31. Uma estranha jornada

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A jornada de Cerro Cavaju até a colina de Jaguaru durou cerca de três dias. Ao sair da gruta de Monhãi, Porãsy jamais teria como conceber que a viagem transcorresse como transcorreu. Monhãi não era o monstro que todos diziam ser. Sim, ele tinha aquele asqueroso corpo de serpente e uma cabeça com dois chifres que refletiam as cores do arco-íris, mas era mais ágil do que ela imaginara. E voava. Ou melhor, pulava longe, como Porãsy pôde presenciar depois.

O senhor dos ares subia em árvores com grande agilidade e galgava de uma à outra, mas o que mais a surpreendeu foi o fato de que ele não era ruim. Não, Monhãi, definitivamente, não era ruim. Ainda que preso à sua forma medonha, devido à maldição da deusa Arasy, ele era bom. Ou Porãsy estaria enfeitiçada?

No começo, ficara apavorada. Já era pavoroso andar ao lado de uma enorme serpente, mas quando a garota descobriu que ele conseguia subir em árvores de forma rápida e eficiente, e pular de uma árvore para outra, ela estremeceu e ficou paralisada. Por mais que tentasse, não conseguia ir em frente. Perdeu toda a força das pernas. Se aquele monstro, com aquela habilidade para se mover, subir em árvores e saltar, se voltasse contra ela, ela não teria a mínima chance de escapar.

— Que foi, menina? Por que parou? Está cansada? — Monhãi desceu da árvore onde se encontrava e foi até ela. Sua voz era sibilante, mas suave.

A garota não conseguiu responder. A coisa chegou aos seus pés, se ergueu sobre si para se colocar à altura da adolescente, e a encarou.

— Não — respondeu ela, em um impulso. — Apenas assustada, desculpe!

— Assustada com o quê?

Porãsy não podia responder que estava assustada com ele. Não se quisesse continuar com o plano de garota apaixonada. Tentou se controlar e, por fim, respondeu:

— Tenho medo de tudo... medo de não ser aceita por seus irmãos, de que eles não gostem de mim e impeçam o nosso casamento — ela tremia e sua voz falhava.

Monhãi se sentiu lisonjeado. Será que ela viu felicidade em seu olhar?

— Não se preocupe. Eles vão gostar de você, assim como eu, e, ainda que não gostem, você vai se casar comigo e, não, com eles — Monhãi disse, se abaixando e, em seguida, voltando a deslizar.

"Como se isso fizesse alguma diferença", pensou.

Porãsy pensou que nada poderia deixá-la mais assustada do que já estava. No entanto, estava enganada, e logo descobriria isso.

No primeiro dia, Monhãi se mostrou atencioso com ela. Era sensível ao seu cansaço, sede e fome. Guiou-a a fontes de água, trouxe-lhe frutas que apanhou em árvores frutíferas, nas quais subia ágil. Chegou a oferecer a Porãsy um pássaro que caçara para si. Ela teve dó do animalzinho e agradeceu. Achou que agindo assim, ele liberaria a ave para voar e ir embora. No entanto, o que ela presenciou a deixou transtornada. Monhãi colocou a ave viva na boca. O pobre pássaro ainda se debatia quando ele começou a mastigá-lo. O sangue cobriu a sua boca e dentes.

Porãsy virou o rosto e lágrimas vieram aos seus olhos. Ela se sentiu mal e teve enjoo. Chegou a quase vomitar. Abaixou a cabeça entre as pernas e respirou fundo. Monhãi percebeu o sentimento dela com relação àquela estranha refeição e prometeu que não mais comeria mais aves cruas e vivas junto dela.

O fim da tarde chegou e Porãsy pensou, pela primeira vez, como seria a noite. Dormir junto de Monhãi devia ser algo tão pavoroso, que nem conseguia imaginar. Assim, quando os últimos raios de sol sumiram após as colinas, e o manto da noite subiu sobre eles, Porãsy começou a temer.

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora