qual não podia resistir. Então seguiu os passos seguros de Thomas.

Embrenhando-se cada vez mais fundo na mata, o rapaz parecia conhecer os caminhos e trilhas. Caminhavam em silêncio, às vezes olhando para trás, para incentivá-la com um sorriso, e seguia em frente.

Depois de algum tempo de caminhada, encontraram o tal lugar de que o primo falara. A mata era fechada em volta, mas havia o descampado, um lugar coberto de grama e flores rasteiras. Não era um espaço muito grande, mas era muito bonito. Estava quente, mas a brisa refrescava.

Caminharam mais de uma hora, segundo o relógio do seu celular, que insistira em trazer, mas que vira que não teria utilidade, pois estava descarregando e não tinha sinal de internet naquela lonjura.

Ao chegarem, Thomas assobiou, e a arara, que os seguia de perto, pousou em seu braço, então, do outro extremo, em meio à vegetação, apareceram duas pessoas. Porãsy percebeu que elas já estavam ali os esperando, talvez. Eram duas meninas. Enquanto se aproximavam, Porãsy reconheceu uma delas: Guarasyáva, sua colega. Fez cara de boba ao vê-la, mas sua amiga lhe sorriu confiante.

— Guarasyáva e Tupinambá, esta é Porãsy. — Thomas apresentou as duas jovens. Ambas mais ou menos da idade de Porãsy, com quase a mesma altura e formato de corpo. — E, virando para ela, continuou as apresentações: — Porãsy, essas são Guarasyáva e Tupinambá.

É claro que Porãsy já conhecia Guarasyáva. A garota era a sua amiga e companheira da escola. Só não sabia o que ela estava fazendo ali e de que forma estava envolvida nas tramas de seu primo, então ficou observando-a, esperando que falasse alguma coisa.

A outra adolescente, que o primo apresentara como Tupinambá e que Porãsy não conhecia, era linda! Tinha a aparência semelhante a outras meninas indígenas: cabelos longos e pretos, e olhos também muito pretos, mas era magra. As duas meninas usavam shorts e camisetas. Como Porãsy, elas também estavam com mochilas às costas.

— Prazer — a garota desconhecida disse, oferecendo a mão à Porãsy. — Então você é a famosa Porãsy. Ouvi falar muito sobre você.

— Oi, Porãsy — Guarasyáva foi mais sucinta no cumprimento.

Porãsy não compreendeu o que a outra menina quis dizer. A bem da realidade, não estava entendendo nada do que estava acontecendo ali. De novo. E ela não gostava de se sentir por fora dos assuntos e acontecimentos, como estava acontecendo naquele momento: perdida e desorientada. Aliás, ela pensou, estava se sentindo muito assim, nos últimos tempos. Talvez estivesse ficando louca mesmo, como acreditava. O povo da tribo não tinha aquelas crenças de que na idade dela muitas meninas ficavam loucas? Então. Devia ser isso que estava acontecendo.

Com isso, Porãsy ficou chateada. Brava mesmo. Seu rosto transpareceu o que ia em seu íntimo. Mas ela não sabia com quem estava brava. Talvez com um ser que mandava no interior das pessoas e na natureza. Que droga de novo! Havia amanhecido tão bem, estava tão feliz e, então, aquilo. Aquele sentimento estranho, aquele sufocamento, um medo que já queria tomar conta dela. Se estava louca, quando exatamente isso começou a acontecer? Foi quando chegaram em Pirakuá? Ou foi antes? Talvez, já estivesse alterada em Apyka'i mesmo, afinal, foi lá que vira, pela primeira vez, a aparição do rapaz que depois conheceu como Kauã.

— Famosa, entende? — Tupinambá tentou se fazer entendida, ao perceber o estranhamento da menina. — Tipo, falaram muito de você pra gente.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora