34. Com Monhãi e Teju Jagua

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Os primeiros dias foram terríveis para Porãsy. Antes de se deparar, pela primeira vez, com Teju Jagua, ela pensava que já tinha visto a pior coisa do mundo: Monhãi. Mas estava enganada. Teju Jagua conseguiu ser, à primeira vista, ainda pior. Apesar disso, aguentou firme. Se havia conseguido se acostumar com Monhãi, poderia fazer o mesmo com Teju Jagua. Era por uma boa causa, e estava focada.

A primeira noite foi a pior de todas, e não conseguiria dormir se Monhãi não tivesse feito com ela o mesmo que fizera quando passaram a primeira noite juntos ao relento, durante a viagem. Mais uma vez, ele a enfeitiçou com os chifres reluzentes e a fez dormir. Depois, se enrolou ao seu lado e dormiu também.

No outro dia, quando Porãsy acordou, nenhum dos irmãos estava por perto, mas as frutas estavam lá, como nos outros dias. Ela se alimentou e aguardou. Sabia que Teju Jagua estava por perto, em algum lugar na caverna, pois ele não saía muito, mas Monhãi, ela não sabia onde se encontrava.

Não demorou muito e seu noivo apareceu. Ao que Porãsy pôde perceber, ele estava caçando e fazendo seu desjejum. Monhãi entrou rastejante e foi até ela:

— A dorminhoca acordou. Não é minha mãe, mas também gosta de dormir.

Porãsy lembrou ao que ele se referia. A mãe dos sete irmãos lendários recebera o nome de Kerana por gostar muito de dormir, mas Porãsy não era como ela. Só conseguiu dormir porque Monhãi a enfeitiçara, e sabia disso.

— Você sabe por que consegui dormir durante toda a noite — foi só o que disse.

— Sim, eu sei. — Ele ficou quieto por um instante e depois voltou a falar: — Preciso resolver umas coisas com você.

— Resolver umas coisas comigo? — A garota se assustou.

— Sim. Preciso sair e localizar Huixon e Aô-Aô para trazê-los para o nosso casamento. Você acha que consegue ficar bem aqui com Teju Jagua?

Porãsy não saberia dizer o que era pior: ficar com Teju Jagua na ausência de Monhãi ou encarar, depois, os outros dois irmãos, que acreditava serem os mais terríveis.

— Eu não sei — respondeu, muito assustada. — O que você acha? Ele não vai me fazer nenhum mal?

— Não. Teju Jagua é incapaz de fazer mal a quem quer que seja. Ele é um ser do bem. Tem a natureza da mãe. Só tem de assustador, mesmo, o corpo, mas você se acostuma. — Ele parecia se divertir ante a ideia dela de que seu irmão pudesse lhe fazer algum mal.

— Se você está dizendo...

— Eu te garanto.

— Onde ele está? Não o vi hoje — Porãsy declarou.

Não que ela quisesse vê-lo, mas queria se garantir de não ser surpreendida de repente.

— Está lá dentro. Vou chamá-lo. Você teve pouco contato com ele ontem.

Monhãi soltou um som parecido com um assobio agudo. Porãsy estremeceu. Em resposta ao assobio, um barulho estrondoso começou a vir em direção a eles. Logo Teju Jagua apareceu.

Agora, à luz do dia, foi possível a Porãsy vê-lo com clareza. Era uma criatura estranha. Muito, muito terrível de se ver. Enorme. As sete cabeças chegaram junto dela. Os olhos brilharam e pareciam irradiar fogo. Mas só parecia.

— A menina acordou — ele disse.

— Sim — Monhãi respondeu.

Ele a olhou. Sete pares de olhos a encararam, a examinaram e a assustaram terrivelmente. Porãsy começou a tremer. Escondeu as mãos nas costas para que elas não a denunciassem, mas era impossível esconder o medo que a dominava.

— Calma, Porãsy — uma das cabeças falou e a garota pensou que desmaiaria. — Não vou lhe fazer mal.

Ela respirou e respirou. Inspirava insistentemente, tentando trazer para si o ar que não encontrava.

— Acho que não vai dar certo, Monhãi — uma outra cabeça disse, e Porãsy não soube qual delas. Tremia demais. — Essa menina está a ponto de morrer de medo de nós. Como poderá cumprir a profecia? Porque, se ela não preencher todos os requisitos da deusa, não seremos libertados.

— Ela vai se acalmar, Teju. É só uma questão de tempo. Ela vai se acostumar com você também. Já se acostumou comigo.

— Pode ser... coisa que duvido. Sinto muito. — Teju pareceu descrente. — Ainda assim, não significa que a outra parte do acordo dos deuses possa ser cumprido por ela.

— Ela conseguirá, mano — Monhãi disse. — Sei que conseguirá. Já está conseguindo.

Porãsy olhava de uma criatura a outra. Não sabia do que eles falavam, mas também achou que poderia se acostumar com Teju Jagua. Era só imaginar que eram sete enormes cachorros ou lobos. Ela amava cachorros. Não devia ser tão difícil encarar sete cabeças de cachorros. Quanto ao corpo, não poderia dizer o mesmo. O corpo de Teju ela sequer tinha coragem de olhar.

— Precisamos conversar, mano — sibilou Monhãi. — Só nós dois. Tenho umas coisas para acertar para o casamento e tenho que chamar Huixon e Aô-Aô. É necessária a presença de todos para que a maldição se quebre.

Os dois saíram juntos para o fundo da caverna. Porãsy tentou se acalmar e se forçou a parar de tremer. Tentava juntar as peças para completar o quebra-cabeça de profecia e maldição de que tanto falavam. Da parte dela, no que recebera orientação de Thomas, deveria fingir gostar de Monhãi, aceitar casar com ele e atraí-lo para aquela caverna. Porãsy também entendia a parte de que era preciso estarem todos os sete irmãos juntos, já que Thomas traria um grupo para surpreendê-los. No entanto, não entendia o que os irmãos diziam de quebra de maldição.

Quando voltaram, Monhãi se limitou a despedir deles e sair. Talvez demorasse uns dias, foi o que disse no final. Porãsy o acompanhou até a saída da caverna, depois o observou deslizar na vegetação. Ainda conseguiu, algumas vezes, ver ele saltar de uma árvore à outra com incrível habilidade. Ela pensou que sentiria sua falta, principalmente para dormir.


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Nota de rodapé 

1- Kerana em língua indígena Guarani significa dorminhoca, ou a que gosta de dormir. 


Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora