18. Thomas e Gwa'a Hovy: a arara azul (parte 2)

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Dias depois, Thomas investigava as plantas da mata ciliar que cerceava o acampamento indígena de Apyka'i. Não era fácil penetrar o emaranhado de galhos, cipós, plantas rasteiras, bromélias.

Ele precisava encontrar a planta que procurava. A planta certa. Já reconhecera jequitibás, paus ferro, cedros, jacarandás e até pau-brasil, mas não era uma planta de grande porte, a que ele procurava, e sim a erva que lhe serviria para realizar a infusão.

O adolescente avistou um agrupamento de palmeiras Pindó, a palmeira que protegia do monstro Aô-Aô. Lembrou-se de Porãsy. Ela estaria bem? Teria tido outros encontros com as criaturas? Desde o dia em que avistara o rapaz desconhecido na mata local e ficara tão assustada, Thomas se convenceu de que era a hora de começar a agir. Afinal, se Porãsy era a menina marcada pelos filhos monstros de Kerana e eles a estavam rondando, ele era o rapaz designado, desde o princípio, a dar o suporte de que ela precisaria para enfrentá-los. Ele soube disso imediatamente ao seu contato com a arara.

Logo após seu encontro mágico Thomas procurou o avô e falou para ele tudo que a arara tinha lhe falado. O Avô percebeu que aquele era o momento. Então explicou as histórias mais uma vez ao neto. Tupã'y falou sobre as ervas, ensinou pequenos rituais de comunhão, comunicação e para repelir influências maléficas. Ele também explicou o uso de certas plantas para afastar as doenças, afastar o mal.

E tinha os sonhos. Thomas sonhava com tempestades, com florestas fechadas, cerrados, campos e seus moradores, deuses e Senhores dos territórios, e principalmente com os temidos monstros lendários. E foi dessa maneira que ele percebeu como o seu destino e o de Porãsy estavam interligados.

Como a arara Gwa'a Hovy havia lhe transmitido, o recado secreto era sobre uma erva e um ritual. Tupã considerara que Thomas, depois dos tantos sonhos, das conversas com o avô e das tantas pesquisas realizadas por ele para se inteirar de tudo que se referia aos terríveis seres, era agora digno de receber a revelação, até ali secreta. Thomas iria conhecer a erva mágica, a ka'aruvixa, erva que trazia, em si, o dom da eterna juventude.

No entanto, não se tratava apenas de ser digno e de ser merecedor de receber esse conhecimento. Cada bênção trazia em si uma maldição, ou melhor, a possibilidade de maldição. Isso, se os requisitos básicos de acesso e uso não fossem cumpridos zelosamente.

Então Thomas recebeu não só o conhecimento da erva, mas também as condições para as utilizar e o como fazer.

A arara, que fora do deus Jahari e hoje é mensageira de Tupã, foi muito clara no que se referia a retransmitir o recado dele. Aliás, essa classe de aves e animais é muito boa nisso: em repetir o que ouviu. E Gua'a Hovy, a Arara Azul, fora adestrada pelo próprio deus das tempestades.

— Para aquele que beber da infusão da ka'a ruvixa haverá uma vida feliz. Para ele e para os que o acercam. Ele será sábio e sua sabedoria sobrepujará a da maioria dos mortais. Também estará a salvo de qualquer doença. Mais do que isso, pode se tornar imortal, mantendo sua eterna juventude. Será forte e corajoso e terá acesso a visão do mundo espiritual.

Thomas não estava muito interessado nessa parte. O que interessava a ele era adquirir poder para proteger e salvar Porãsy. Nos últimos dias estudara bastante, sozinho e com os mais velhos. Se empenhara em conhecer, reconhecer, coletar, preparar e saber usar a erva dos deuses.

Por isso longevidade ou, até mesmo, imortalidade, não lhe importavam, sua impaciência juvenil o fez imprudente ao "ouvir" rápido demais a última parte das recomendações:

— A mulher que tomar da infusão da ka'a ruvixa se fortalecerá. Será muito fértil, sua gravidez será tranquila e o parto sem dor.

A arara continuou falando, sem que Thomas desse a atenção devida:

— Rigorosas restrições estão ligadas ao uso da erva ka'a ruvixa — repetiu mais de uma vez, a arara, tentando, em vão, se fazer ouvida. — Restrições que, se violadas, se pagará com a própria vida.

O pensamento de Thomas, há muito, estava longe, talvez ligado a uma linda menina que atendia pelo nome de Porãsy. Ele não ouvia mais a ave. Com isso, não ouviu uma parte muito importante das recomendações:

— Quanto ao homem que fizer uso da ka'a ruvixa, terá que ser casto. Se ele se manter sem impurezas sexuais, se manterá sempre jovem, nunca envelhecerá, e será imortal. No entanto, o homem que fizer uso do chá da ka'a ruvixa de forma negligente e não seguir os preceitos a ela ligados será um homem morto. O colapso o enlouquecerá. Ele ficará preso entre os mundos e morrerá.

O tempo corria.

Thomas juntou o que poderia levar numa mochila, guardou com cuidado a erva ka'a ruvixa, pois ela seria a fonte de ligação entre os escolhidos e o que despertaria a magia e a força deles.

Estava pronto. Avisaria apenas ao avô para tranquilizar a família, pediria segredo sobre sua missão, tomaria sua benção e partiria.

Quando ainda estava com o acampamento no horizonte, enquanto caminhava pelo acostamento da rodovia, Gua'a Hovy, a Arara Azul, pousou em seu ombro esquerdo.


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Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora