30. Raptadas (parte 2)

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Eles tinham pressa, portanto não demorou muito para chegarem à casa dos pais de Yvy e Porãsy. Ao se aproximarem, os amigos perceberam que não havia mais aquela intensa movimentação que acontecia no local antes de saírem. Aparentemente, as pessoas que estiveram ali ajudando na busca por Amandy haviam ido embora.

— Que estranho. muito quieto, lá em casa — comentou Yvy.

— Tá mesmo — concordaram as outras meninas.

— Voa, Gwa'a — dizendo isso, Thomas deu um impulso para que a arara voasse e saiu correndo. A ave foi em direção a uma outra, no alto, e as duas acompanharam a corrida do adolescente.

Yvy, assim que entendeu a ação do primo, também saiu correndo, sendo seguida pelas outras duas garotas.

Em poucos instantes, eles chegaram na casa e como não viram ninguém do lado de fora, passaram direto para dentro da residência, entrando pela porta da cozinha. Na cozinha, também não tinha ninguém. Todas as pessoas que se encontravam na casa estavam reunidas na sala.

Assim que o grupo entrou na sala, Thomas reparou em todos que estavam ali: o avô Tupã'y, a tia Dhiacuí, o tio Itabira e mais algumas pessoas de quem não lembrava o nome, apesar de já os ter visto por ali.

— Agora que retornaram, Thomas? — Dhiacuí perguntou. — Vocês demoraram muito. Cheguei a pensar que não tinham visto a Amandy chegar de volta.

— Como assim? — Yvy perguntou, olhando em volta e procurando pela irmã menor. — A Amandy está aqui? Ela voltou?

— Claro! Ela disse que passou por vocês no caminho. Vocês não a viram?

— Não! — o grupo todo respondeu junto.

— Onde ela estava? — Yvy perguntou novamente. — Com quem ela estava? Nós não a vimos e não passamos por ela em momento algum. Nós teríamos visto.

— Claro que passou, mana — Amandy saiu tranquilamente do quarto com uma boneca na mão. A pequena foi até onde a irmã estava e a abraçou, sendo correspondida amorosamente por Yvy. — Vocês me viram quando passei por vocês. Eu dei tchau e falei que já tava vindo para casa.

Os amigos se entreolharam assustados. Do que Amandy estava falando?

— Não! Você não passou por nós! — Thomas e Yvy falaram juntos.

A pequena pareceu não dar mais atenção a eles. Deixou a irmã, foi para perto do avô, se sentou ao lado dele no sofá, repousando a cabeça em sua perna, ainda brincando com a boneca.

— Mãe, pai! Eu juro que não passamos por Amandy no caminho, e em lugar nenhum a vimos. A gente ainda estava procurando por ela. Só voltamos pra casa porque achamos que precisávamos de ajuda para recuperar ela e Porãsy do Kurupi e do Jasy Jaterê. A Porãsy voltou também?

— A Porãsy? Não! A Porãsy estava com vocês.

— É, estava. Não mais. É disso que estamos falando — Thomas interveio, muito agitado. — O Kurupi e o Jasy Jaterê levaram Porãsy, e a gente achava que tinham levado Amandy também.

Dhiacuí e Itabira olharam para eles, assustados. O avô estremeceu e se colocou de pé em um só movimento, tirando a cabeça da neta e afastando a boneca.

— A Porãsy o quê? — perguntou Itabira, visivelmente agitado. — Onde está Porãsy? Vocês estão dizendo que ela não está com vocês? É isso que vocês estão dizendo?

— Cadê a ela? — Dhiacuí passou da sala à cozinha e da cozinha para fora, no espaço externo da casa. — Porãsy? Porãsy? — Essas últimas palavras, ditas após constatar que a menina não estava por ali, foram gritadas, chamando-a.

— O que aconteceu com a menina? Onde vocês a deixaram, Thomas? — o avô interpelou o rapaz de forma direta.

— Eu não sei, vô. Por isso voltamos. Por isso estamos aqui. Ela desapareceu à nossa vista. Foi muito rápido. O tal do Kauã falou para aquele menininho loiro desaparecer com ela. Ele pegou aquela vara que ele tem, falou umas palavras que ninguém entendeu nada e os dois sumiram. De uma vez.

— Meu Deus! Você deixou os monstros levarem ela. Logo você, Thomas! Quando eu descobri quem você realmente era e qual era o seu papel na vida da Porãsy eu me tranquilizei um pouco. Pensei que ela estaria segura. Achei que você a protegeria com a própria vida. Como eu estava enganado!

— Vô... — Thomas estava muito envergonhado e constrangido. — Desculpe. Eu sei que tinha de protegê-la, mas foi muito rápido. Não deu tempo nem de raciocinar. Os dois se ajuntaram e levaram ela.

— Levaram ela para onde? Quem levou? Que dois? — a mãe não deixava Thomas explicar o ocorrido na mata.

— Thomas, seu desgraçado. Eu te disse que você era bem-vindo aqui se não viesse com essas histórias de bêbado safado e drogado sem vergonha. — O pai de Porãsy tomou o adolescente pela gola da camisa, vermelho de raiva. — Fala agora o que você fez com a minha filha ou eu te espanco, garoto! Pode ter certeza!

— Pai, não! Calma! — Yvy se colocou entre o pai e Thomas. — O primo tá falando a verdade. Foi aquele menino loiro, diz que irmão do Kauã, mesmo. Foi como Thomas disse. Ele fez uma espécie de mágica e a Porãsy desapareceu.

— Foi o Jasy Jaterê, mana? Então a Porãsy tá bem. Ele não vai fazer nada de ruim com ela, não. E vai trazer ela de volta, igual fez comigo — Amandy falou com voz tranquila.

Ao ouvirem as palavras da pequena garota, todos se voltaram para ela.

— Do que você está falando, minha neta? — o avô se abaixou perto dela.

— Quem me levou pra passear nas grutas foi aquele menininho da sua sala, mãe. Sabe aquele karaizinho (1) que estuda na sua sala? Aquele, mãe, que tem o cabelo loiro e cacheado. Pois é, foi ele que me levou pra passear com ele e me trouxe de volta direitinho. Vocês viram. Ele é bonzinho. Não faz mal pra ninguém. Ele até me protegeu do Bicho Papão e da Cuca.

— Filhinha, do que você está falando? — A mãe também se abaixou junto a ela e falou, com a voz mais suave que conseguiu naquele momento.

— Mãe, eu não disse, quando cheguei, que tava brincando com um coleguinha? Então: era com ele. Eu te falei.

— Filha, mas o Bicho Papão e a Cuca? Você os viu? Onde? O que queriam fazer com você.

A pequenina sequer percebeu os olhares desesperados para ela e o medo estampado nos rostos.

— Eu vi, mãe. A Cuca é igual àquela do Sítio, daqueles CD's que você comprou pra mim. Tem corpo de jacaré. E o Bicho Papão é estranho. Muito estranho.

Respondendo isso, ela saiu e foi para o quarto, deixando todos desesperados. Onde estivera Amandy? E pior: com quem?


Nota de rodapé:  

1- Karaizinho – diminutivo de Karai. Na fala Amandy misturava língua indígena e língua portuguesa, em uma única palavra, para dizer "pequeno garoto branco". 


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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora